Daqui nasce, segundo G. Lipovetsky, “um perfil inédito do indivíduo nas relações consigo próprio e com o seu corpo, com outrem, com o mundo e com o tempo”. A faceta mais notória deste perfil é o fascínio pelo autoconhecimento e pela autorrealização. Do mesmo modo que a planetarização não evita o nacionalismo (na Europa) e o tribalismo (em África), também a convivência social não tem impedido a afirmação do indivíduo.
Sucede que esta afirmação tende hoje a fazer-se de forma unilateral e prepotente. A individualidade é entendida e assumida não já como dimensão irrenunciável da pessoa, mas como critério supremo de atuação. Neste contexto, o relacionamento humano deixa de ser pautado pelo princípio da convicção. Já não interessa dialogar ou convencer, mas atrair e seduzir.
Acontece que, no fundo, esta estratégia volta-se contra os que a executam. O culto exacerbado do indivíduo
conduz inevitavelmente à objetivação das pessoas. O outro aparece não como parceiro ou
destinatário, passando a ser visto como objeto de que se desfruta e que se abandona quando não nos é útil.
É assim que a nossa época é também a época da solidão no meio da multidão.
O individualismo desponta, portanto, não apenas como uma opção, mas sobretudo como uma imposição. Não se pode falar, neste sentido, de
um acréscimo de felicidade para o homem. O deslumbramento das conquistas
depressa deu lugar ao ceticismo, ao medo e até ao desespero.
Com efeito, muitas pessoas, apesar de disporem de recursos para viver, mostram
não ter “um sentido pelo qual viver”
Este dado é patente na procura desenfreada de formas de
evasão e torna-se
particularmente visível no consumismo
sexista, na violência (quase) institucionalizada e na corrupção incontrolada. O
êxito imediato parece ser o único estímulo, ficando as preocupações últimas da vida remetidas para uma
contínua penumbra.
Facilmente se
compreenderá que, numa situação como esta, é especialmente problemático o
acolhimento da mensagem eclesiológica do Concílio, centrada na afirmação da
comunidade e dirigida para a consumação escatológica do Reino.
In "Continuará o Concílio atual?"