domingo, 28 de janeiro de 2024

Há quem chegue e fique; há quem chegue e logo parta; há quem chegue, fique um tempo e depois parta.

Há quem chegue para ficar. É assim na vida social, afetiva, amical, familiar, política, associativa. Gente que chega de coração lavado e mente aberta. Gente que sabe que o outro também é humano, com falhas, defeitos, pecados, limitações, temperamento próprio, com sonhos e projetos, com momentos bons e menos bons.
Gente que fica porque aceita o outro e descobre nele o encanto de ser humano. Gente livre para ficar.

Há quem chegue e logo parta.
Chega de mansinho ou com com estrondo. Mas parte logo. Inconstante, superficial, volátil, dado a momentos, sem estofo interior. Borboleta saltitante.

Há quem chegue, fique um tempo e depois parta.  Fica pelas primeiras impressões e/ou por outros motivos:
por interesse (económico, social, solidão, mau momento vivencial, necessidade de desabafar, projeção na vida, segurança...)
- por ser instável. Tanto quer como não quer; tanto se entusiasma como se dececiona, tanto se endeusa como a seguir corre para o psiquiatria,  tanto atinge o céu como depois cai no fundo do poço, tanto se acha o melhor como depois sente que a vida não tem sentido,  tanto faz juras de amizade como desaparece. Tanto ama como despreza. Cansa-se de tudo e de todos. 
- por egocentrismo. Ele é  que conta e o mundo tem a dimensão do seu umbigo. Eu, eu, eu, eu, eu... O resto é paisagem que interessa ou deixa de interessar conforme acaricia ou não o ego.
"Eu e o meu projeto profissional"...
"Eu e a minha vida pessoal"...
"Eu é que sou o melhor em todo o lado por onde passo"...
"Eu é que sou a vítima"...
"Eu é que tenho razão"...
Tão egocêntrico que parece um eterno adolescente. Não tem raízes, por isso não cresce e cansa.
Não gosta de ninguém a não ser de si mesmo - se é que é capaz de gostar ao menos de si!
É um pobre diabo, digno do basismo da compaixão.

sábado, 27 de janeiro de 2024

R)Evolução

Fazem falta artigos como este.

Na minha humilde opinião, e na verdade, ao admitir-se a bênção para pessoas em determinadas situações, também se está implicitamente a reconhecer - e, a meu ver, bem - o que nelas há de humano (e, por isso de divino), de dramático e de exaltante, de abismo e de elevação, de pecado e de graça. E essas pessoas não são «os outros», somos nós, são nossos irmãos, irmãs, filhos, filhas, afilhados etc. Comem à nossa mesa.
Mas sobretudo, com a "bênção pastoral" está-se a reconhecer que não é mais sustentável uma certa visão desconfiada e repressora da sexualidade, que a confina a formas institucionalizadas de vida e parte de uma visão naturalista, que está bem longe de uma visão integrada e integradora, humanizada e humanizadora, da vida afetiva, cujo princípio ético fundamental é o do amor, que se dá ao outro e dele cuida.
Quando nos toca ter à mesa, em casa, em família, pessoas extraordinárias, diria mesmo, santas, mas que não cabem no estreito figurino do "ideal cristão" da nossa catalogação moral, somos, no mínimo, levados a repensar quanto a "ideia" está longe da realidade, quanto "os princípios", a partir dos quais, encaixamos os outros numa bitola de irregularidade, deverão ser repensados, à luz de uma visão antropológica e bíblica, cujos avanços nos têm aberto os olhos pelo menos para o mistério e para a complexidade da vida de cada pessoa, a quem não podemos simplesmente dizer que está fora da norma e por isso excluída dos bens da salvação. E não se pode simplesmente pedir "abstinência" dos gestos que exprimem a comunhão afetiva entre pessoas, a quem não foi dado poder viver assim.
Será preciso ser mais explícito no futuro e dizer bem e bendizer de quanto bem, de quantos sinais de Deus, há naquilo e naqueles em quem só vemos o mal ou a contradição com o nosso ideal. Neste sentido, concordo que à mudança pastoral, subjaz uma releitura dos princípios, a partir de uma hermenêutica, capaz de aprofundar e fazer evoluir a doutrina moral.
De resto, não é preciso ser muito erudito, para perceber quanto ao grande rio da Tradição da Igreja chegaram, ao longo da história, muitos afluentes (influentes), de matriz pagã, que envenenaram de suspeita, de rigidez, de maldição e pecado o prazer sexual que Deus criara para a nossa alegria e humanização.
Às vezes, interrogo-me onde foram buscar tantas "regras", quando a Revelação bíblica, e sobretudo os Evangelhos, parecem tão desinteressados e até omissos sobre questões que hoje constituem as grandes bandeiras da luta pela defesa do Magistério "imutável da Igreja", que, bem vistas as coisas, não é imutável, não disse nem pensou sempre o mesmo e desde sempre. O recursos às fontes históricas era capaz de nos surpreender. Às vezes, valia a pena recuar não até Trento, como se daí para cá o Espírito Santo nos deixasse órfãos, mas até Jesus Cristo, que nos revela o desígnio do Pai. Oh, quanta quinquilharia eclesiástica não seria relegada para o armazém dos acessórios teológicos!
Este artigo pode incomodar os que fizeram da Tradição e dos princípios um produto congelado.
Mas ajuda-nos a beber na água viva do Evangelho.

