quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Fazer da Bíblia alimento diário do diálogo com o Senhor

Para assinalar o 16.º centenário da morte de São Jerónimo de Estridão (nome completo em latim: Eusebius Sophronius Hieronymus), Francisco assinou, neste dia 30 de setembro, a Carta Apostólica “Sacrae Scripturae affectus”. E, na Audiência Geral, apontou o exemplo do Padroeiro dos Biblistas, em diferentes momentos, um dos quais foi a saudação aos peregrinos de língua portuguesa, em que pediu que, “de bom grado”, façamos da Bíblia o alimento diário do diálogo pessoal com o Senhor, para nos tornarmos “colaboradores cada vez mais disponíveis para trabalhar pelo Reino que Jesus inaugurou neste mundo”.
Já aos fiéis de língua espanhola, o Papa saudando, de modo especial, um grupo de sacerdotes do Pontifício Colégio Mexicano que estava no Pátio São Dâmaso, no Vaticano, e que, segundo o Pontífice, seguem o caminho de São Jerónimo ao buscarem a formação integral permanente em Roma “para se conciliar cada dia mais a Cristo, Bom Pastor”, disse:
“Hoje lembramo-nos de São Jerónimo, um apaixonado estudioso da Sagrada Escritura, que fez dela o motor e o alimento da sua vida. Que o seu exemplo também nos ajude a ler e a conhecer a Palavra de Deus, ‘porque ignorar as Escrituras é ignorar Cristo’ (São Jerónimo).”.
Na verdade, neste dia em que morreu o Santo no ano 420, praticamente, com 80 anos de idade, celebra-se a sua memória litúrgica e o seu legado do estudo bíblico e do amor à Palavra de Deus. Com efeito, estudou latim, grego e hebraico para melhor compreender as Escrituras e fazer traduções de muitos textos bíblicos, como a “Vulgata”, a primeira tradução da Bíblia para o latim, obra de um homem com um saber enciclopedêutico (filosófico, teológico, retórico, dialético...).
E o Papa formulou este voto:
“Que o exemplo deste grande doutor e pai da Igreja, que colocou a Bíblia no centro da sua vida, desperte em todos um amor renovado pela Sagrada Escritura e o desejo de viver em diálogo pessoal com a Palavra de Deus”.
A Carta Apostólica começa com a portada a sublinhar que a herança de Jerónimo – sintetizada nas expressões: “o afeto à Sagrada Escritura, um terno e vivo amor à Palavra de Deus escrita” – nos dá uma chave de leitura indispensável para conhecermos hoje esta figura saliente na história da Igreja e o seu grande amor a Cristo, amor que ramifica “na sua obra de incansável estudioso, tradutor, exegeta, profundo conhecedor e apaixonado divulgador da Sagrada Escritura”, de “intérprete primoroso dos textos bíblicos”, de “defensor ardente e impetuoso da verdade cristã”, de “eremita asceta e intransigente”, bem como de “sábio guia espiritual”.
Na Introdução, em que se regista a visão do divino Juiz que o acusa de ciceroniano e não cristão e lhe provoca a viragem dos estudos clássicos para os estudos bíblicos (que Jerónimo considerava rudes e sem sintaxe), em parte mercê dos contactos com outros Padres da Igreja, o Papa situa-se na linha dos seus predecessores na atenção à Sagrada Escritura, mencionando Bento XV, que lhe dedicou a carta encíclica “Spiritus Paraclitus” (15 de setembro de 1920), apresentando-o ao mundo como “doctor maximus explanandis Scripturis” (doutor eminente na interpretação das Escrituras), e Bento XVI, que apresentou a personalidade e obras dele em duas catequeses sucessivas. Assim,
Francisco aponta o Santo “como guia seguro e testemunha privilegiada”, com a XII Assembleia do Sínodo dos Bispos, dedicada à Palavra de Deus, e com a exortação apostólica “Verbum Domini”, de Bento XVI, publicada na memória litúrgica, em 30 de setembro de 2010.
Depois, desenvolve os seguintes tópicos: De Roma a Belém; A chave sapiencial do seu retrato; Amor à Sagrada Escritura; O estudo da Sagrada Escritura; A Vulgata; A tradução como inculturação; Jerónimo e a Cátedra de Pedro; e Amar o que Jerónimo amou.
