quarta-feira, 3 de outubro de 2007

O Burro Esquelético

Uma bela madrugada de sexta-feira do longínquo ano de 1985, uns comerciantes compraram um burro aos ciganos, na feira semanal de Trancoso.
Se houve fraude, já prescreveu e, como o crime era privado ou semi-público, só poderia organizar-se processo mediante queixa!
Ao passar numa das aldeias, entre a vila de Trancoso e a cidade de Vila Real, já de manhã, transportando o burro juntamente com outros animais, quando se apearam para tomar a bucha, aperceberam-se de que o burro era muito magro, quase esquelético e muito lazarento. Por isso, desalojaram-no do veículo e abandonaram-no.
Os habitantes da aldeia tentaram empurrá-lo para a terra vizinha e estes para a mesma ou para outras e assim por diante. Mas o burro, teimoso como era, voltou discretamente ao local onde fora apeado.
Oito dias depois, o dono dos terrenos que o burro ocupava abusivamente, encontrou-se com o pároco das freguesias no restaurante, ao almoço (eu testemunhei as cenas). E desfia:
– Senhor Padre, como vamos resolver o problema do burro? Anda-me ali no terreno...
– Eu é que sei? É alguma coisa comigo? – questiona o padre, admirado.
– É um problema de saúde pública!
– Então, olhe: telefone ao Delegado de Saúde! A problemática da saúde pública é tratada com ele...
E de imediato, o senhor faz isso mesmo – telefona – mas a resposta foi pronta:
– Isso não é comigo; é com o senhor Presidente da Câmara. É ele quem tem jurisdição sobre todo o território municipal.
Incomodado pelo telefone, o Presidente da Câmara, descarta:
– Essas questões são com o senhor Chefe de Zona Agrária. São assuntos de agro-pecuária... Telefone-lhe, fale com ele!
Feita mais esta diligência, a decisão não se fez esperar:
– Isso é com o Comandante dos Bombeiros Voluntários! Bem me parece que é matéria de transporte de seres abandonados, doentes e quase moribundos...
Também este, quando contactado, empurrou de imediato a responsabilidade:
– Fale ao Comandante da GNR. É com ele a manutenção da ordem pública.
E, porque este, alegando a jurisdição de cada freguesia, sugeriu a comunicação com os Presidentes de Junta de Freguesia da área, eles foram todos sucessivamente abordados. Porém, todos e cada um, por sua vez, diziam nada ser consigo.
Finalmente, contactado, um talhante e autarca sentenciou:
– Isso não é nada comigo. Quero lá saber: não me dá ganho nenhum...
Farto de diligências infrutíferas e de tanta manobra de diversão inquiritiva, o dono dos terrenos interpela furioso o abade:
– Senhor Padre, afinal, como é? Ninguém se interessa, ninguém se quer incomodar!
Ao que o pároco responde com tranquilidade supina:
– Senhor António, que lhe posso fazer, se a família não quer saber?.
Louro de Carvalho, enviado por email
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Se excepturamos o anedótico da história, não fica muita de HISTÓRIA?
Neste país, quantas vezes nos surgem problemas e temos que andar de Anás para Caifás, porque cada a quem batemos à porta empurra a responsabilidade para outro?
Informação correcta e precisa não abunda. O cidadão anda tantas vezes às apalpadelas em busca da pessoa certa a quem se dirigir...
Quando há problemas graves, então é o lindo! Ninguém quer assumir. E o calvário burocrático da irresponsabilidade flagela ainda mais a pessoa em dificuldades.
A quantas portas bateu o pobre do senhor António para tentar resolver o problema do burro??? E alguém lhe resolveu o problema?
E quantos e quantos não se viram já em situações paralelas na vida?

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