Constituirá um marco notável da História Eclesiástica a XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, em decurso no Vaticano entre os dias 5 e 26 de Outubro, sobre “A Palavra de Deus na Vida e na Missão da Igreja”. E são vários os motivos: participam nesta magna assembleia 25 mulheres, das quais 6 peritas e 19 auditoras; o papa interveio em plena aula sinodal; e, pela primeira vez, um rabino (um não cristão) discursa numa assembleia católica de alto nível.
O sínodo, instituído por Paulo VI em 15 de Setembro de 1965, pelo Motu Proprio “Apostolica sollicitudo”, na sequência do Concílio Vaticano II, como testemunho da colegialidade dos bispos em comunhão com o Bispo de Roma, não é um concílio nem um parlamento. Assume-se, antes, como uma instituição eclesial criada na atenção aos sinais dos tempos e com vista à interpretação profunda dos desígnios divinos, através do estudo comum das condições da Igreja e da procura de soluções para as questões relacionadas com a sua missão.
Foram já celebradas 12 assembleias ordinárias, 2 extraordinárias, 8 especiais e está convocada uma especial para África, a decorrer de 4 a 25 de Outubro de 2009.
Ao contrário do concílio, em que participam todos os bispos que não estejam fisicamente impedidos, no sínodo participam delegados de todos os países onde a Igreja Católica esteja implantada, mesmo que em infimidade numérica. Mas as assembleias são amplamente preparadas nas dioceses e noutras estruturas eclesiais a quem é enviado, com a devida antecedência, o documento de estudo (lineamenta) em que se desmultiplica o tema numa infinidade de questões e subquestões às quais se deve responder. Os relatórios das dioceses dão origem, além de relações por grupos linguísticos, ao “instrumentum laboris”, o documento que serve de base ao estudo dos padres sinodais, a melhorar com as intervenções de quantos houverem por bem fazê-lo, com o apoio de peritos e auditores. E, para lá da mensagens que os padres sinodais eventualmente possam produzir para o exterior, como seus autores, cabe-lhes a elaboração de uma proposta de exortação apostólica, que o papa examina, retoca e assume como sua, para a dirigir a toda a Igreja. Tem, por exemplo, sido muito debatida a “Sacramentum Caritatis” de Bento XVI, editada em resultado do sínodo de 2005 sobre a Eucaristia.
Porém, o que torna este sínodo um acontecimento incontornável é a atenção deliberadamente prestada à palavra de Deus na vida e missão da Igreja. Trata-se de um fórum poliédrico em que a Palavra de Deus tem um aprofundamento de excepção, não apenas enquanto património da humanidade consignado em Livro, mas sobretudo enquanto dinamismo vivo, quer quando, lida em termos de meditação pessoal, orienta a consciência e os impulsos espirituais de cada um, quer, sobretudo, quando, proclamada em assembleia litúrgica ou paralitúrgica, impulsiona a vida de toda a comunidade. Mais: a palavra divina não se esgota no âmbito do Livro, mas persiste viva e operante na tradição dinâmica da Igreja que a todo o momento pode gerar a inovação, a renovação e a transformação das mentes, das atitudes e dos comportamentos das pessoas e da comunidade.
Não é por acaso que o Papa, qual Bispo da Igreja Católica, se dirige aos Padres Sinodais, os bispos, indicando a necessidade de superar a dicotomia entre a exegese bíblica (estudo dos textos, sua origem, contexto, evolução e significado) e a teologia, enquanto ciência que emoldura a fé esclarecida da Igreja e de cada um dos seus membros, estriba a arquitectura de uma moral consistente e implica uma acção pastoral atenta aos problemas e anseios do homem e à missão da Igreja. Não quer mais o papa uma exegese bíblica desvinculada do ambiente da fé, a ponto de ela configurar um trabalho que qualquer estudioso poderia fazer com perfeição técnica, mas longe do apelo do dom de Deus.
E um dos delegados de Portugal, D. António Bessa Taipa, interveio publicamente na 15.ª Congregação Geral, na tarde de 14 de Outubro, para: sugerir a relação íntima do mistério da Palavra de Deus com o mistério da Eucaristia, de modo que, na missa, a Liturgia da Palavra e a Liturgia Eucarística possam entender-se, sem margem para equívocos, como uma única acção litúrgica; estabelecer a relação entre a Sagrada Escritura, o Mistério da Bíblia e o Mistério Eucarístico, de modo a considerar a Sagrada Escritura como livro especial e a inculcar a veneração da Bíblia como Livro Santo, humano-divino; e, ainda, articular a leitura assídua da Bíblia com a atenção permanente ao mundo, que, por mais que vejamos e ouçamos, é preciso amar em suas dores e sofrimentos como Deus o amou e ama.
Oxalá que este espectáculo de formação, estudo e oração augure uma Igreja mais eficaz e mais credível num mundo cada vez mais escravizado pela “latria” do relativismo.
Louro de Carvalho (enviado por email)
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