No primeiro tópico, De Roma a Belém, o Pontífice traça o percurso biográfico do escriturista desde o nascimento, estudos e batismo em idade adulta, passando pelo encargo da tradução da Bíblia (da Bíblia Hebraica e dos livros escritos somente em grego) para latim – obra necessária para o Ocidente ao tempo, o que lhe confere o múnus de ponte entre as duas faces geográficas da Igreja Católica – até à vida cenobítica, o contacto com os Lugares Santos e a conclusão da sua tarefa em união com O Senhor, que dele queria tudo, até os pecados para lhos perdoar, na disponibilidade de pôr ao serviço dos outros o saber que foi construindo em comunidade.
Quanto à chave sapiencial do seu retrato, Francisco atém-se à combinação de duas dimensões caraterísticas: a consagração absoluta e rigorosa a Deus, renunciando a qualquer satisfação humana, por amor de Cristo crucificado; e o empenho assíduo no estudo, visando apenas uma compreensão cada vez maior do mistério do Senhor. É nisto que Jerónimo é modelo. E isto passou para o campo da história da arte, como o Papa ilustra com notável suficiência.
O Amor apaixonado à Palavra de Deus, transmitida à Igreja na Sagrada Escritura, é o traço peculiar da figura espiritual de Jerónimo. Com efeito, se todos os Doutores da Igreja “extraíram explicitamente da Bíblia os conteúdos do seu ensinamento, Jerónimo fê-lo de maneira mais sistemática e, de certa forma, única”. E a sua dedicação total à Escritura manifesta-se numa forma de expressão apaixonada, semelhante à dos antigos profetas, sendo deles que este Doutor “extrai o fogo interior, que se torna palavra impetuosa e explosiva necessária para expressar o zelo ardente do servidor pela causa de Deus”.
O estudo da Sagrada Escritura, fruto do seu amor apaixonado às divinas Escrituras está imbuído de obediência: a Deus, que Se comunicou em palavras que exigem escuta reverente; e, obediência a quantos na Igreja representam a tradição interpretativa viva da mensagem revelada. Porém, não se trata de mera receção passiva do que é conhecido, mas da postura que exige “o empenho ativo da investigação pessoal”. E, nisto, Jerónimo é um intérprete e “um ‘servidor’ da Palavra, fiel e diligente, inteiramente consagrado a favorecer nos seus irmãos de fé uma compreensão mais adequada do ‘depósito’ sagrado que lhes foi confiado”, constituindo-se em guia poderoso ao longo dos tempos e também hoje.
Sobre a Vulgata, diz o Santo Padre que o “fruto mais doce da árdua sementeira” que foi o estudo do grego e do hebraico, feito por Jerónimo, é a tradução do Antigo Testamento em latim a partir do original hebraico. Com efeito, até então, os cristãos do Império Romano podiam ler integralmente a Bíblia apenas em grego, sendo que os livros do Novo Testamento foram escritos em grego. Para os do Antigo, havia uma versão completa, a Septuaginta, mas, para os leitores de língua latina, não havia uma versão completa da Bíblia na sua língua. Coube, pois, a Jerónimo – e, depois dele, aos seus continuadores – o mérito de ter empreendido uma revisão e uma nova tradução de toda a Escritura. O texto final combinava a continuidade nas fórmulas já de uso comum com uma maior aderência ao ditame hebraico, sem sacrificar a elegância da língua latina. E, superada alguma repulsa inicial, “a tradução de Jerónimo tornou-se património comum tanto dos eruditos como do povo cristão: daí o nome de Vulgata”.
No atinente à tradução como inculturação, é referido que Jerónimo, com a sua tradução, inculturou a Bíblia na língua e cultura latinas, tornando-se um paradigma permanente para a ação missionária da Igreja, pois, diz o Pontífice, “quando uma comunidade acolhe o anúncio da salvação, o Espírito Santo fecunda a sua cultura com a força transformadora do Evangelho”.