Fonte: Amaro Gonçalo, Facebook


sábado, 13 de janeiro de 2024

O que são relações irregulares?

 
Muito se tem dito e escrito sobre a declaração “Fiducia Suplicans”, da Congregação para a doutrina da Fé (CDF), que permite a bênção informal e fora do contexto litúrgico, de casais em situação irregular. Não tenciono, nem me sinto capacitado, para analisar a legitimidade ou não dessa declaração. Deixo essa análise para os teólogos, especialistas em teologia dogmática e para aqueles que, não tendo essa formação específica, mandam “bitaites”, com a mesma certeza de que são especialistas e sabem tudo, sobretudo sabem mais que a Santa Sé e a CDF.

Tenciono analisar o que são casais em situação irregular, que é uma terminologia que me inquieta há muito tempo. A irregularidade de uma relação é vista com os olhos de Deus ou dos homens? Se tentarmos compreender o que é uma relação irregular aos olhos de Deus, não podemos esquecer que em todas as Quaresmas, aquando do primeiro escrutínio batismal, escutamos todos os anos que Jesus Cristo, ainda que não esquecendo a sua condição matrimonial, mas não a martirizando com isso, concedeu a graça a uma samaritana, que vivia em situação irregular, de ser a principal anunciadora do Messias na cidade de Sicar, na Samaria (Jo. 4, 1-41). Provavelmente, por ela ter uma situação afetiva e familiar complicada, necessitava mais desse encontro com o Messias do que todos os Fariseus, que eram judeus rigorosamente observantes e que viviam de acordo com a lei judaica, mas que causaram a morte de Jesus Cristo.

Em que consiste a irregularidade de determinada relação? Eu não consigo encontrar resposta! Dizer-se que determinada relação é irregular é, na minha opinião, algo, não só profundamente injusto, como muito subjetivo. E é isso que a dita declaração trata. A maioria das pessoas olharam para a declaração da CDF, unicamente pela possibilidade de um ministro da Igreja Católica executar uma bênção informal e fora do contexto litúrgico a casais do mesmo sexo, mas a Declaração é mais do que isso. Mas, uma vez mais, as análises se afunilaram no problema da sexualidade. Ao contrário do Jesus Cristo fazia, nós temos a tendência para olhar a genitália e sexualizar, desse ponto de vista, todas as relações, como se a união entre duas pessoas do mesmo sexo se cingisse, unicamente, à possibilidade de práticas sexuais. O mesmo acontece com duas pessoas divorciadas, que se uniram numa relação de amor sincero: a sua união não é unicamente uma relação sexual. Não há nenhuma relação verdadeira que se limite, apenas, à questão sexual, seja heterossexual ou homossexual. Quem defende o contrário, das duas uma: ou desconhece a realidade das famílias, ou, de facto, tem um problema com a sua própria vida sexual.

Por outro lado, todos nós temos famílias e vivemos no mundo atual. E não há famílias perfeitas. Muitos membros da Igreja Católica, sobretudo da sua hierárquica, que criticam esta declaração, surpreendentemente esquecem-se que também têm família. O Clero atual, ao contrário do que sucedeu em séculos e décadas anteriores, nos quais éramos oriundos de famílias nobres e cristãs, também é, no presente, proveniente de famílias em união de facto, com pais divorciados, recasados em segunda ou terceira união, é têm membros da sua família (por exemplo, irmãos), que são homossexuais casados, em união civil. Não podemos esquecer o sítio onde nascemos e a família a que pertencemos. Negar a nossa origem familiar é negar a nossa identidade. Para já não falar de negar o direito à misericórdia e ao amor divino, que Jesus nos mostrou, através da samaritana, que todos têm.

Por fim, está na altura de a Igreja se preocupar veementemente com a violência familiar e de género, em vez da vida sentimental e sexual das pessoas, que precisam e querem a graça de Deus. Neste momento, passo a maior parte do meu tempo num país, onde quase todos os dias há crimes de violência de género. Sei disso, porque em Espanha há uma autêntica consciência pública e nacional contra estes crimes. Ora, Espanha e Portugal têm quase o mesmo número desta tipologia de crimes, mas têm uma grande diferença entre o número de habitantes. Espanha tem cerca de 40 milhões; em Portugal temos os eternos 10 milhões. Logo, em Portugal a percentagem de crimes por habitante é muito mais elevada. Mas curiosamente não há, nem de longe nem de perto, o mesmo ênfase no debate e na consciência pública sobre esses crimes. Esse assunto, para mim, é muito mais importante do que saber se devo ou não ser uma barreira à bênção de Deus, a pessoas que a procuram e necessitam dela.

