sábado, 23 de novembro de 2024

“O clero é o obstáculo número um à sinodalidade”

  “O clero é o obstáculo número um à sinodalidade” porque “não quer perder o poder”, considera o teólogo e padre jesuíta chileno Jorge Costadoat, numa entrevista de fundo publicada pelo site do Instituto Humanitas da Unisinos, na qual defende também uma “dessacerdotalização” da Igreja Católica, no contexto pós-sinodal.

“O Vaticano II, no decreto Presbyterorum ordinis, quis colocar as coisas no seu devido lugar. Ele deu aos ministros a missão prioritária de anunciar o Evangelho. Para tanto, ele reordenou os tria munera (os três serviços ministeriais) nesta ordem: profeta (da Palavra), sacerdote (dos sacramentos) e rei (liderança ou governo). Além disso, ele queria que os ministros fossem chamados presbíteros como se fazia na antiguidade e não sacerdotes (palavra que nunca é usada no Novo Testamento para ministros e que, por outro lado, deixa a porta aberta para reeditar o sacerdócio do Antigo Testamento que, de acordo com o Fardo sobre os Hebreus, Jesus revogou)”.

O que aconteceu, sublinha Costadoat, é que “poucos anos após a sua promulgação, esta reforma tão importante foi deitada ao lixo. Já o primeiro documento importante sobre a formação do clero, em 1970, cinco anos depois do Presbyterorum ordinis, chamava-se Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis. As Ratio nacionais seguiram esse padrão até hoje. Em poucos anos voltamos ao ‘homem sagrado’ que inspira o medo sagrado, que estabelece distâncias com o mundo e as pessoas, que se veste de maneira diferente, que carrega na sua psique uma cisão entre a perfeição que deveria representar e a imperfeição que esconde”.

Leia aqui

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

A morte é a curva da estrada

A morte é a curva da estrada,

Morrer é só não ser visto.

Se escuto, eu te oiço a passada

Existir como eu existo.

 

A terra é feita de céu.
A mentira não tem ninho.
Nunca ninguém se perdeu.
Tudo é verdade e caminho.
Fernando Pessoa

Faleceu o Pedro, desculpem, mas eu digo como acredito: o Pedro partiu para os Braços do Pai. Muito novo, tinha apenas 38 anos. Partiu após um doença  que cravou garras na sua vida e com a qual travou aceso combate durante estes últimos anos, sempre com apoio indomável de seus pais, irmão e restante família. Contou também com uma equipa hospitalar  que dignificou aquele estabelecimento de saúde. A maldita doença aparentemente venceu. Mas penso que, perante a magnitude de alma e a postura serena e superior do Pedro, a abútrica doença deve ter-se refugiado no mais fundo abismo, esmagada e corroída de remorsos pela sua triste figura.
O Pedro nasceu quando ainda era pároco da sua terra natal. Mais tarde, foi meu aluno na Escola Básica e Secundária que ele frequentou. Integrou o grupo de Escuteiros desta Paróquia, tendo sido a minha pessoa que ele escolheu para padrinho quando fez a sua promessa de escuta. Além disso, existia e existe um laço de boa amizade com os pais do Pedro. 
Era uma pessoa simples, discreta, de  sorriso franco e alegria contagiante. Inteligente e perspicaz, foi sempre bom aluno.
Terminado o curso superior, envolveu-se em várias atividades do seu ramo, mormente ligadas à investigação, vendo reconhecido o seu mérito e competência pelas entidades com as quais colaborou. 
O Concelho de Tarouca, que tem reconhecido os naturais que se  notabilizaram nas várias áreas de atividade,  deve uma palavra ao Pedrito. É uma questão de verdade e coerência.
Fica-me na alma o sofrimento dilacerante que emanava dos seus pais no último adeus ao filho. Mas serenos, muito serenos. Acreditem que é o sofrimento que mais mexe com a alma. Penso que só a fé daqueles pais foi capaz de os revistar de tamanha serenidade na dor. 
Quando soube da passagem deste mundo para o Pai, perguntei ao Senhor: "Meu Deus, tanta vez te falei do Pedro e pedi para ele a abundância da Tua sábia misericórdia... Afinal..."
Acabei a dizer a mim mesmo: "Parvo! Deus  ama muito mais o Pedro do que os pais, a família, os amigos. Embarca no projecto de Deus."
Descansa, livre, sereno e feliz, nos Braços de Deus. E, pertinho do Coração do Pai, coloca lá as intensões dos teus pais, irmão, família e amigos.
Até já, amigo! 

