"Se Cristo nos libertou, foi para sermos realmente livres." - São Paulo
"Ama e faz aquilo que quiseres." - Santo Agostinho.
Sou ainda de um tempo em que se pregava muito mais o Direito Canónico do que a Palavra de Deus (isto de ser kota tem os seus inconvenientes, mas também as suas vantagens).
Penso ao contrário. Quanto mais Palavra de Deus, menos necessário se torna o Direito Canónico. É que Direito Canónico cheira-me a diplomacia - e o Vaticano é verdadeiramente reconhecido como umas das melhores escolas de diplomacia. Mas não poderá ser a diplomacia o secar da profecia? Segundo o Evangelho, terá sido Jesus Cristo um diplomata no sentido actual do termo?
O Direito Canónico cheira-me a imposições, restrições, limitações, sanções. E estas só a caridade as baliza.
Numa Igreja, casa da comunhão, a verdadeira lei é o Mistério Pascal de Cristo do Qual brota toda a graça e todo o projecto de vida para quem n'Ele acredita. Quanto mais espaço à Igreja-comunhão, menos espaço fica para o Direito Canónico.
O vínculo da caridade é muito mais exigente do que qualquer lei positiva. Então não nos dispersemos do essencial.
Sobre este assunto, vale a pena ler quanto escreveu o Papa João Paulo II:
ResponderEliminar«Outra questão que emerge é sobre a natureza do Código de Direito Canônico. Para responder devidamente a ela, cumpre recordar o antigo patrimônio de direito contido nos livros do Antigo e do Novo Testamento, de onde, como de fonte primária, emana toda a tradição jurídico-legislativa da Igreja.
Cristo Senhor, com efeito, de modo algum destruiu, mas, antes, deu pleno cumprimento (cf. Mt 5,17) à riquíssima herança da Lei e dos Profetas, formada paulatinamente pela história e experiência do Povo de Deus no Antigo Testamento. Dessa forma, ela se incorporou, de modo novo e mais elevado, a herança do Novo Testamento. Embora São Paulo, ao falar sobre o mistério pascal, ensine que a justificação não se realiza pelas obras da lei, mas por meio da fé (cf. Rom 3,28; cf. Gal 2,16), não exclui, contudo, a obrigatoriedade do Decálogo (cf. Rom 13, 8-10; cf. Gál 5, 13-25; 6,2), nem nega a importância da disciplina na Igreja de Deus (cf. 1 Cor 5-6). Os escritos do Novo Testamento permitem-nos, assim, perceber mais claramente essa importância da disciplina e entender melhor os laços que a ligam mais estreitamente à índole salvífica da própria Boa Nova do Evangelho.
Torna-se bem claro, pois, que o objetivo do Código não é, de forma alguma, substituir, na vida da Igreja ou dos fiéis, a fé, a graça, os carismas, nem muito menos a caridade. Pelo contrário, sua finalidade é, antes, criar na sociedade eclesial uma ordem que, dando a primazia ao amor, à graça e aos carismas, facilite ao mesmo tempo seu desenvolvimento orgânico na vida, seja da sociedade eclesial, seja de cada um de seus membros.»
João Paulo II, in Sacrae disciplinae legis, 1983.01.25
O texto completo pode encontrar-se aqui: http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/apost_constitutions/documents/hf_jp-ii_apc_25011983_sacrae-disciplinae-leges_po.html
Entre a caridade e a lei não há qualquer oposição. Como também não há qualquer oposição entre a pastoral e o direito.
Sem qualquer dúvida, a caridade é o mais importante. E o cumprimento da lei é isso mesmo: o cumprimento da caridade dentro da justiça. A caridade, para ser verdadeira, nunca pode ser injusta.
Um abraço fraterno
Pe. José Alfredo
estou espantado! devo ser kota!
ResponderEliminardesde que um padre terminou uma conversa num café dizendo que nunca leu a Bíblia toda, não precisava de conhecer o Direito Canónico e do Concílio Vaticano II só conhecia o que lhe interessava...
Graças a Deus fui aluno de bons mestres, embora não saiba tudo o que deveria ter aprendido com eles. A eles a minha homenagem!
ResponderEliminarQuanto ao assunto em causa, penso que se deve dar o lugar devido a cada um dos instrumentos que enformam o homem de Deus e geram a comunidade solidamente encastelada, com vista à acção e ao crescimento. Recordo que o Venerando AAA, ao listar os denominados lugares teológicos, referia a Sagrada Escritura, a Tradição, o Magistério Ordinário, o Magistério Extraordinário, a Liturgia, o Código de Direito Canónico, etc. E, quando se referia ao Código de Direito Canónico como lugar teológico, dizia: "Esse desgraçado de quem toda a gente diz mal também é um lugar teológico".
Não competindo ao Direito Canónico substituir-se ou sobrepor-se à Sagrada Escritura - que, interpretada, actualizada e vivida pela Tradição Eclesial, é a fonte divina da espiritualidade e do devir comunitário - ou à Sagrada Liturgia, mormente a Eucarística - alimento, espelho e cume da vida cristã - o Código de Direito Canónico tem um papel relevante enquanto regulador da valorização das pessoas e da coisas, da relação entre as pessoas, da concretização dos deveres e direitos de cada um, da identidarização das pessoas e das comunidades, enquanto instrumento do discernimento e guia da equanimidade moral.
Não se pode, contudo, deixar de respeitar a hierarquia das coisas, em que, em primeiro, vem a Escritura. Porém, o Código, sem lhe competir definir conceitos ou criar doutrina, pode muito bem funcionar como espelho da doutrina acessível a todos e ser a expressão de uma grandíssima comunidade viva e madura.
Graças ao Código não se poderá dizer alguma vez da Igreja o que Fernando Pessoa dizia de Portugal “nem rei nem lei, nem paz nem guerra, define com perfil e ser este fulgor baço da terra”; ou “ninguém sabe que coisa quer, ninguém conhece que alma tem, nem o que é mal nem o que é bem; tudo é incerto e derradeiro; tudo é disperso, nada é inteiro”.