sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Concílio Vaticano II: 50º aniversário

A 25 de Janeiro de 1959 (já lá vão 50 anos), João XXIII surpreendeu o mundo com o “audacioso” anúncio de um “ecuménico e geral concílio” para promover o “aggiornamento” da Igreja, almejando a sua renovação e actualização, o que implicava a apresentação da Igreja Católica ao mundo enquanto esposa de Cristo “sem mancha nem ruga”.

Para tanto, tornara-se necessário ouvir o mundo e perceber nele os sintomas do Reino de Deus sob a designação de “sinais dos tempos”; banir do “depósito da fé” aquelas formulações que o tempo lá introduziu indevidamente; arejar a doutrina de modo que ela se tornasse acessível a todos por força da linguagem e das atitudes de todos os seguidores de Cristo, mormente daqueles que maiores responsabilidades têm na configuração e perspectivação da acção pastoral e apostólica (era preciso remover o pó acumulado na cadeira de Pedro desde o ano 313); e reforçar a fidelidade pessoal e comunitária ao Redentor do Homem, reafirmada na clareza da fé, na firmeza da esperança e na ardência da caridade.

O Papa mandou ouvir todos os bispos do mundo, os superiores dos mosteiros e conventos e os responsáveis das universidades eclesiásticas, acerca dos temas a discutir em Concílio, para que a fase preparatória não fosse enformada única nem maioritariamente pela Cúria Romana; e quis a mobilização de todas as atenções para esta realização eclesial, suscitando as orações de todos, o estudo interventor dos teólogos e a participação, com o estatuto de observador, dos principais representantes das confissões não católicas.

Muito se tem dito sobre o anúncio do concílio: que João XXIII era um papa de transição, que não medira as consequências de um evento desta natureza, que, no leito da sua moribundez, pedira que parassem o concílio, que Paulo VI, em razão da sua natural timidez, nunca o teria convocado.

Parece esquecermo-nos de que este marco da Igreja Católica não surgiu por geração espontânea. As gerações primisseculares deram corpo a significativos movimentos engrossaram dentro da instituição eclesiástica e que impuseram o seu peso ao mundo do apostolado: o movimento ecuménico, o renovamento bíblico, a reforma litúrgica de Pio X e a promoção do laicado, com o “Opus Dei”, de José Maria Escrivã, e a Acção Católica, de Pio XI. Aparentemente, o pontificado de Pio XII teria conseguido tudo o que era possível na modernidade, pela reafirmação da doutrina, pela relevância da Sagrada Escritura, pelo afloramento de espiritualidades ousadas, de que destaco o “Oásis”, de Virgínio Rotondi, e o “Movimento por um Mundo Melhor”, de Ricardo Lombardi, e pela criação dos Institutos Seculares.

No entanto, a Bíblia continuava longe do povo e subalternizada na Liturgia; esta tinha a barreira da língua latina entre Deus e os crentes, bem como um conjunto de discursos e sinais já pouco inteligíveis nos tempos hodiernos; o movimento ecuménico estava dificultado pela superior afirmação da excelência do catolicismo; o movimento laical e espiritual sofria de um défice de autonomia, já que necessitava da direcção ou do mandato da hierarquia. E a Igreja colocava-se na sua exclusiva posição de docente em relação ao mundo, assumindo uma vertente anatematizante.~

O Concílio traz uma lufada de ar fresco e pretende, no dizer do Papa João, “revestir de luz cristã e penetrar de fervorosa energia espiritual não só o íntimo das almas, mas o conjunto das actividades humanas”.

Com Paulo VI, sem renunciar à dinâmica da renovação, o concílio, surpreendido pela Encíclica “Ecclesiam Suam”, ganha a perspectiva irreversível do diálogo. Assim, arredando do seu espectro as atitudes condenatórias, a concepção de Igreja passa da imagem de pirâmide, em cujo vértice se situava o Papa, para a mais dialogal imagem de Povo de Deus (na igualdade fundamental e na acção de todos), Esposa de Cristo (aliança e união profunda na alteridade, vitalidade e complementaridade) e Corpo de Cristo (sentido de cooperação, coesão e diferenciação de funções e serviços). Esta Igreja realiza o diálogo entre os seus membros, promove o diálogo e a comunhão dos homens com Deus e, auscultando o mundo do pós-guerra em seus sofrimentos, anseios, alegrias e realizações, dialoga, ora aprendendo com ele, ora ensinando-o, ora simplesmente emparceirando com os seus projectos, mostrando um rosto mais cristomórfico, revelador de um Deus mais próximo de todos.

É o reino do diálogo servido pela tolerância e pela convicção, em ambiente de proposta respeitosa da fé esclarecida, em busca da comunhão plena entre os homens. É o livre espaço da afirmação do divino, reconhecendo a autonomia das realidades terrestres. É o campo da revelação divina de braço dado com a ciência, a aprofundar, e com a técnica e a tecnologia, a “humanizar” o homem e a construir o progresso sustentável.
Louro de Carvalho

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