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Há décadas que o FC Porto não sofria quatro golos do Benfica


Em 8/8, escrevia neste blog. "Eu acredito em Vítor Bruno."
Confesso que não demorou muito a minha "crença". Há bastantes jogos que deixei de acreditar no senhor como treinador do Porto.
- Conferências de imprensa, como diz o povo, que "não interessam ao Menino Jesus". Insípidas, atabalhoados, repetitivas, sem alma, sem ideias.... Pessoalmente deixei de ter pachorra para as ouvir. Não tenho nenhuma saudade do Sérgio Conceição, mas ao nível de conferências de imprensa, o actual treinador nada aprendeu com o antigo mestre.
- Os mesmo erros de sempre sobretudo de ordem defensiva. Alguns desses erros são de estremo basismo. Já vai havendo algum tempo para estabilizar a equipa e conseguir uma ideia e um fio de jogo. Onde anda o Porto pressionante de anos anteriores?
- Porque joga sempre o Varela quando o seu estado de forma  actual é um desastre? Há meninos bonitos? Sempre me recordo, mesmo nos momentos mais apagados, o Porto ter um bom meio campo. Era conhecido por isso. Agora nem defesa, nem meio-campo e o ataque vai vivendo duns fogachos deste ou daquele... Falta EQUIPA!
- Quase tudo o que é jogo fora do Dragão com maior grau de dificuldade tem sido perdido. Brilhante, senhor VB!
- Transmite claramente a ideia de pouca experiência e de alguma falta de maturidade competitiva. E o pior é que não se notam progressos.
- Foi preciso esperar décadas pela chegada de VB para o Porto ser goleado pelo Benfica. Brilhante, senhor treinador!
Se se visse algum progresso, pronto até se aceitava,  neste ano como de transição e solidificação. Sabemos o estado económico calamitoso em que a anterior gestão deixou o Clube. Não há dinheiro. Penso que a aposta em Vítor Bruno terá passado também por aqui. Um treinador mais barato, com experiência da casa...
Quem gere o Clube estará certamente muito atento e verá quando e se é preciso intervir. Espero que sim, que esteja mesmo muito atento. É que o clima entre os sócios pode escaldar mesmo!!!

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Algumas reflexões ao retornar da segunda sessão do Sínodo

O Bispo norte-americano D. Robert Barron, que participou no último Sínodo, ao regressar a casa, explica, de forma muito franca e simples, quais foram os pontos altos, mas também aquilo que o deixou preocupado com o processo sinodal e as conclusões.

Veja aqui

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

A vitória de Trump não deveria fazer soar as campainhas entre os políticos portugueses?

 

O voto das confissões cristãs maioritárias (protestantes e católicos) foi significativamente para apoiar o candidato Donald Trump, nas eleições desta terça-feira, 5 de novembro, nos Estados Unidos da América, segundo dados colhidos em sondagens à boca das urnas, nomeadamente da Associated PressWashington Post e NBC News.

Em comparação com as eleições de 2020, os resultados do voto dos membros das diferentes confissões religiosas, captado por uma sondagem à boca das urnas, foram sensivelmente  parecidos com os deste ano, com exceção católicos. Isso terá ficado a dever-se ao facto de Joe Biden ser um católico assumido, o que o fez ganhar neste segmento específico a Trump por uma margem de cinco pontos percentuais.

Trump recebeu, nesta eleição, segundo dados da NBC News, o apoio de 62 por cento dos eleitores protestantes e outras denominações cristãs não católicas (contra Kamala Harris com 37 por cento) e 56 por cento dos católicos (41 por cento para a sua adversária). Na variável filiação religiosa, Harris conquistou apoios sobretudo entre os judeus, grupo minoritário, e, também entre os nones (aqueles que se dizem religiosos, mas não estão filiados numa confissão), que são o segundo grupo com mais peso e onde a candidata obteve 72 por cento (contra Trump com 25).

De um modo geral, quando se considera apenas os eleitores brancos, este quadro repete-se mas com uma vantagem acrescida de apoios para Donald Trump.

Numa análise mais fina, centrada no voto dos eleitores brancos que se afirmam evangélicos,  em comparação com todos os outros que não se definem como tal, o presidente eleito colheu 81 por cento dos votos (17 para Harris). Considerando os que se dizem não evangélicos, a posição inverte-se: Kamala Harris obtém 58 por cento e Trump apenas 38.

