Era uma rapariga simpática, atenciosa, delicada, boa profissional. Embora madeirense, viera estudar para o continente e por aqui ficara.
Conheci-a como funcionária de uma escola onde leccionei. Cristã convicta, não deixava de questionar opções, critérios e estruturas. Com ela mantive longas e agradáveis conversas.
Casou e desse enlace nasceram dois filhos. O marido, bastante aventureiro na questão de negócios, deu passos maiores do que as pernas. O resultado foi a ruina económica. E como uma desgraça nunca vem só, enveredou pelo caminho do álcool que o haveria de vitimar.
Só e com dois filhos por criar, crivada de dívidas, volta à sua Madeira. Desfaz-se de tudo para pagar algumas dívidas. Lança mão de todo o trabalho que lhe aparece extra-horário. Passa ela e os pequenos por toda a espécie de privações.
Com o passar dos anos, o calvário piora. É que o filho mais velho envereda também pelo alcoolismo. Não só não trabalha como consome o que à mãe e irmão faz tanta falta. O mau viver em casa é agora a coroa de espinhos de uma vida flegelada.
O filho mais novo é bom aluno e quer continuar os estudos. Mas como, se não há meios?! Ninguém aparece para ajudar. Os pais já partiram. Os irmãos não podem, os sogros nem ligam...
Nas férias, o rapaz agarra-se ao trabalho que lhe aparece. Após a conclusão do 12º ano, entrou em Direito, em Lisboa.
Como fazer? E lágrimas queimam as feridas abertas pelo calvário da vida. Não, o rapaz seguiria o seu destino. Ela ainda trabalharia mais e pouparia mais, comendo só uma vez ao dia.
O rapaz teve direito a uma bolsa de estudo (Nem só os ricos é que as têm, às vezes também calham aos pobres!!!). E as propinas? E os livros? E o comer? E o vestir? E as fotocópias? E as viagens? E...?
Este estudante de Direito nunca vestiu ou calçou nada de marca, não tem telemóvel, nem carta de condução, nem consola. Muitas vezes come mais do que uma refeição porque os amigos da residência universitária onde está, sabendo da sua situação, repartem com ele.
Mas não se queixa, nem se revolta. Estuda apenas para conquistar a pulso um lugarzinho ao Sol. E para ajudar a mãe.
Alguém procura ajudar? Porventura. Mas não saiba a esquerda o que faz a direita...
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