segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

"Há médicos e professores a pedirem-nos ajuda para dar de comer aos filhos"

A denúncia parte de Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar(BACF). São os 'novos pobres': a classe média sobreendividada.
Manuela, 33 anos, hesitou antes de escrever aquele «e-mail» para o Banco Alimentar Contra a Fome (BACF). E mesmo enquanto o redigia, não tinha ainda a certeza de, no fim, ter coragem de carregar no botão de enviar.

Ela, bacharel em Relações Internacionais, quadro de um ministério, casada com um professor de educação física ex-atleta olímpico. Ela, mãe de uma bebé com cinco meses, tinha agora de pedir ajuda para alimentar a família. O marido que ficou sem emprego, um salário de €2000 que desapareceu no mês em que festejaram a gravidez, a renda da casa que foi falhando vezes de mais, o cartão de crédito gasto até ao limite, o apartamento trocado por um quarto, e nem assim a comida chegava à mesa .
"No dia em que enviei o «e-mail» faltavam três semanas para receber e só tinha €80", explica. "Havia para a bebé, mas nós íamos passar fome".O caso tem um mês. Ana Vara, assistente social do BACF, ligou a Manuela mal leu o pedido. E disse-lhe o que tanto tem repetido ultimamente:

Não tenha vergonha, não é a única. "Nos últimos quatro meses, mais que duplicaram os pedidos directos ao banco alimentar. E há cada vez mais casos de classe média ", garante Isabel Jonet. A directora do BACF chama-lhes "os novos pobres ": empregados, instruídos, socialmente integrados, mas, ainda assim, vítimas da pobreza e até da fome. Nos últimos três meses, chegaram ao banco alimentar de Alcântara 250 casos, 30% dos quais se enquadram nesta nova categoria. E em todos há pontos transversais: mais mulheres, muitas mães, desemprego inesperado, rupturas familiares, e sempre sobreendividamento.(...)
As famílias tradicionalmente carenciadas aparecem no banco alimentar, pedem olhos nos olhos. Os novos pobres gritam por ajuda, envergonhadamente, através do correio electrónico. Como Luciana, médica, cujo desemprego súbito do marido fez ruir a estrutura económica do lar de nove filhos. Sem ele saber, sem o magoar de vergonha, pediu apoio alimentar para um casa onde nunca tinha faltado nada.

Entretanto, nem tudo são lágrimas:
O lucro do Millennium BCP atingiu 191 milhões de euros no primeiro trimestre do ano. Os resultados em base recorrente cresceram 16% nos primeiros três meses do ano.

O Banco Espírito Santo divulgou quinta-feira um lucro de 139,8 milhões de euros no primeiro trimestre, mais 33% que no período homólogo...

O BPI obteve um resultado líquido de 96,8 milhões de euros no primeiro trimestre do ano, um valor que corresponde a uma subida de 30 por cento face a igual período do ano anterior.


O Banco Santander Central Hispano obteve um resultado líquido de 1,8 mil milhões de euros, no primeiro trimestre do ano. Este valor representa mais 21% que no período homólogo...
Jornal Expresso - Raquel Moleiro, com Isabel Vicente, 1/12/2007

Os bancos são donos e senhores de quase tudo...

«Para um breve retrato deste nosso país singular onde cada vez mais mulheres dão à luz em ambulâncias - e assim ajudam o ministro Correia de Campos a poupanças significativas nas maternidades que ainda não foram encerradas -, basta retomar três ou quatro notícias fortes das últimas semanas. Esta, por exemplo: centenas e centenas de famílias pedem conselho à Deco porque estão afogadas em dívidas à banca. São pessoas que ainda têm vontade e esperança de cumprir os seus compromissos. Mas há milhares que já não pagam o que devem e outras que já só vivem para a prestação da casa. Com o aumento sustentado dos juros, uma crise muito séria vem aí a galope .»

«Não obstante, os bancos continuarão a engordar escandalosamente porque, afinal, todo o país, pessoas e empresas, trabalham para eles . Daí que os manda-chuvas do Millenium BCP se permitam andar há meses numa guerra para ver quem manda mais, coisa que já custou ao banco a quantia obscena de 2,3 mil milhões de euros em capitalização bolsista. Ninguém se rala porque, num país em que os bancos são donos e senhores de quase tudo, esse dinheirinho acabará por voltar às suas mãos

«Quer dizer, as notícias fortes das últimas semanas - as da tal «silly season», em que os jornalistas estão sempre a dizer que nada acontece - são notícias de mau augúrio. Remetem-nos para uma sociedade cada vez mais vulnerável e sob ameaça de desestrutruração, indicam-nos que os poderes do Estado cedem cada vez mais espaço a poderes ocultos ou, em qualquer caso, não sujeitos ao escrutínio eleitoral. E dizem-nos que o poder do dinheiro concentrado nas mãos de uns poucos é cada vez mais absoluto e opressor. A ponto de os próprios partidos políticos e os governos que deles emergem se tornarem suspeitos de agir, não em obediência ao interesse comum, mas a soldo de quem lhes paga as campanhas eleitorais .»
Fernando Madrinha - Jornal Expresso - 1/9/2007

1 comentário:

  1. Sobre o assunto dos novos pobres tenho a dizer o seguinte: sou voluntária no Banco Alimentar e tive conhecimento de várias familias que agora se apelidam de novos pobres, isto é, pessoas com formação média ou superior que por diversos factores se viram em situações de carência económica. Analisando um caso concreto em que um casal auferia mensalmente 6000 euros, mas que de repente se viu numa situação de desemprego, com inúmeros empréstimos para pagar e com um estilo que não se coaduna com a situação de desemprego, vêm agora pedir ajuda ao Banco Alimentar, a fim de poderem suprimir as faltas de alimentos em casa. Mas pedem através de e-mail. E o meu comentário para a situação descrita no blog é o seguinte, só tinha 80 euros até ao final do mês, mas tinha e-mail. Faltam alimentos mas não falta internet. Porque os novos pobres, já foram, pelo menos alguns, pessoas com rendimentos altíssimos, mas que contudo, faziam vida de novos ricos, não pensando no dia de amanhã.O que vale é que o Banco Alimentar é o Banco de todos.

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