O ilustre sacerdote a cuja homilia natalícia prestei curiosa atenção, não se cansou de afirmar que o Natal significa a oferta da plenitude de Deus ao homem, através daquele menino do presépio. É a totalidade de Deus oferecida aos homens de hoje tornada proximidade e simplicidade.
Penso que é oportuno reflectir cada vez mais no sentido do Natal, de modo a recentrá-lo no facto que está na sua génese e que lhe garante genuinidade e consequências sustentáveis e duradouras, sobretudo porque esse facto parece estar cada vez mais votado ao esquecimento, ficando-se no serviço de mero pretexto para o consumismo comercial, prestação de efémeras relações sociais, troca de prendas, e, mais pela positiva, festa das famílias e aconchego de estômagos e corpos dos mais deserdados da sorte. Não se renuncia às vantagens que a quadra natalícia comporta, sejam elas sociais, comerciais, políticas ou de mera pausa na prossecução normal do trabalho. Até se lamenta a situação de quantos delas não podem usufruir. No entanto, uns mergulham no mais supino indiferentismo, outros embrulham-se na mescla de elementos religiosos e profanos e alguns embrenham-se no proselitismo da iconoclastia natalícia, tentando ignorar ou degradar os símbolos ou militando no antiteísmo.
Tudo serve para asteniar ou abolir a semântica profunda do Natal: o seu remoto carácter histórico (foi há muito tempo!), o seu pendor sensibilizante (interessante para criancinhas, doentinhos, velhinhos e pobrezinhos!), as exigências da modernidade, ditas incompatíveis, e a afirmação de que Jesus de Nazaré efectivamente não nascera a 25 de Dezembro.
Ora bem: nem os teólogos nem os historiadores se atravessaram alguma vez pela afirmação da natividade do Messias no dia em que ela se comemora, até porque as datas não coincidem nas igrejas do Ocidente e nas do Oriente. Nunca o catolicismo se entrincheirou na questão do calendário. A calendarização sempre foi considerada coisa de pouca monta. Empenho deve colocar-se, antes, na mensagem. O natal, como festa do Cristo Sol Nascente e Luz do Mundo, ocorre por ocasião do solstício do Inverno. Quando o Sol cósmico parece beijar a Terra Fria, o Sol das Almas, com o seu ósculo de incarnação enceta a marcha da redenção a consumar com aquele traço de união entre céu e terra, gizado no Calvário a abraçar todo o Orbe.
É daqui, deste dinamismo anunciado pelos profetas, ansiado pelo povo messiânico, consumado pelo nazareno – do presépio ao Gólgota – que jorra o dinamismo imparável do ósculo entre famílias, permuta de bens entre todos, atenção a todos os necessitados, proliferação de símbolos religiosos, simbologias (luz, calor, verdura, entusiasmo), definição de políticas públicas decentes, sumptuosidade de celebrações, afirmações solenes de paz, esperança, liberdade e fraternidade.
Não esquecer o Natal no seu fundamento augura sustentabilidade e permanência daquelas atitudes consequentes. E luz, mais luz, porque de Deus!
Menosprezar o âmago natalino cava a efemeridade ou mesmo a destruição de pessoas, famílias, povos, valores.
Não será pela prática cumulativa de Natais farisaicos que o cristianismo se tornou obsoleto, descafeinado?
Como é urgente regressar ao Natal da plenitude de deus oferecida ao Homem de cada tempo e de cada lugar, de modo que o ósculo de Deus ao Mundo ensine o homem a oscular Deus osculando o outro homem!
Louro de Carvalho
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