Ouve-se aqui e ali, muitas vezes na brincadeira, "não há vida como a de padre!" Muitas vezes também respondo a brincar: "Então há muito palerminha. Se é tão bom, por que será que há tão poucos pretendentes!? E olha que aqui não há desemprego!"
É preciso preparar e realizar reuniões: Conselho Económico, Conselho Pastoral, catequistas, os vários grupos e movimentos...
É preciso pensar, preparar e e propor ao Conselho Pastoral o Plano Pastoral. Depois, recebidas as alterações, urge pô-lo em prática, sujeitando-o à análise do referido Conselho.
É preciso analisar com o Conselho Económico as obras a realizar, acompanhá-las e escrever dezenas de cartas para aqui e para ali (quem tem obras a realizar em zonas sob a intervenção do IPPAR sabe bem o que isto custa!).
É preciso atender e estudar com as comissões das diversas capelas as obras a realizar no tocante a reparações ou melhoramentos dos centros de culto. Mais umas dezenas de cartas...
É preciso preparar a recepção dos sacramentos...
É preciso presidir aos funerais e, por vezes proceder a alterações de última hora, pois a morte surge quando lhe apetece...
É preciso atender muitas e variadas pessoas que nos procuram ou nós procuramos por causa das mais diversas situações...
Há um Lar da 3ª Idade, um Hospital, os Bombeiros... O Capelão tem de aparecer para desempenhar a sua missão...
O Arcipreste tem de ir às reuniões do Conselho de Arciprestes, presidir às reuniões dos sacerdotes do Arciprestado, procurando exercer humildemente serviço de coordenação..
Há o boletim paroquial que sai em determinadas épocas do ano. O padre tem de o idealizar, trabalhar e imprimir. Não há dinheiro para o imprimir e dobrar fora, tenho que o fazer com a prata da casa...
Há o jornal mensal que ocupa horas intermináveis ao longo do mês, pensando nele, organizando-o, corrigindo-o.
Há um fim-de-semana que não é brincadeira e deixa o padre esgotado.
Há a solicitude pela comunidade que consome e martela. Tanta gente a viver como se Deus não existisse!...
Numa comunidade com tantas festas, é preciso pensar a tempo e convidar os sacerdotes para essas festas, para o serviço da Confissão...
Há documentos a passar às pessoas para isto e para aquilo... Há documentos a enviar e a pedir à Cúria Diocesana...
Há a solidão, tanta vezes mestra, mas também tantas vezes cruz na cruz de cada dia...
Há espaços de oração que é preciso criar, manter e sedimentar...
Há a casa que temos que dirigir e a nossa vida de cidadãos que temos que orientar....
Há a família a quem devemos prestar atenção...
Existimos nós próprios com as nossas limitações, os nossos sentimentos, as nossas tentações, os nossos picos de satisfação, as nossas angústias...
Há os amigos a quem devemos prestar atenção. Se estes tantas vezes compreendem ausências, nós é que não nos sentimos bem, ausentando-nos...
Há gente que sofre e precisa, reclamando a nossa presença e o tempo não estica, e as forças já não permitem mais...
Há os nossos achaques e doenças a reclamar mais atenção...
Há a necessidade de dar respostas e tantas vezes não as temos...
Há compromissos a honrar e nós prisioneiros de outros que não cumprem o que prometem...
Há obras urgentes a fazer e a burocracia emperra tudo...
Há denúncias que nos flagelam e silêncios que nos queimam...
Há gente que não arranca e outros que ficam sempre na margem da crítica...
Há tantas vezes uma Igreja que não sai da sonolência, mas que tudo nos exige como se fôssemos deuses...
Há as nossas limitações (por exemplo, custa-me não ter jeito para a música!), o nosso feitio, a nossa maneira de ser, a nossa disposição de momento... quantas vezes limitam e até nos trazem insatisfação interior perante posições tomadas...
Há cartas e telefonemas que nos chegam e a que temos que responder...
Há pessoas que se sentem mal se nós não vivemos para elas, mas que passam muito bem se ninguém se importa connosco...
Há uma hierarquia que devia estar muito, muito mais presente, mas a quem parece só importar que não lhe causemos problemas...
Há invejas como facas e apoios e incentivos que nunca chegam...
Há a tentação de "porreirismos fáceis" que granjeiam simpatias interesseiras...
Há a exigência da fidelidade à Mensagem do Salvador e da Sua Igreja que, não poucas vezes, nos trazem dissabores, amargos de boca e pedradas...
Fala-se de uma Igreja-Comunhão, mas, ao fim e ao cabo, fica tudo dependente do padre, como pintos da galinha. Os leigos não assumem o seu papel na Igreja e esta tarda em tratar como maiores os seus leigos...
Há uma Igreja que nunca devia dissociar-se dos pobres e parece que cada vez mais a vemos colada - pelo menos pelo silêncio cúmplice - aos interesses dos ricos.
Há grupos - muitos - minoritários embora, mas que não encontram na Igreja o acolhimento filial a que têm direito.
Se a tudo isto somarmos um horário lectivo na escola que deixou de ser um local de ensino/aprendizagem para se tornar num "armazém de alunos" que é preciso entreter, estão a ver...
Sim, não há vida como a de padre!!!
Mas não pensem que é um carpir de mágoas. Sou uma pessoa que gosta do que é. Quero ser mais santo, sem dúvida. Isso peço à Trindade Santíssima de cuja Misericórdia infinita espero o perdão para as minhas faltas e a ajuda para servir melhor.
Confio na oração e amizade de todos para a todos poder amar melhor.
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