Já não há valores! Aí está uma afirmação que se ouve constantemente, vinda de
ex-presidentes da República, bispos, professores, padres, pais e mães,
educadores. De quase toda a gente.
A afirmação, porém, não é verdadeira. Evidentemente, continua a haver
valores. Não é possível viver sem valores. Não há sociedade sem valores. O que
se passa é que mudou a escala de valores. A hierarquia dos valores, agora, é
outra.
Abraham Maslow estabeleceu uma famosa pirâmide: a pirâmide das necessidades
humanas. Segundo o psicólogo norte-americano, essas necessidades têm uma
hierarquia ascendente, que vai, portanto, da base até aos níveis superiores. As
necessidades básicas confundem-se com as necessidades fisiológicas, condição de
sobrevivência: respirar, comer, beber, dormir, reproduzir-se. No segundo
patamar, encontra-se a necessidade de segurança, que tem a ver com a integridade
do corpo, da saúde, a salvaguarda dos bens e da propriedade. As necessidades de
pertença estão no terceiro plano e referem-se à necessidade de identidade e de
afecto; daí, a importância da amizade, do amor, da vida familiar e grupal. O
quarto nível é ocupado pelas necessidades de estima, tanto no que se refere a si
mesmo - auto-estima - como confiança nos outros: estimar-se a si e aos outros e
ser estimado e respeitado pelos outros. No quinto nível, temos a realização
pessoal, com tudo o que isso implica de criatividade, ética, vida interior,
sentido e transcendência.
Evidentemente, esta escala é discutida e discutível, pois pode não ser tão
universal como pode parecer, não tendo na devida conta a sua determinação
histórica e cultural. No entanto, como escreveu Frédéric Lenoir, parece possível
"considerar estes cinco tipos de necessidades como sendo todos, e com a mesma
dignidade, condições do bem-estar, da felicidade, da realização de si".
A esta escala de necessidades corresponde uma escala de valores. É claro que
as necessidades biológicas são as mais urgentes - sem a sua satisfação, não se
sobrevive -, mas isso não significa que sejam as mais humanas, já que são
partilhadas com os outros animais.
Valor vem de valere - vale, valete era a saudação romana: passa bem!, passai
bem! -, que significa ser forte, ter saúde, passar bem, estar de saúde. E está
em conexão com perguntas como: quanto custa isto?, quanto vale?, qual o seu
preço? No contexto desta conexão, percebe-se que rapidamente venha à ideia a
ligação ao dinheiro.
E não é o dinheiro um valor? A questão é saber se é o valor primeiro - é o
mais urgente, pois dele depende a salvaguarda da vida -, mas é o mais humano,
aquele que determina verdadeiramente a nossa realização humana?
Jesus disse que havia incompatibilidade entre Deus e o Dinheiro: "não podeis
servir a dois senhores, a Deus e ao Dinheiro; ou a um ou a outro." É evidente
que Jesus não condena o dinheiro enquanto tal, isto é, enquanto meio. Ele
próprio teve de servir-se dele, ganhando a sua vida através do trabalho. O que
se passa é que a palavra utilizada no Evangelho para dizer este dinheiro é
Mamôn, isto é, o Dinheiro divinizado e fim em si mesmo. De facto, não é possível
servir o Deus da Vida, que quer a vida de todos, e o Dinheiro enquanto ídolo.
Quem faz do dinheiro e da riqueza o objectivo essencial da sua vida de certeza
que fará muitas vítimas pelo caminho e impedirá muitos de viver.
Continua a haver valores. Mas a sua hierarquia transtornou-se e o que é meio
tornou-se fim. E aí está o culto do bezerro de ouro, o egoísmo feroz, a avareza,
a ganância sem limites. Mas são o dinheiro e a riqueza a finalidade última da
vida? Os gregos apresentaram sabiamente a famosa lenda do rei Midas: tudo o que
tocasse transformar-se-ia em ouro. Ora, quem ele tocou primeiro foi a filha.
Depois, quando levava algo à boca para comer, também se transformava em ouro. E
viu a sua desgraça trágica.
Precisamos é de repor uma escala decente de valores. Comecemos pela justiça,
em ligação com a verdade e a igualdade; junte-se-lhe a liberdade, coroada pelo
amor. Afinal, há gente riquíssima que é infeliz e quem viva feliz na
sobriedade.
Anselmo Borges, aqui
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