quarta-feira, 19 de novembro de 2008

São os meus pecados. Muito mais mereço a Deus!

Não é uma pessoa muito expansiva e disfarça muito bem. Quem a vê parece que não tem problemas, mesmo que por dentro esteja em "carne viva".
Há dias conversámos longamente. Encontrámo-nos à saída de um estabelecimento e ficámos a conversar . Pareceu-me algo triste e perguntei se se passava algo de especial. Que não tinha nada que me sobrecarregar com os seus problemas, que problemas já tinha eu... Disponibilizei-me interiormente para a escutar. Ela percebeu e lavou a alma.
Tem oito filhos, já todos crescidos e quase todos casados. Quase, porque um está junto. E aqui começa o seu sofrimento. Não lhe cabe na cabeça que tal possa acontecer. Que não fora essa a educação que lhe dera. Não percebe esta juventude actual.
Depois uma filha, a viver numa cidade do litoral, quer abandonar o marido. E tem três crianças. Que tal e coisa, que já não gosta dele, que ele já não lhe diz nada, que tem direito a ser feliz... Várias vezes já se botou daqui lá. Para ouvir, compreender, reconciliar, ajudar a ultrapassar a crise. Mas parece que nada. As coisas estão a encaminhar-se para o desenlace. Ainda por cima sente que o genro é uma óptima pessoa. Fiel, amigo, carinhoso, óptimo pai. Custa-lhe vê-lo arrasado. O sentimento de impotência, a dor da separação, a angústia advinda de três crianças que terão de conviver com a realidade da separação dos pais, o sofrimento imerecido do genro arrasam-na por dentro. "Olhe que chego a sentir raiva à minha filha, que Deus me perdoe!"
Recentemente outra bomba estourou no lodaçal de dor do seu peito. Um outro filho, emigrado nas Américas, abandonou inesperadamente a mulher para se juntar a uma mexicana. E mais dois netos órfãos de pais vivos! Pareciam um casal espectacular, que se entendiam maravilhosamente. Haviam construído uma vida que se julgava radiosa. Ainda há um ano compraram uma herdade no Alentejo. "Nunca vi um casal que tão bem puxasse para o mesmo lado e com tanta sorte na vida. De repente, não sei o que se meteu naquela cabeça! Parece um miúdo de vinte anos. Está ceguinho por aquela mexicana!"
Diz que o marido, homem muito extrovertido, ultimamente nem parece ele. Ensimesmado, impertinente, revoltado. Já lhe dissera que nem a filha nem o filho têm lugar em casa, nunca mais os quer ver.
"São os meus pecados! Muito mais mereço a Deus. Mas olhe que, quando a roda desanda, parece que leva tudo à frente. E um mal nunca vem só."
Mesmo carregada de "comprimidos", diz que não consegue dormir. Reza, recorda, ralha com as paredes, volta a recordar...
No fim, ela mesma se dá uma palavra de esperança. "O nevoeiro não dura sempre, não é senhor padre?"
É. Para além de cada cruz e de todas as cruzes, ergue-se, imbatível, a manhã da Páscoa.

1 comentário:

  1. Não sou mãe, mas uma mãe sofre a valer...
    "Filhos criados, trabalhos dobrados."

    Beijinho sereno***

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