Decorreu, na cidade francesa de Estrasburgo, entre os passados dias 28
de dezembro e 1 de janeiro, o 36.º Encontro Europeu de Jovens promovido pela Comunidade
Ecuménica de Taizé, que congregou cerca de 30 mil jovens de diversos países do
velho continente.
Na mensagem que o papa Francisco enviou a 19 de dezembro à comunidade,
recorda “com alegria” a passagem de encontro similar, em finais de 2012, pela
Praça São Pedro, com a participação de milhares de jovens e de Bento XVI, “em
particular, da bela oração” que os congregou. Mas Francisco vai mais longe ao
assegurar que “o Papa conta convosco para que, através da vossa fé e do vosso
testemunho, o espírito de paz e de reconciliação do Evangelho irradie entre os
vossos contemporâneos”.
Para além da mensagem papal, outras vieram a manifestar a unanimidade
de sentimento em apoio da iniciativa, de que se destacam as do Patriarca
Ecuménico Bartolomeu, do Patriarca de Moscovo, do Arcebispo de Cantuária, do
Secretário-geral da Aliança Mundial das Igrejas Reformadas, do Secretário-geral
do Conselho Ecuménico das Igrejas, do Secretário-geral da Federação Mundial
Luterana, do Secretário-geral das Nações Unidas e do Presidente do Conselho
Europeu.
A propósito das quatro propostas para 2014 – juntar-se à comunidade
local que reza, alargar a amizade para lá das fronteiras, partilhar e rezar
regularmente com outras pessoas e tornar mais visível a comunhão de todos os
que acreditam em Cristo – publicadas no site da Comunidade Ecuménica
de Taizé no dia 26 de dezembro, o irmão Alois, prior da comunidade e principal
responsável pelo encontro, esclarecia: “Por toda a terra os que amam Cristo
formam uma grande comunidade de amizade. A isso chama-se comunhão. Têm assim um
contributo a dar para curar as feridas da humanidade: sem quererem impor-se,
podem contribuir para uma mundialização da solidariedade, que não exclui nenhum
povo nem nenhuma pessoa”.
No espírito das quatro propostas enunciadas, durante as manhãs do
encontro, os jovens reuniram-se em “mais de 200 paróquias de acolhimento”, na
França e na Alemanha, para momentos de oração e partilha. Para as tardes de 29
e 30 de dezembro, o programa propunha vinte temas para reflexão como: crise,
desemprego, precariedade… necessidade de inventar um novo modelo económico;
justiça e direitos do homem; reflexões pessoais sobre o desafio de ser cristão;
diálogo ecuménico para coexistirmos tranquilamente ou para nos deixarmos
transformar pelo encontro com outros; Europa, terra de migrações: como podemos
viver melhor juntos. As orações comunitárias, à tarde e à noite, ocorreram
simultaneamente em três pavilhões do Wacken, o parque de exposições de
Estrasburgo, na catedral católica e na igreja protestante de São Paulo.
Para o prior de Taizé, apesar da paz “sem precedentes” na História da
Europa, permanece o “muro das consciências”. Entretanto, “os jovens que vieram
a Estrasburgo gostariam de uma Europa aberta e solidária: solidária entre todos
os países europeus e solidária com os povos mais pobres dos outros
continentes”. E acrescenta que os jovens “aspiram a uma outra organização
económica”, propondo que “à mundialização da economia esteja associada uma
mundialização da solidariedade”.
No atinente ao aspeto ecuménico e na sequência do celebrado encontro de
jovens, o irmão Alois, sucessor do irmão Roger Schutz, que fundou a comunidade
em 1940 e foi assassinado durante a oração da tarde numa cerimónia ecuménica em
16 de agosto de 2005, num artigo preparado para a Semana de Oração Pela
Unidade dos Cristãos, desafiou todos os cristãos a considerar que o bispo
de Roma pode “apoiar a comunhão entre todos”. Inspirado na verificação de que o
Papa Francisco “indica” a direção certa “ao apresentar como prioridade para
todos o anúncio da misericórdia de Deus” questiona: “Não poderiam todos os
cristãos considerar que o bispo de Roma é chamado a apoiar a comunhão entre
todos, uma comunhão em Cristo, onde podem permanecer algumas expressões
teológicas que comportam diferenças”?
