quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Tenho saudades do futuro

É um sexagenário bem-disposto e optimista.
Há dias, numa roda de amigos lamentava-se a crise. Cada um carregava mais de negro a situação após ter escutado o outro. As lamentações escorriam em chorrilho:
- Só resta a quem pode emigrar. Aqui não há nada para ninguém...
- O Interior é um deserto. O Governo só enxerga o litoral...
- Passou-se a ideia de que a agricultura era para abandonar, nunca se apostou a sério na sua modernização e adequação ao mercado. O que vemos? Um matagal pegado. E depois gastamos o dinheiro que não temos comprando ao estrangeiro o que não produzimos...
- Ainda falavam do Salazar! Hoje só arranja emprego quem tem "cunhas". Está muito pior...
- Nunca se viu tanta falta de educação como agora. Os velhos são desprezados, abunda a droga, a insegurança, a falta de respeito...
- As escolas não ensinam, entretêm; as famílias não educam, mimam; os novos não querem esforço e exigência, mas borga e boa vida...
- Os ricos estão cada vez mais ricos, os pobres cada vez mais pobres...
- São sempre os mesmos a pagar a crise...
- Isto de ordenados mínimos tem que se lhe diga! Estamos a pagar todos a preguiça de alguns...
- Os políticos só sabem impor exigências aos outros, mas eles continuam a viver à tripa forra. Carrões, mordomias, empregos para os da sua laia...

Então o sexagenário que a todos foi escutando com ar pensativo, interveio finalmente:
- Tenho saudades do futuro.
E perante o ar perplexo dos que o ouviam, explicou-se:
- Sabeis? Eu acredito que sairemos da crise. Portugal já passou por momentos piores e ... arrancou.
Precisamos hoje de ter esperança, o deita-abaixo só piora a situação.
Precisamos de gastar menos tempo a queixarmo-nos e a criticar a vida dos outros, porque precisamos do tempo para trabalhar mais, pensar em formas de poupar mais, sermos mais colaborantes e menos egoístas, puxarmos pela cabeça para sermos mais inventivos, mais criativos, menos dependentes da política...
E continuou:
- Vistes há dias aquela reportagem na televisão? Uma Câmara a apoiar jovens que, estando no desemprego, se lançaram na agricultura. Não sei se ouvistes o que disseram... Estavam contentes. Com muito trabalho e os apoios de técnicos e da autarquia, conseguiam produzir, escoar os produtos e ganhar assim a vida.
Alguns encolheram os ombros. Mas o sexagenário continuou:
- E aqueles dois amigos que concluíram o curso universitário e não conseguiram emprego? Sabem o que fizeram? Apoiados na mãe de um deles que tinha jeito para fazer doçaria, criaram uma mini-empresa de confecção e distribuição de doces. Chegaram a andar de bicicleta a empregá-los de casa em casa. Hoje têm uma pastelaria de sucesso.
O nosso mal é que estamos todos demasiados dependentes dos políticos, pensando que eles é que têm de arranjar empregos, fazer todas as obras, criar toda a riqueza. Sem querermos, pensamos à maneira comunista. E olhem que quanto mais nos libertarmos dos políticos, mais independentes formos, mais eles precisam de nós, mais nos escutam e atendem e menos corrupção haverá. O Estado não é o nosso patrão, tem que ser o nosso servidor. Nós, colocando-nos sistematicamente na sua dependência, é que o tornamos nosso patrão.
É por isto que eu tenho saudades do futuro.

1 comentário:

  1. O sexagenário tem muita razão, muita gente devia meditar bem neste texto, e seguir estes exemplos.

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