O Josué, apesar da deficiência mental, era um rapaz simpático e a quem toda a gente naquela terra respeitava. Mal vestidito, com a saliva a correr-lhe levemente pelo canto da boca, lá andava pelas ruas da terra, sempre agarrado ao seu hã, hã, hã, a meia voz, que se tornara identificativo da sua presença.
Falava com muita dificuldade, ficando-se quase só pelas sílabas tónicas das palavras. Mas a aldeia, de tão habituada, entendia-o perfeitamente.
Tinha uma memória de elefante, por isso, quando alguém o provocava ou ele entendia que estava a ser injusto para com outrem, não tinha papas na língua e cantava-as todinhas.
Naquele dia, na taberna, onde ele entrava sem nunca aceitar uma gota de qualquer bebida alcoólica, um cavalheiro queixava-se do mau proceder dos seus filhos, bastante vadios e rebeldes. O Josué não gostou do queixume e saiu-se como uma flecha:
- Poi tu ba mulhé e bé!...
Toda a gente entendeu a mensagem como eu a traduzo: "Pois que admira que eles sejam assim! Tu também bates na tua mulher e embebedas-te!".
O queixoso, homem grandalhão e fortalhaço, corou. Fosse outro a dizer-lhe isso e teríamos sarilhos. Mas ao Josué...
Certo dia, pela Comunhão Pascal, ele também se foi confessar. Apareceu-me sorridente, com o fiozito a escorrer, e com o seu costumeiro "hã, hã, hã", embora em registo mais baixo. Bem sabia que, dado o seu estado de saúde mental, não precisava de se confessar nem o sabia fazer. Mas procurei acolhê-lo o melhor que soube. Naquela hora o rapaz bloqueou completamente. Só sorria. Por fim, disse-lhe que rezasse o Pai Nosso ao "Mi" (era assim que ele se referia a Jesus - o Amigo). Para meu espanto, ele, levantando um braço, respondeu-me desembaraçado:
- Ré tu ga nhei!
Traduzo: "Reza-o tu, porque tu é que ganhas o dinheiro!"
Ora toma!
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