Li compenetradamente a mensagem de Bento XVI para o dia Mundial da Paz. E, tendo o Pontífice escolhido como tema para a celebração da efeméride em referência a família como comunidade de paz, não me devo eximir à tessitura de um breve comentário.
Enquanto se pede à comunidade política internacional que trilhe sendas de superação de conflitos pela via diplomática, renunciando à sofisticação e proliferação do armamento, e enverede decididamente pela via do respeito e da tolerância intercultural e civilizacional, é imperioso e oportuno que se bata à porta daquele recurso fundamental para a edificação da cultura pessoal e colectiva de paz. Mas é também necessário que se invista nele um capital de atenção e cuidado, visto tratar-se de recurso extremamente fragilizável em virtude das diversificadas solicitações psicossociais que, ao mínimo deslize, lhe podem acarretar degradação, por vezes, irreversível.
Ora, constituindo a família a plataforma nuclear de comunhão interpessoal, promotora das relações de solidariedade e cooperação, ela configura o sinal mais genuíno e eficaz daquela paz que todos anelamos para a comunidade humana e que teima em não se aninhar no seu complexo seio. E o fundamento de tal significação efectiva e afectiva reside no facto incontornável de todos os homens procederem do mesmo ponto-origem e rumarem ao mesmo fim último.
Infere o papa que esta íntima comunhão de vida amorosa, alicerçada no matrimónio, compagina o lugar primário da humanização da pessoa e da sociedade, o berço da vida e do amor, e deve ser entendida como o fundamento da vida das pessoas, o protótipo de todo o ordenamento social.
Ao viver, por palavras, gestos e obras, a experiência decisiva de componentes basilares da paz, tais como a justiça e o amor fraterno, a função da autoridade parental e o serviço afectuoso aos membros mais débeis ou pequenos, doentes ou idosos, a interajuda nas dificuldades, a disponibilidade para acolher o outro e lhe oferecer o perdão, se preciso for, a família, qual ninho preparado pela natureza para o a génese e o desenvolvimento harmonioso do ser humano, torna-se a primeira e insubstituível educadora da paz. Por isso a sociedade não pode prescindir desse serviço que a ela presta nem do exemplo que ela assume por si e para todos.
Assim é que a violência familiar aparece como contra-sinal impeditivo da marcha da família e lesivo da humanidade inteira. E o léxico anti-paz, hoje mais difundido que nunca, é o meio caminho andado para a negação da família e da paz. E a negação ou a restrição dos direitos da família, obscurecendo a verdade sobre o homem, ameaça os próprios alicerces da paz, uma vez que a família, pelo dever que tem de educar os seus membros, é titular de direitos específicos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, enquanto aquisição de civilização jurídica de valor verdadeiramente universal, reconhece a família como o núcleo natural e fundamental da sociedade, assegurando-lhe o direito à protecção da própria sociedade e do Estado. E a Santa Sé, na Carta dos Direitos da Família, ao garantir a especial dignidade jurídica da família, afirma que os direitos da pessoa, ainda que expressos como direitos do indivíduo, têm uma dimensão social fundamental, que encontra na família a sua expressão originária e vital, sendo expressão e explicitação da lei natural, inscrita no coração do homem e manifestada pela razão.
Finalmente, atenda-se a esta fundamental agência de investimento na paz, enquanto espaço educativo, motor dos afectos, pólo de atracção e sensor humano da propulsão social, e considere-se quão avaros têm sido os poderes no tratamento que lhe têm dispensado. A família precisa da casa para urdir as próprias relações, do emprego e do justo reconhecimento da actividade doméstica dos pais para subsistir como comunidade, da escola para os filhos para o desenvolvimento pessoal e social, de assistência sanitária básica para todos para o crescimento harmónico e a correcção de situações anómalas. E a sociedade e a política, ao não se empenharem na ajuda à família nestes campos, desdenham um recurso essencial de serviço à causa da paz. De modo peculiar os meios de comunicação social, pelo potencial educativo de que dispõem, têm uma responsabilidade especial e única de favorecer o respeito pela instituição familiar, dar vez e voz às suas expectativas e aos seus direitos, de evidenciar o seu fulgor.
Ano novo de paz!
Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.