quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Fui ao Hospital

Uma das minhas grandes lacunas. A dificuldade que tenho em entrar nos hospitais para visitar doentes. Aquele ambiente, aqueles cheiros e toda aquela envolvência fazem-me sentir mal. Não consigo estar lá muito tempo, parece que me falta o ar, tenho necessidade de sair frequentemente cá para fora... É um constrangimento. Os próprios doentes me perguntam algumas vezes:
- O senhor está bem? Tão branco!...

Mas hoje fui. Mentalizei-me, enchi-me de coragem e fui. Fui ver a "mãezota". É assim que a vejo, é assim que ela me trata.
D. Alzira, senhora de uma força interior fantástica, estava hoje muito prostrada. E logo que me viu, lançou o pedido:
- Leve-me consigo, senhor padre! Em minha casa, eu curo-me mais depressa.
Estava sentada numa cadeira, ligada ao soro, seu companheiro destes últimos 8 dias. Depois, ajudei-a a levantar-se, dei-lhe a mão e caminhámos devagarinho para o seu quarto. A meio do corredor, encostou-se e disse-me que não aguentava com tanta dor, que nada lhe tirava as dores. A auxiliar apareceu e deu uma ajudinha.
Não quis ir para a cama, sentou-se no sofá. Fui-lhe buscar a almofada para ter a cabeça mais confortável. Abanquei ao lado dela e conversámos. De quando em vez o mesmo desabafo:
- Ai tanta dor! Não estou bem em lado nenhum.
Chegaram o filho e a nora. Volta o pedido:
- Levai-me convosco! Em casa eu melhoro mais rapidamente...
Queixa-se da agulha do soro. Um enfermeira aparece para lha mudar. Nós saímos. Foi o que me valeu, pois sentia-me a desfalecer. Vim cá fora, fumei um cigarro, passeei e senti-me mais animado.
Voltei para dentro. Acordou nesse instante a doente da cama vizinha. Já sabia que era de Gondomar, por isso fui vê-la e falar um bocadinha com ela.
Chegou o jantar. Duas enfermeiras dão a comida à boca às duas doentes vizinhas. A D. Alzira serve-a sua nora. Diz que não quer comer, que não tem fome, que está enjoada. A refeição apresenta um óptimo aspecto e cheira deliciosamente. Lá a convencemos a comer alguma coisa. A mim pareceu-me que foi pouco, mas a nora, que a tem zelosamente acompanhado nestes dias de doença, respondeu-me:
- Nada mau. Para aquilo que tem comido...
Procurei animá-la, fazendo das tripas coração. Mas ela precisava mesmo. Mais, ela é que interessava. Lá fui puxando umas tretas para a animar. Que os santos do seu altar estavam tristes e que não se alegrariam enquanto ela não voltasse a tratar dele... Que estava cheio de ver vazio o seu lugar na Eucaristia... Que tinha que arribar, caso contrário o Zequinha arranjava outra, que bem sabia como ele era pardalório... Que o gato, as trutas e as flores da quinta pediam a quem passava na estrada que lhes trouxessem a dona. Pelo menos, com estas pachouchadas, consegui ver-lhe um sorriso e senti-la mais descontraída.
Disse-lhe que me esqueci de lhe levar o terço. De pronto, respondeu-me:
- Tenho lá muitos, o que não tenho é apetite de rezar.
A doença é uma tal coisa! D. Alzira, senhora de uma fé simples, mas arreigada, profunda, que nunca deixa a oração, agora não tem apetite! Falei um bocadinho com ela, animando-a, também neste aspecto.
Apareceu um médico amigo. As enfermeiras continuavam a servir a refeição às doentes. Ao doutor, a senhora disse o mesmo:
- Quero ir para minha casa.
E acrescentou:
- Não tenho razão de queixa de ninguém aqui. Funcionárias, enfermeiras e médicos são impecáveis para comigo. Eu é que não me sinto cá bem.
Tinha mesmo que sair. Após abandonar o edifício, dirigi-me para o carro, sem me sentir bem. Encostei-me ao veículo, tentando recompor-me. Quando achei que estava em condições de conduzir, abalei.
Meu Deus, por que razão lido tão mal com hospitais?