Os resultados de outras fontes, nomeadamente da Associated Press (AP), podiam variar um pouco dos apresentados, mas as tendências eram análogas.

O estudo da AP apurou que 61 dos eleitores católicos defenderam que o aborto deveria ser legal em todos ou na maioria dos estados e apenas 38 por cento consideraram que deveria ser ilegal. Para estes eleitores católicos, Kamala Harris era mais confiável para 46 por cento quanto à política que se propunha seguir relativamente ao aborto, ao passo que 36 por cento confiavam mais em Trump quanto a esta matéria.

Em contrapartida, os eleitores católicos confiavam mais em Trump do que em Harris na questão da imigração  (mais 25 pontos percentuais) e na economia (mais 19 pontos).  Os eleitores católicos consideravam (seis em cada dez) que Harris era muito extrema. Curiosamente uma percentagem idêntica tinha a mesma impressão acerca de Trump.

Ao analisar estes resultados, a Catholic News Agency recordou que Trump e o agora vice-presidente eleito, J.D. Vance, procuraram atrair o voto cristão, e em especial católico, nas últimas semanas. Trump acusou Harris de ser “destrutiva para o cristianismo”, enquanto que Vance publicou um artigo de opinião no Pittsburgh Post-Gazette, em que acusa Harris de “preconceito contra os católicos”.  Por outro lado, vários setores católicos não viram com bons olhos que a candidata democrata tenha faltado ao jantar que costuma ser organizado pela diocese de Nova Iorque, que reúne os candidatos e é pretexto para recolha de fundos para instituições sociais.

Fonte: aqui

Algumas notas pessoais:
1. Quando Trump concorreu contra um homem, perdeu - 2020. Quando o mesmo Trump concorreu contra mulheres, ganhou (2016 e 2024). Pode não ter grande significado, mas aconteceu. Penso que o problema não é dos concorrentes, mas pode ser da opinião pública. A mentalidade das  grandes sociedades tende ser ser cautelosa, apontando para o tradicional, o que evita sobressaltos, o mais seguro. As mudanças são lentas. E isto de ter uma mulher à frente da nação mais poderosa do mundo não agradará aos mais tradicionalistas....
2. Não fiquei nem contente nem seguro. Os fundamentalismos, sejam de direita ou de esquerda, são perigosos e de rejeitar.  Trump habituou-nos à imprevisibilidade , à mudança rápida, à mentira como forma de comunicar. Trump gosta de muros que dividem e quer construir mais, fechando os Estados Unidos à imigração. Trump não parece confiável, ainda mais agora que tem tudo a seu favor: Supremo Tribunal, Senado, Câmara dos Representantes. 
3. Há uma palavra que eu nunca ouvi na boca de Trump: DEMOCRACIA. Posso estar errado, mas nunca ouvi. E isto preocupa-me.  E os factos estão aí. Está por esclarecer o seu papel cabal na invasão do Capitólio... São conhecidas as suas resistências em aceitar resultados eleitorais quando perde...
4. No seu primeiro mandato, as relação entre ele e a União Europeia  foram tudo menos famosas. O "chapéu protetor" da América é importante para os europeus,  sujeitos como estão  a manias imperialistas de autocratas vizinhos, sobretudo Putin...
5. Há que aprender. Uma política desligada dos reais problemas das populações, abre caminho aos extremismos. A campanha de Trump focou-se muito nos problemas relacionados com a imigração e com o estado da economia.  E sabia que eram os grandes problemas que afetam o comum dos cidadãos americanos. 
Se entre nós não resolvermos os problemas da saúde, habitação,  economia e segurança não respondemos à situação do cidadão comum luso. 
- A saúde continua em estado calamitoso. Deixem-se de guerrinhas ideológicas. Querem lá os cidadãs saberes se são atendidos nos público ou no privado! O que querem é ser bem tendidos, a tempo e horas, e no respeito pela Constituição que fala num serviçode saúde tendencialmente gratuito.  Claro que sabemos do apetite  feroz dos privados por dinheiro. Mas aqui tem que entrar o  saber negocial estatal e a determinação pública, que  através de todos os meios legais disponíveis, denuncia e pressiona para que, também no privado, a pessoa esteja em 1º lugar.
- A habitação  tem que ser um desígnio nacional. E ontem já era tarde!
- Na segurança os políticos, todos menos os da extrema-direita, continuam a meter a cabeça na areia e a disparar a frase estafada e gasta: Portugal é um país seguro.  Não é! Ao menos que leiam os jornais...
- Se a economia não funciona, as crises não param de aumentar. É preciso que Portugal cresça, cresça, cresça. É preciso mais investimento, criatividade, modernização. São precisos melhores e mais justos ordenados e reformas. É preciso mais e melhor trabalho que exige melhor preparação e qualificação. Precisamos de gestores que não deem nas vistas pelos ordenados escandalosos que usufruem, mas pela qualidade com que dirigem as empresas. 

