segunda-feira, 4 de agosto de 2008

A vergonha de ser cristão

Conta-me um companheiro que, quando no mês passado visitava o Egipto, com a sua equipa, para fazer diversas filmagens, foram recebidos no Cairo pelo director geral da Televisão Egípcia. Depois de lhes conceder todas as facilidades, aquele director geral despediu-se dando a cada um um exemplar do Alcorão, não sem antes ter beijado respeitosamente a portada do livro. “Que Alá vos proteja no vosso trabalho”, acrescentou. E fez tudo aquilo - continua o meu companheiro - com um respeito, uma naturalidade, que o grupo de ocidentais, na maioria não crentes, sentiu-se sinceramente emocionado. Digam-me agora se são capazes de imaginar qualquer dos Directores da nossa televisão a fazer um gesto semelhante. Ou digam-me se lhes cabe na cabeça que o Director comercial de qualquer das grandes firmas ofereça uma Bíblia aos visitantes estrangeiros. Digam-me ainda mais isto: fá-lo-ia com essa espontânea sinceridade um dos nossos bispos a uns desconhecidos? Receio que todos encontremos milhentas razões para nos justificar: “Que vão eles pensar de nós?” “Quando muito vão-se rir do presente! “.
A verdade é que o que mais surpreende numa viagem ao Oriente é a absoluta naturalidade com que o religioso se insere na vida dos crentes. A minha primeira lembrança dos países árabes é a de um muçulmano prostrado no aeroporto do Cairo, fazendo as suas orações no cimento da pista, insensível ao rugir dos aviões. Vi amigos judeus profundamente crentes que, também com plena naturalidade e sem escrúpulos, cumpriam em público algumas prescrições da sua religião, que para um não judeu resultavam profundamente ridículas, mas que feitas com aquela naturalidade se tornavam até comovedoras.
Nas ruas da India podem encontrar-se dúzias de gurís a exibir a sua nudez ou a encerrar-se na contemplação, sem a curiosidade dos turistas e dos fotógrafos lhes provocar o menor embaraço. Entre nós é muito diferente: oscilamos entre o orgulho agressivo de ser católico e a vergonha de o mostrar em público. Contava-me um amigo meu há poucos dias que, numa dessas longas esperas do aeroporto, decidiu rezar o terço. Mas a mulher dizia-lhe: “Passa as contas dentro do bolso, para não se rirem de nós”. E o meu amigo respondeu: “Se aquele parzinho não tem vergonha de beijar-se em público, porque me hei-de eu envergonhar de rezar o terço?”
Houve tempos no ocidente em que o exibicionismo contava mais do que a própria fé. Não faltava quem convertesse a crença numa certa agressividade. Devemos reconhecer que alguma descrença de hoje pode ter origem nos excessos do passado. Pessoas que se viram obrigadas a ir à missa diariamente nos colégios, ou a rezar o terço “à força”, respondem hoje que fizeram na juventude actos religiosos que chegam para toda a vida.
Agora, porém, emigrámos para o hemisfério da “vergonha”. Há jornais que ignoram as notícias religiosas, ou só as dão quando são estrambóticas, porque pensam que tudo isso é coisa de padres. Há donos de salas de cinema que ficam aterrados com a ideia de exibir um filme religioso — que além do mais já só quase existem nas filmotecas — com medo de ganharem fama de beatos. Há universitários que morreriam de vergonha, se tivessem de confessar que vão à Missa aos domingos. Padres, até, que procuram falar daquilo “de que a gente fala”, porque falar num café de assuntos religiosos é coisa que não dá. Suponho que isto é, em parte, a velha lei do pêndulo, e que esta “moda da vergonha” passará quando nos dermos conta de como é ridícula. De qualquer modo, é um sinal bem triste da nossa covardia colectiva.
Observe-se, porém, que não estou a pedir que voltemos ao “orgulho exterior” de ser católicos, mas simplesmente que o sejamos com espontaneidade e o expressemos naturalmente. Não se trata de converter os cristãos em “doentes” de futebol, que só sabem falar do seu clube, mas em pessoas de quem a fé saia pelas obras como a respiração sai dos pulmões.
E claro que temos de começar por ter o coração muito em Deus para falar bem dele. O cristão é apóstolo, não um charlatão de feira. Tem de começar por cumprir o conselho de Von Hugel: — “Quando o cristianismo é odiado pelo mundo, a tarefa própria do cristão não é mostrar eloquência de palavra mas grandeza de alma. Por isso não fales muito das coisas grandes: deixa-as crescer em ti”.
Quando tiverem crescido suficientemente, a fé sairá pelas nossas palavras como as rosas brotam das roseiras.
In Razões para o amor

1 comentário:

  1. * * *
    Caríssimo Senhor Padre

    Gostei deveras deste artigo; obrigado por tê-lo publicado.
    «Vergonha de ser Cristão», eis a actualidade, eis o busílis da questão!
    Eu próprio, por vezes, também sou influenciado, mesmo sem querer, por tal complexo generalizado.
    É como que uma moda nefasta e diabólica, uma armadilha mortal!
    Quanto temos de nos humilhar, rezar e sacrificar, para vencer tão maldita tendência!
    Que Deus nos ajude a todos, tendo piedade e misericórdia de nós!
    Efectivamente, muitas outras religiões, e até mesmo algumas 'seitas' cristãs, dão-nos grandes lições, a nós 'católicos'!
    E devíamos ser nós mesmos a dar tais lições e bons exemplos, pelo menos em pé de igualdade, e jamais mostrando fraqueza ou respeitos humanos.
    Quanto temos de nos converter, meu Deus, e radicalmente!
    Quanto temos de aprender com outras crenças, mesmo consideradas pagãs!
    Pagãos somos nós católicos, quando nos comportamos assim, tão negativamente, tão hipocritamente!
    Para ser verdadeiramente Cristão, não há meios-termos, tal como disse e ensinou Jesus:
    «Quem não for por Mim, é contra Mim, pois não podemos servir a dois senhores simultaneamente: a Deus e ao mundo (a Deus e ao Diabo)»...
    E noutra parte:
    «Quem tiver vergonha de Mim, eu também terei vergonha dele no Juízo final (ou à hora da morte)»...

    + DEUS ACIMA DE TUDO !

    Cordiais saudações cristãs e católicas para si e para todos em geral, em Jesus e por Maria (sem vergonha).
    J. Mariano
    ~

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