Sendo possível estabelecer uma analogia entre a tradução, enquanto ato de hospitalidade linguística, e outras formas de acolhimento, “a tradução não é um trabalho que tem a ver unicamente com a linguagem, mas corresponde verdadeiramente a uma decisão ética mais ampla, que está ligada com a visão inteira da vida”. E Jerónimo teve de se opor ao pensamento dominante do seu tempo. Se, nos alvores do Império Romano, era comum saber grego, no tempo dele isso era uma raridade. Não obstante, “tornou-se um dos melhores conhecedores da língua e literatura greco-cristãs e empreendeu viagem mais árdua quando, sozinho, se dedicou ao estudo do hebraico”, pelo que devemos ao seu poliglotismo “uma compreensão do cristianismo mais universal e, simultaneamente, mais coerente com as suas fontes”.
No quadro da relação entre Jerónimo e a Cátedra de Pedro, Francisco observa que, no contexto dos diversos ambientes por que deambulou o Santo, “Roma é o porto espiritual aonde volta continuamente”, mantendo uma ligação forte com a cidade e a língua, mas, de forma muito peculiar, com a Igreja de Roma. E é de ler este apontamento do Papa:
“Num período turbulento, em que a túnica inconsútil da Igreja muitas vezes acaba dilacerada pelas divisões entre os cristãos, Jerónimo olha para a Cátedra de Pedro como ponto de referência seguro: ‘Eu, que não sigo mais ninguém senão Cristo, uno-me em comunhão com a Cátedra de Pedro’. ‘Eu sei que sobre esta pedra está edificada a Igreja’.”.
E, considerando que “o nosso mundo precisa, mais do que nunca, do remédio da misericórdia e da comunhão”, Francisco apela à oferta de “um testemunho de comunhão fraterna, que se torne fascinante e luminoso”, já que, por isto, conhecerão todos que somos discípulos do Senhor.
Em relação ao tópico Amar o que Jerónimo amou, considera Bergoglio que não é tido como apenas um dos maiores cultores da ‘biblioteca’ de que se nutre o cristianismo, mas que se lhe aplica o que ele mesmo escreveu sobre Nepociano: “Com a leitura assídua e a meditação constante, fizera do seu coração uma biblioteca de Cristo”. E podemos dizer que “assimilou uma biblioteca inteira” e se tornou “dispensador de ciência para muitos outros”.
E, na verificação de que um dos problemas atuais (e não só da religião) é o analfabetismo, faltando as habilitações hermenêuticas que nos tornem intérpretes e tradutores credíveis da nossa própria tradição cultural, surge a exortação pontifical sobretudo aos jovens:
“Parti à procura da vossa herança. O cristianismo torna-vos herdeiros dum património cultural insuperável, do qual deveis tomar posse. Apaixonai-vos por esta história, que é vossa. Tende a ousadia de fixar o olhar naquele jovem inquieto que foi Jerónimo; ele, como a personagem da parábola de Jesus, vendeu tudo quanto possuía para comprar a ‘pérola de grande valor’.” (Mt 13,46).
Tendo em conta que “verdadeiramente Jerónimo é a ‘Biblioteca de Cristo’, uma biblioteca perene que, passados 16 séculos, continua a ensinar-nos o que significa o amor de Cristo, um amor inseparável do encontro com a sua Palavra”, o Papa assegura:
“O centenário atual constitui um apelo a amar o que Jerónimo amou, redescobrindo os seus escritos e deixando-se tocar pelo impacto duma espiritualidade que se pode descrever, no seu núcleo mais vital, como o desejo inquieto e apaixonado dum conhecimento maior do Deus da Revelação”.
Por fim, evoca o “exemplo luminoso” que é a Virgem Maria, evocada por Jerónimo na sua maternidade virginal e na sua atitude de leitora orante da Escritura. De facto, Ela meditava no seu coração (cf Lc 2,19.51) “porque era santa e lera a Sagrada Escritura, conhecia os profetas e lembrava-se do que o anjo Gabriel Lhe anunciara e fora vaticinado pelos profetas (...), via o recém-nascido que era seu filho, o seu único filho que jazia e chorava naquele presépio, mas verdadeiramente a quem Ela via ali deitado era o Filho de Deus”. Por isso, Ela pode ensinar-nos a ler, meditar, rezar e contemplar Deus que Se faz presente na nossa vida sem nunca Se cansar.
2020.09.30 – Louro de Carvalho, Facebook