Bispos. Padres e Leigos...Há que mudar, há que mudar, há que mudar... Todos, todos, todos!

 Que posso esperar?

Se olhar para baixo,
se olhar para os números
de alunos no Seminário,
na minha Diocese,
[nem sei se é bom revelá-los]
posso esperar
raríssimas ordenações sacerdotais,
uma inevitável acumulação de paróquias,
para os padres em exercício,
uma enorme resistência à mudança
na configuração do ministério presbiteral,
e no paradigma da organização pastoral
... ah e posso esperar
a reforma dos padres aos 90 anos,
se a doença e a demência
não a anteciparem.
Se olhar [assobiar] para o lado...
posso esperar
a consumada debandada dos fiéis,
a falta de acompanhamento
de pessoas, grupos e comunidades,
as persistentes reivindicações
de direitos dos "fregueses"
(à missa, ao padre,
à «assistência religiosa»)
e uma corrida atrás do prejuízo.
Se olhar para cima... para o Alto
[é daí que quero esperar]
posso esperar uma Igreja
mais pequenina,
mais humilde,
mais laical,
mais ministerial,
mais genuína,
menos poderosa,
menos clerical,
menos tradicional,
menos «paroquial».
Que posso esperar?
Que o Espírito Santo
nos converta à realidade
para não fazermos
a triste figura
de teimosos pedintes
de mais padres
que ele quererá menos,
e de outra forma,
que não aquela
da nossa encomenda.
Rezo ao Espírito Santo,
para que me dê a confiança
de que esta obra é sua.
Tomara que eu não estorve.
E sobre trabalho para Ele.
Amaro Gonçalo, Facebook

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Os pontos altos do documento final do Sínodo

Dividi este texto em três secções: Descentralização, Envolvimento dos leigos e transparência.

I – Descentralização

Começo por falar da descentralização. Eu já tinha dito neste vídeo que a grande novidade deste processo sinodal seria a aposta na descentralização. Julgo que o documento confirma isso mesmo. Chamo a atenção para os parágrafos do 119 até ao 135, que a meu ver contêm o que é mais interessante sobre este aspecto.

Como eu tinha referido, o parágrafo 119 apela à formação de províncias eclesiásticas e agrupamentos nacionais e continentais de igrejas. No 126 refere mesmo as Assembleias Continentais que existiram durante o processo sinodal como exemplos a seguir. Mais do que apenas grupos continentais, contudo, o parágrafo 120 fala de grupos regionais de interesses comuns, dando como exemplo a Amazónia, a Bacia do Congo, ou a zona do Mediterrâneo, sendo que este último abrangeria mais do que um continente. Estes organismos não devem ser, porém, meros ajuntamentos de bispos. Pede-se, no parágrafo 127, o envolvimento de representantes da diversidade do povo de Deus, o que naturalmente envolverá leigos. Aqui, como aliás ao longo de todo o documento, apela-se também ao envolvimento de representantes de outras Igrejas cristãs e até certo ponto de representantes de outras religiões ou grupos sociais relevantes. O factor ecuménico e inter-religioso são uma importante marca deste texto. Antevendo que haverá dioceses ou conferências episcopais que, por diversas razões, têm dificuldade em participar nestes organismos, incumbe-se a Santa Sé de ajudar a encontrar soluções e a agilizar essa participação (parágrafo 128).

O parágrafo 129 é muito interessante, na medida em que apela à realização regular de Concílios Particulares Plenários ou Provinciais. Um Concílio Particular Plenário é um encontro de representantes de todas as dioceses de uma mesma conferência episcopal, no nosso caso abrangeria Portugal todo, e um provincial será um encontro de âmbito mais regional. É natural que, como eu, nenhum de vós saiba o que é um Concílio Plenário nacional, uma vez que o último que se realizou em Portugal foi em 1926!! Contudo, o documento pede que sejam realizados, ou “celebrados” com regularidade. Será que isto irá acontecer?