Para tanto, é preciso atender ao apelo/compromisso assim expresso pelo
religioso ecuménico:
“Não falhemos neste momento providencial. Estou consciente de estar a
tocar um assunto muito quente e de o fazer de forma talvez deficiente. Contudo,
para avançar, parece-me inevitável que procuremos modos de entrar neste caminho
de uma diversidade reconciliada”, entendendo que as diversas confissões cristãs
devem encontrar formas de se colocarem todas “sob o mesmo teto” sem ficarem à
espera de “que todas as formulações teológicas estejam completamente
harmonizadas”.
Opina o prior de Taizé que “haverá sempre diferenças”, que devem ser
avaliadas em “conversas francas”, na certeza de que “muitas vezes podem também
conduzir a um enriquecimento”. E, ao referir a experiência de ecumenismo vivida
em Taizé, onde os jovens de diferentes confissões cristãs se sentem
“profundamente unidos”, sem com isso rebaixarem a sua fé a um mínimo
denominador comum, nem procederem a um nivelamento dos seus valores”, lança o
repto:
“Se é possível em Taizé, por que não será isso possível noutros
lugares?
O repto responde vivencialmente à demanda dos últimos pontífices
romanos, como, a seguir, se explana.
João XXIII, desejando que o envolvimento da Igreja Católica no
movimento ecuménico contemporâneo fosse um dos principais objetivos do Vaticano
II, criou a 5 de junho de 1960 um Secretariado para a promoção da unidade
dos cristãos como uma das comissões preparatórias para o concílio. Tal
organismo convidou as diversas confissões a enviar representantes seus às
sessões conciliares como observadores, apresentou à aula conciliar os projetos
de documentos sobre o ecumenismo, a liberdade religiosa e a relação com as
outras religiões, e colaborou com a comissão doutrinal na elaboração do projeto
de constituição dogmática sobre a divina revelação.
Paulo VI, que se desligou de adereços pontifícios como a tiara, o anel
precioso e a sede gestatória, publicou a célebre encíclica Ecclesiam Suam
sobre o diálogo e iniciou um programa de viagens apostólicas fora de Itália, em
que se tornaram usuais os encontros ecuménicos, confirmou o mesmo secretariado
como órgão permanente da Santa Sé.
A seguir a João Paulo I, que mal teve tempo de esboçar um sorriso de
simpatia ecuménica, surge o indizível João Paulo II, que transformou o
secretariado em Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos, em março de 1989. Mas
o papa polaco, que multiplicou as viagens pastorais quase por todo o mundo,
empenha-se esmeradamente pela problemática do ecumenismo.
A ela corresponde o ato de publicação da encíclica Ut unum sint,
em 1995, dedicada ao «empenho ecuménico» dos católicos nas suas relações com os
outros cristãos que se acham em comunhão verdadeira, mas imperfeita, com a
Igreja católica. No seu n. 95, o papa fazia-se eco «da solicitação que me é
dirigida – dizia – para encontrar uma forma de exercício do primado que, sem
renunciar de modo algum ao que é essencial da sua missão, se abra a uma
situação nova». Mais do que a doutrina da encíclica, deve registar-se a atitude
que redundou na tomada de uma decisão verdadeiramente histórica, ao convidar
«todos os pastores e os teólogos das nossas Igrejas para que procuremos,
naturalmente juntos, as formas mediante as quais este ministério possa realizar
um serviço de fé e de amor reconhecido por uns e por outros».
Bento XVI, que já tinha deixado cair o título de “Patriarca do
Ocidente”, com o seu gesto de renúncia ao exercício do múnus petrino, no
reconhecimento das limitações pessoais e para dar lugar a outrem, pareceu
também apontar para a redefinição da prática do exercício da função pontifical
de, numa atitude de amor (cf Jo 21,15) e solicitude, “confirmar os irmãos na
fé” (Lc 22,32) ou de pô-los a conviver sob o mesmo teto, não obstante as
diferenças, que sempre as “tereis convosco”.
Será que Francisco, o despojado de todos os empecilhos bispo de Roma,
que apela a que não “haja medo da ternura de Deus”, que propõe o pastoreio “com
o odor das ovelhas” e insiste na atitude inclusiva da promoção da fé, em vez da
sua fiscalização, vai liderar a chegada a bom porto da nau ecuménica em diálogo
efetivo e afetivo com os outros líderes? Conseguirá ele promover a crença dos
católicos, mormente os hierarcas, na colegialidade e na descentralização, de
modo que se garanta a augustiniana unidade no essencial e liberdade no
acessório ou seja, a valorização das diferenças porventura incómodas, mas
enriquecedoras?
2014.01.20
Louro de Carvalho
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