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Alguns serviços públicos e Centros de Saúde com atendimento presencial super-controlado...

Longe de mim pôr em causa a dignidade e o profissionalismo das pessoas. Não é pessoas que pretendo atingir. De modo algum. Quem sou eu para julgar?
É a organização dos serviços e a coerência de quem decide.
Vejamos:
- Os alunos vão regressar às aulas presenciais dentro de um quadro epidémico que exige a observância de normas de saúde. Apoio, pois ensino presencial é condição fundamental para combater as desigualdades.
- No Verão, multidões nas praias, observando - pelo menos em teoria - regras de saúde pública.
- Touradas e espectáculos em recinto fechado com com muita gente .
- Cafés, bares e esplanadas, restaurantes com bastante gente.
- Empresas em laboração com muitos trabalhadores.
Etc, etc, etc
  
MAS:
- Alguns serviços públicos com atendimento presencial super-controlado. Marcações pelo telefone, atendimento pessoa a pessoa, longas filas em espera... E quando as pessoas desesperam porque ninguém atende o telefone? No Inverno como vai ser?
- Centros de Saúde com (des)atendimento super-preocupante. O telefone não resolve o fundamental e muitas vezes as pessoas nem por este meio são atendidas. Toca, toca, toca e... nada! O doente e a sua saúde requerem a consulta presencial.
Se há um espaço onde as normas podem ser cumpridas é no Centro de Saúde. Lá estão os profissionais que sabem como ninguém lidar com a epidemia e têm autoridade para fazer cumprir as referidas normas.
- Infelizmente já faleceram no país e no mundo muitas pessoas por causa da COVID-19. E quantas e quantas não faleceram por outras doenças nesta mesma altura? E muitos partiram porque não tiveram consulta, porque o exame médico, os testes auxiliares de diagnóstico e as intervenções cirúrgicas foram sendo adiados?
Onde está o serviço Nacional de Saúde com que tantos enchem a boca nestas ocasiões?

Muitas vezes as pessoas queixam e protestam, porventura sem que a razão lhes assista.  Nestas situações as queixas intensas e extensas têm mais do que fundamento. Penso assim.
E ninguém faz nada? A comunicação social mostra-se incapaz de dar voz e vez aos que não têm voz e vez?
Onde param os fazedores de opinião, os comentadores, as autoridades eclesiásticas, os partidos políticos?

domingo, 13 de setembro de 2020

Há quem apareça para partilhar e colaborar, sentindo-se Igreja e sentindo a Igreja

A crise económica que a pandemia desencadeou atinge todos, pessoas e instituições.
Também as paróquias estão a ser fortemente atingidas. Primeiro foi a ausência das pessoas nas celebrações durante março, abril e maio. A partir daí, por causa das orientações profiláticas, é reduzido o número de pessoas nas celebrações.
Mas as despesas mantêm-se. Água, luz, limpezas, outros serviços essenciais, seguros, obras, etc, etc. Há muitos comunidades paroquiais com fortes dificuldades para manter os serviços básicos.
A partilha de bens (não me parece apropriado o termo 'esmola') vem desde a origem da Igreja - leia-se o Livro dos Actos dos Apóstolos.  Desde o início os cristãos sentiram a necessidade de partilhar bens e serviços nas suas celebrações. Faziam natural e generosamente. Tinham em conta o bem comum da comunidade e o serviço aos mais necessitados. Era viva a consciência de que "uma fé que não mexe no bolso" não é autêntica, pois a fé é inseparável da caridade.
Ao longo da História, a organização dessa partilha foi variando na forma, mas a partilha sempre se manteve. Actualmente existem modos diferentes, desde a entrega de bens (muito comum nas celebrações africanas) até ao chamado "peditório do Ofertório" mais comum entre nós. Actualmente, por causa da COVID-19, existe um cestinho para receber as ofertas à saída da Eucaristia.

Há dias uma pessoa desta Paróquia perguntou quanto custava determinado serviço  à comunidade, pois queria ajudar e gostava de o fazer colaborando no pagamento do referido serviço. A pessoa foi encaminhada para o respectiva entidade paroquial que gere tal assunto. Embora ainda não tivesse obtido resposta, apareceu com a sua oferta. Fê-lo de forma discreta e elegante. 
Há quem só apareça para protestar, dar sugestões para os outros fazerem, exigir tudo. Há quem apareça para partilhar e colaborar, sentindo-se Igreja e sentindo a Igreja. 
A comunidade paroquial somos todos e cada um de nós. Logo a Paróquia será o que cada um quiser que ela seja...
A IGREJA SOMOS TODOS NÓS!!!