Parece-me evidente que em Portugal, como em quase todo o mundo, estes concílios acabaram por dar lugar aos plenários da Conferência Episcopal. A diferença é que o plenário da Conferência Episcopal só reúne bispos, e os concílios são muito mais alargados, devendo envolver, segundo o Código de Direito Canónico, vigários gerais e episcopais, superiores de institutos religiosos, reitores de universidades católicas, decanos das faculdades de teologia e de direito canónico, alguns reitores de seminários e ainda “presbíteros e outros fiéis, mas de tal maneira que o seu número não exceda metade” dos compostos pelos vigários, superiores e reitores de universidades”. Ou seja, o concílio particular é uma assembleia muito mais alargada de representantes da igreja. Será que isto vai acontecer?

O documento final refere ainda, de forma categórica, que o Papa é, e continua a ser o garante da unidade da Igreja (#131), mas apela à aplicação do princípio da subsidiariedade, usando o termo “sã descentralização” (#134).

Finalmente, no parágrafo 135 insiste-se que os dicastérios do Vaticano devem consultar as Igrejas locais antes de publicar documentos importantes – Fiduccia Suplicans, anyone? – e, de forma algo estranha, diz-se que “é importante, para o bem da Igreja, que os membros do Colégio dos Cardeais se possam conhecer melhor e que se promovam os elos de comunhão entre eles”. Não faço ideia porque é que isto surge no mesmo parágrafo, mas não deixa de ser uma questão importante, uma vez que o hábito do Papa Francisco de nomear cardeais das periferias, sendo importante como forma de recordar que todos os católicos valem e merecem ter voz em Roma, também pode ser problemática. Basta pensar que quando houver um consistório, os cardeais de locais mais isolados chegarão a Roma sem saber como funciona a máquina, sem conhecer ninguém, sem falar a “linguagem” burocrática. Isto deixa-os à mercê de manipulação por diferentes grupos de interesse que, nessa altura, estarão a tentar contar espingardas. O apelo Assembleia Sinodal pode ser uma resposta a este perigo.

II – Envolvimento dos leigos

O que acontece quando se pede ao ChatGpt para gerar uma imagem com base em “Descentralização”, “Envolvimento de leigos” e “transparência”

Há vários pontos no documento de apelo ao envolvimento dos leigos na vida corrente da Igreja. Olhemos para alguns deles.

No parágrafo 66 sublinha-se que todos os baptizados são chamados à missão, mas diz que “nem todos os carismas devem ser configurados como ministérios, nem todos os baptizados têm de ser ministros, nem todos os ministérios têm de ser instituídos” e, mais à frente, “uma Igreja missionária sinodal encorajará mais formas de ministério laical, isto é, ministérios que não requerem o sacramento da Ordem, e não apenas na esfera litúrgica”. Traduzindo: não é preciso salamaleques. Se a Maria tem jeito para acompanhar velhinhos, ajudem a criar um espaço para a Maria poder acompanhar velhinhos. Não é preciso um decreto, nem um cerimonial, nem uma farda. Se o António lida bem com miudagem e conhece os ensinamentos da Igreja, metam o António a dar catequese, ou a acompanhar um grupo de jovens. Facilitem. Também assim se combate o clericalismo.

O parágrafo 70 contém, de forma quase despercebida, uma verdadeira caixa de pandora. Depois de falar sobre a importância do papel dos bispos, lê-se. “É por isso que a Assembleia Sinodal deseja que o Povo de Deus tenha uma voz maior na escolha dos bispos”. Como? Não faço ideia. Mas estou muito curioso para saber se esta pequena frase se vai tornar letra morta, ou se vai produzir algum efeito.