Em que consiste a irregularidade de determinada relação? Para mim uma relação irregular é toda a relação humana em que habita permanentemente um estado de tristeza e angústia. Em todas as relações é necessária uma bênção para levar um pouco de luz e graça de Deus. E quem se negar a isso, não só está a criar um cisma na Igreja Católica, como – e arrisco a dizer que é o mais importante! – está a criar um cisma entre a vida e as circunstâncias concretas em que vivem as pessoas e a hierarquia local da Igreja Católica. Por isso, faço o que a Igreja, guiada pelo Espírito Santo, me pede. Grato a Deus, porque através do Seu Filho, Jesus Cristo, que derramou o seu sangue por todos, nos enche de Bênçãos.

P.e Miguel Neto, aqui

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

"A Igreja precisa de atualizar a sua linguagem"


Aproveitando as Novas Tecnologias, as legiões ultraconservadoras e fundamentalistas de inspiração  católica avançam como "Bando de Hunos" sobre os incautos leitores, semeando confusão, perplexidade, sofrimento, indefinição...
São grupos minoritários mas com uma dinâmica de seita.
Neste contexto, sabe bem a leveza, ar puro, novidade agradável a leitura de textos de gente que, nos tempos atuais, tem a "ousadia" de puxar para a frente.
Contaram-me que um doente no Hospital foi posto a oxigénio. A determinada altura, o médico mandou retirar o oxigénio para ver como reagiria. Logo a seguir o doente parecia perdido, desnorteado, confuso, alucinado. Reposto o oxigénio, a pessoa voltou ao seu normal, parecia outra...
Perante o ar gasto, poluído, doente, para que os tradicionalistas puxam constantemente e que os fundamentalistas querem impor, os católicos precisam da liberdade do "oxigénio" que é o Evangelho e das portas e janelas abertas que os que ousam ir em frente sabem abrir...
Claro que ao lermos, nem sempre concordamos com tudo. Muitas vezes lá surge um "atchim" advindo da alergia a certas afirmações. Mas fica a leveza, o ar puro, o belo desafio do caminho.
Então leia aqui

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

FELIZ 2024? VALE O QUE VALE…

Estes dias têm sido um chorrilho de votos, frases feitas, pré-formatadas, de gente feliz por bagatelas. Repetir à exaustão desejos não passa disso mesmo = intenções. Vou-me cruzando com verdadeiros atentados à seriedade afetiva, honestidade intelectual e verdade espiritual. Gente feliz sem Deus!
Quantos começaram o ano em ação de graças a Deus? Quantos participaram na Eucaristia no primeiro dia do ano civil? Católicos de encher pela boca! Rótulos belos sem qualquer conteúdo = típico mundanismo espiritual. Devotos do deus Baco, seguidores do santo Narciso, comensais fiéis do Demo que conseguem expelir pela boca profanações, travestidas de votos, tidas por “sagradas”, mesmo que há muito arredados de Deus! Que carregam no coração? Quem preside às suas escolhas e prioridades?!
Gente feliz ocupada em farras, brindes, fogo de artifício, lautos banquetes e fetiches de circunstância. Cada um dá o que tem e agarra-se ao que acredita. Espremido? Nada! Tanta hipocrisia! Tanto fogo de vistas! Tanta gente a desejar aos outros o que nem para si consegue! Votos de feliz 2024 sem Deus?! Sinceramente! Gozando com Deus e invocando o seu santo nome em vão? Então, mandam às favas a “santificação de domingos e dias santos de guarda” e ainda fazem votos de felicidade sem/com Deus? A soberba e sobranceria é tanta ao ponto de até se julgarem também cobertos de razão! De facto, quando se trata de ter lata, há-a para todos os gostos e tamanhos… Cada vez mais!
Para tantos, como reza a história, o fim está mesmo próximo: «Numa estrada, alguns metros antes duma curva, dois frades seguravam um cartaz que dizia: "O Fim Está Próximo! Arrepende-te e Volta Para Trás!". Nisto, passa um carro e eles mostram-lhe o cartaz. O condutor do automóvel dá uma gargalhada, insulta-os e segue em frente. Instantes depois ouve-se um grande estrondo para lá da curva. Diz um dos frades para o outro: “Olha lá... Se calhar já devíamos mudar o cartaz e escrever antes “A Ponte Caiu", não?»
A bênção é outra coisa, bem diferente…
“Que o Caminho seja brando a teus pés,
o Vento sopre leve em teus ombros.
Que o Sol brilhe cálido sobre a tua face,
as chuvas caiam serenas em teus campos.
E até que eu de novo te veja,
Deus te guarde na palma da sua mão.”
(P. António Magalhães Sousa)