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

À Igreja não basta que dê o pão. Da Igreja espera-se que (também) erga a voz

 Missão dos Profetas - Mundo Maior Editora

1. Esta é uma altura em que muito se fala do Estado Social e em que quase nada se diz sobre a Doutrina Social.
É normal que se fale do Estado Social, apesar do pouco que este já terá para oferecer. Mas é muito estranho que quase nada se diga acerca da Doutrina Social, não obstante o muito que ela ainda tem para dar.
2. O Estado Social parece estar em risco, por exaustão. A Doutrina Social dá sinais de estar ausente. Por demissão?
À Igreja não basta que dê o pão. Da Igreja espera-se que (também) erga a voz.
Nuno Teotónio Pereira assinala que «a Igreja faz muitas coisas para proteger os pobres. Mas devia ser mais firme na defesa de certos valores, sobretudo no campo social»!
3. Na sua missão, ela tem dois instrumentos essenciais: a acção e a palavra. Não deve renunciar a nenhum deles por muito que aposte no outro.
A situação de emergência social, que atravessamos, convoca, uma vez mais, a participação das comunidades cristãs. E, sobretudo através da generosidade de muitos leigos, tal participação tem sido assegurada.
4. Só que a Igreja de Jesus não pode limitar-se à acção junto das vítimas de um sistema desumano. Ela tem de questionar, em nome de Jesus, esse mesmo sistema.
Tem de usar, portanto, a palavra para que o poder seja inquietado e, se possível, transformado.
5. Até Bento XVI, logo na primeira encíclica, deixou bem claro que a insistência na caridade não impede que se lute pela justiça.
É preciso dar o pão e é urgente perguntar por que razão continua a faltar o pão na casa de muita gente.
6. Os membros da Igreja não hão-de esquecer que são representantes de alguém que, além de mestre, era um profeta.
E um profeta existe não para explicar os acontecimentos, mas para ajudar a transformar a realidade.
7. Dói um pouco, confesso, ver este entusiasmo todo com as romarias e, ao mesmo tempo, um conformismo tão grande com a persistente fome de tanta gente.
O mais que fazemos é dar do que nos sobeja. Já não é pouco. Mas é preciso (muito) mais. Só que perguntar por que as coisas estão assim parece não ser connosco. Incomodar o poder é, de facto, muito incómodo.
8. Este é um tempo favorável para ser o eco do clamor dos mais desfavorecidos.
O cardeal Carlo Maria Martini reconhecia, pouco antes de morrer, que «a Igreja está cansada. As nossas igrejas são grandes e estão vazias e o aparelho burocrático alarga-se».
A Igreja tem de ser o eco de Jesus, que, sendo para todos, escolheu sempre estar ao lado dos mais pequenos e oprimidos!
9. Em síntese, muito ganhará a Igreja se optar pela pobreza, pela simplicidade, pela humildade e pela opção pelos pobres.
Seguindo o paradoxo jesuânico, a Igreja ganha quando perde, eleva-se quando desce.
Há um longo caminho a percorrer. Que o caminho tenha muitos «viandantes»!
10. O grande teólogo Dietrich Bonhoeffer defendeu que «a Igreja só é Igreja quando existe para os outros». Para isso, «deve colaborar nas tarefas da vida humana, não dominando, mas ajudando e servindo».
Bonhoeffer morreu com este sonho. Tenho a certeza de que este sonho não morreu com ele. Continua à nossa frente. À espera de ser realizado!

João António Teixeira, Facebook

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Na crise económico-social em que já entrámos, mas que se vai agravar, convém estar atento ao destino das ofertas que nos são pedidas

 Com a devida vénia, transcrevo este post do blog "Confessionário dum Padre". http://eupadre.blogspot.com/2020/09/os-abusos-da-caridade.html