Há depois umas passagens bonitas e interessantes sobre as fragilidades dos bispos e dos padres, de que os leigos devem tomar nota. “É importante ajudar os fiéis a evitar ter expectativas excessivas e irrealistas do bispo, recordando que também ele é um irmão frágil, exposto à tentação, a precisar de ajuda como todos nós. Uma imagem idealizada do ministério do bispo pode ser um obstáculo” (#71) e, mais à frente, sobre os padres que “também precisam de ser acompanhados e apoiados, sobretudo nas fases iniciais do seu ministério, bem como em alturas de fraqueza e de fragilidade” (#72) referindo-se no parágrafo 74 “as dificuldades bem reais que os pastores enfrentam no seu ministério. Essas referem-se sobretudo a um sentido de isolamento e solidão, bem como sentirem-se assoberbados pelas expectativas”. Traduzindo, novamente: leigos, estejam atentos aos vossos párocos, cuidem deles! Como é que se detecta que um padre está a atravessar um período de fraqueza e fragilidade? Estando próximo. Sejam próximos dos vossos padres!

Temos depois, no parágrafo 77, um apelo mais explícito à participação dos leigos e das leigas na vida da Igreja “explorando novas formas de serviço e ministério em resposta às necessidades pastorais do nosso tempo num espírito de colaboração e de corresponsabilidade diferenciada” que pode abranger “processos de discernimento e todas as fases de tomada de decisão” apelando a um “maior acesso dos leigos e das leigas a posições de responsabilidade em dioceses e institutos eclesiásticos, incluindo seminários, faculdades e institutos teológicos”.

Julgo que neste ponto a situação já esteve bem pior. Tenho visto muitos avanços em relação à expectativa de que o padre seja não só pároco como CEO de N instituições de solidariedade social, responsável dos recursos humanos e gestor. Hoje em dia, graças a Deus, vemos cada vez mais leigos a ocupar essas funções. Mas não deixa de haver dificuldades importantes a referir. A primeira dificuldade é financeira. Uma coisa é meter o padre a acumular funções, outra é ter de pagar um ordenado justo a vários leigos para fazer a mesma coisa. A segunda tem a ver com a disponibilidade dos leigos para assumir papéis em regime de voluntariado. Todos queremos uma maior voz para os leigos nas tomadas de decisão da paróquia, mas nem todos temos paciência ou tempo para ir a mais uma reunião a meio da semana, ou às 16h de um domingo. Acrescente-se a isto que muitas vezes os que manifestam maior vontade de participar são precisamente os que não queremos lá, ou a mentalidade muito típica de Portugal, de que o voluntariado não é uma obrigação, por isso se não me apetece ir não vou, porque nem me pagam. Tudo obstáculos que é necessário ultrapassar.

Termino esta secção com o parágrafo 92 que recorda os limites deste envolvimento dos leigos, sublinhando que “a autoridade do Bispo, do Colégio Episcopal e do Bispo de Roma em relação à tomada de decisão é inviolável, estando enraizada na estrutura hierárquica da Igreja estabelecida por Cristo” e que “na Igreja, o elemento deliberativo é levado a cabo com a ajuda de todos, e nunca sem aqueles cujo governo pastoral lhes permite tomar decisões, em virtude do seu cargo”.

III – Transparência

Esta secção será bastante mais curta, mas achei importante incluí-la e vou até inverter a ordem dos parágrafos como são apresentados no documento.

Assim, no #98 lemos que “a transparência e a responsabilização não devem apenas ser invocadas em casos de abusos sexuais, financeiros e outros. Estes princípios também dizem respeito ao estilo de vida dos pastores, ao planeamento pastoral, aos métodos de evangelização e à forma como a Igreja respeita a dignidade humana, por exemplo, em relação às condições laborais no seio das suas instituições”. Muito importante!

E olho agora então para o #96 onde se lê que “a transparência, no seu sentido evangélico correcto, não põe em causa o respeito pela privacidade e confidencialidade, a protecção das pessoas, a sua dignidade e os seus direitos”.

Usando aqui um exemplo que nos será familiar, quando uma diocese recebe uma denúncia por situação de abuso sexual e ela é considerada credível, a Igreja deve, a meu ver, fazer um comunicado a dar conta disso mesmo. Mas não é necessário que esse comunicado refira o nome do acusado, ou da vítima, nem detalhes que permitam pôr em causa o seu direito ao bom nome e à privacidade. Mais tarde, em caso de condenação, poderá ser desejável ou necessário divulgar alguns desses detalhes, mas o importante é sublinhar que é possível conciliar a transparência e o direito à privacidade e confidencialidade.

Sublinho apenas que este parágrafo 96 inclui uma referência pertinente ao sigilo absoluto e inviolável do selo da confissão, isto numa altura em que ouvimos cada vez mais pessoas a colocar em causa esse princípio.

Filipe d'Avillez , in Actualidade  Regiosa, -  aqui