6 comentários:

  1. Não é o único, Sr. Padre Carlos...
    Os hospitais também não me agradam.
    Penso que deve ter a ver com o ambiente demasiado asséptico que envolve tudo e todos. Há no ar um certo artificialismo, um excessivo rigor nas normas a cumprir, que parece que nos tolhem a liberdade... que nos enclausuram...
    Depois, os cheiros a químicos corrompem o fígado...
    Um sistema hospitalar mais de acordo com o que é natural, seria bem melhor.
    Evágrio Pôntico

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  2. Bem haja Amigo!Bem Haja...
    Sei o quanto para Si foi penoso...sei tambem que o Sr. foi das pessoas que ela mais gostou de ver e esperava.Têm sido dias muito dificeis, mas o nosso "Amiguinho" não nos vai abandonar
    Beijo Amigo
    A.R.

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  3. Infelizmente as pessoas olham para os hospitais como locais dolorosos, penosos, sofrimento. Não os vejo assim pois 80% das pessoas entram em sofrimento e muitas delas mais perto da morte do que da vida e saem de lá com muito mais vida. É verdade que há regras e essas são importantes o que não quer dizer que se devam ser sensíveis a estas. deve-se analisar as regras de acordo com cada caso.
    Percebo que seja complicado entender tanta regras... cheiro... hostilidades...etc, mas se estas fossem explicadas aos familiares e doentes certamente todos perceberiam o porque destas e concordariam.
    Parabéns pela coragem de enfrentar esta faceta com vista a continuar a realizar o seu trabalho.
    Relativamente à ultima questão deixada pelo bloguista é muito interessante.

    Red Angel

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  4. Apesar de actualmente se fazer um esforço por que tudo de útil e agradável exista nas zonas públicas dos hospitais, o seu ambiente torna-se desconfortável e os doentes por norma não querem lá estar, ansiosos por vir para casa.
    Porém, para lá de casos deploráveis que os utentes e a Comunicação Social registam, o trabalho hospitalar é muitíssimo meritório. Nunca se paga a dívida de gratidão que se contrai para com as pessoas e instituições. É certo que muitos seres humanos por lá acabam os seus dias e outros vêm desenganados, mas a maior parte dos que lá entram vêm recompostos ou, pelo menos com melhores condições de sobrevivência. Apesar de me considerar um observador atento e apreciador do bom trabalho dos outros, só interiorizei a importância do hospital quando, em circunstãncias de muito grande fragilidade, beneficiei dos serviços do Hospital, cujo acomphamento continua, embora com menor assiduidade.
    É claro que nem todas as experiências pessoais foram boas, mas não sei se era fácil fazer muito diferente.
    Nós não gostamos dos hospitais, mas eles são bem necessários e úteis.

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  5. Sei como te sentes. Concordo contigo. Sinto o que sentes ! Apesar de trabalhar diáriamente com doentes...como te entendo!Sabes que não são os hospitais que nos causam essas sensações,é a nossa negação do sofrimento e da morte ! A vida é um fio invisivel! É a nossa pequenez e impotencia face á doença, real e concreta. É muito complicado o convivio diário com estas realidades...sempre dificil !Muito haveria a dizer acerca deste tema, mas termino dizendo-te bem haja por teres a sensibilidade de transmitires estes sentimentos. Sabes, a "correria" da vida e o material fazem , por vezes, esquecer o essencial. Bem haja.

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  6. Bons amigos!
    Muito obrigado pela vossa presença, pela vossa compreensão, pelo vosso apoio.
    Penso que o tema "hospiais" merece uma reflexão mais exustiva, mais participada, mais envolvimente. Neste post, limitei-me ao meu pobre testemunho.
    Vamos a ver se lá mais para a frente aparece um post sobre um assunto.
    Mas daixai que vos diga: não gostava de ser assim. Gostava mesmo era de poder ir mais vezes aos hospitais, apoiar os doentes, ouvi-los, oferecer-lhes um sorriso e uma palavra de esperança. Mas é mais forte do que eu!
    Existe aqui um hospital de rectaguarda. Apareço raramente e tal nem sempre é bem visto por muita gente.Mas não posso trazer uma placa na testa a dizer: "Sinto-me mal nos hospitais..."
    Um abraço amigo em Cristo Senhor, que torna fortes as nossas fraquezas.

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