"Os abusos da caridade

Ligavam e pediam. E a Manuela, minha paroquiana, dava. Ligavam e pediam. E a Manuela dava. Continuavam a ligar e a pedir, e a Manuela dava, mesmo sem o marido saber. Mesmo sem conhecer muito bem a instituição do outro lado da linha do telefone. Mas podia dar. E dava. Aprendera que a caridade é dar sem saber a quem. Mas, como nem tudo parece o que é, ou é o que parece, no último ano, tornaram a ligar, e a Manuela, porque o seu marido acabara de falecer, porque achava que não era oportuno, porque estava sem vontade anímica para nada, explicou humildemente que o momento não era muito bom, que compreendesse, pois o marido falecera há pouco, que talvez noutra ocasião. E então ouviu do outro lado da linha algo que lhe perfurou o coração através dos ouvidos. Porque é que me está a mentir? A senhora está a mentir, só para não dar. Padre, foi como se tivesse bebido água ardente a pensar que era água natural. Nem consegui desligar o telefone. Foi a menina do outro lado que o desligou. A menina também não precisava dizer mais nada. Agora a Manuela percebera tudo. Finalmente. Há pedidos de caridade estranhos. Esquisitos. Ou melhor, fora da caridade. Verdadeiros abusos para quem vive a caridade e da verdadeira caridade."

1. "Faz o bem sem olhar a quem", diz o povo que também acrescenta: "Gato escaldado de água fria tem medo".
2. Neste aspecto como noutros, é bom o conselho de Jesus Cristo: "Sede, pois, prudentes como as serpentes e simples como as pombas." - Mt 10,16
3. Ainda mais em período de crise, aumenta o número de oportunistas que tentam por diversos e sofisticados meios apropriar-se do que é dos outros. Tentam falar  ao coração  de quem pedem, apresentam a sua situação como dramática, chantageiam, ameaçam, fazem-se passar por grandes necessitados, mostram documentos falsos para atingir os seus objectivos, apresentam-se como profissionais disto e daquilo, recorrem ao telemóvel, ao email, ao facebook e outras tecnologias tentando "dourar a pílula" para extorquir dinheiro, etc, etc.
Todo o cuidado é e será pouco! Nem tudo o que luz é ouro, nem tudo o que parece é.
4. Ser solidário, ajudar, partilhar é um dever cívico e uma forma  nobre de caridade cristã. Mas há formas seguras de o fazer, sem cair na ratoeira do engano. 
Muita gente  ajuda, colabora, mas seguindo estes dois caminhos: nunca alardeia o que dá e dá através de canais seguros.

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

“Jardineiros no jardim de Deus”

IMAGENS BÍBLICAS: JARDIM DO ÉDEN

De 1 de setembro a 4 de outubro, memória litúrgica de São Francisco de Assis, Patrono da Ecologia, a Igreja coloca como sua referência especial a ligação à “Casa comum”, ou seja, à natureza, sem a qual pessoas, animais, plantas e outros seres não poderíamos sobreviver. Numa dupla perspetiva: como dimensão ética que nos obriga a específicos comportamentos respeitosos para com esta grande e bela obra de um Deus que nos oferece semelhante dádiva; e como fonte de espiritualidade, pois a contemplação da beleza da criatura ajuda-nos a admirar e amar mais o seu Criador.

Desde que o Papa Francisco nos alertou para a urgência de novas atitudes para com a natureza, com a publicação da encíclica Laudato si, esta celebração universalizou-se e passou a entrar, mais autenticamente, no rol das nossas preocupações e vivências eclesiais. Como é sabido, para assinalar o quinto aniversário desta encíclica dedicada a uma temática absolutamente nova, o Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral, da Santa Sé, anunciou um ano celebrativo especial, de 24 de maio de 2020 a 24 de maio de 2021. Está a decorrer, embora o contexto de pandemia acabasse por ofuscar muitas ações que poderiam constituir grandes e motivadoras notícias.

Que celebremos este tempo da Criação com ações de sensibilização ambiental, reflexão sobre a interligação da pessoa com a natureza e, se possível, com a oração de louvor pela magnífica oferta que o Criador nos concedeu.

Crescer na Consciência do Cuidado da Casa Comum”. Este desiderato deveria constituir uma preocupação de toda a Igreja.

E rezemos:
“Senhor da Vida, durante este Tempo da Criação pedimos que nos deis coragem para guardar o shabat do nosso planeta. Fortalecei-nos com a fé para acreditarmos na Vossa providência. Inspirai-nos com a criatividade para compartilharmos aquilo que recebemos. Ensinai-nos a satisfazer-nos com aquilo que é suficiente. E enquanto proclamamos um Jubileu pela terra, enviai o Vosso Espírito a renovar a face da criação. Nós Vo-lo pedimos em nome de Jesus Cristo que veio proclamar a boa-nova para toda a criação”.