Não haveria a querela do Acordo Ortográfico, porque não haveria o Português, nem o problema da regulação do uso universal da nossa língua. Estaríamos hoje com os galegos, esbracejando pela cidadania linguística. Não haveria Rui Reininho e a sua 'Pronúncia do Norte', nem Pedro Abrunhosa e o seu 'Momento' ou Jorge Palma e 'Encosta-te a Mim', o 'Ó Gente da Minha Terra' de Mariza, o 'Fado Tropical' de Chico Buarque. Fernando Pessoa não seria o que é, nem a Mensagem. Camões e 'Os Lusíadas' seriam talvez desconhecidos, literatura esquecida ou clandestina. Veríamos filmes dobrados – em Castelhano. O Fado não seria Património Imaterial da Humanidade. Não existiria sequer o fado, antes outra coisa qualquer de sonoridade espanhola.
Já não teríamos declarado o sobreiro árvore nacional. Não seríamos o maior produtor mundial de cortiça – seria Espanha. O nosso porco preto alentejano seria porco ibérico para toda a vida, sem apelo nem agravo. Teríamos centrais nucleares na bacia do Tejo e talvez na do Douro, não só do lado de lá, mas do lado de cá. Não haveria lado de cá e de lá. A política espanhola de transvases afectando os nossos rios estaria aí em pleno.
Não haveria D. João IV, nem D. João V e o seu Convento de Mafra, nem D. João VI e a originalidade fundadora da corte no Brasil. Não haveria o próprio Brasil – em lugar dessa criação do génio e do acaso português, teriam surgido outras coisas, fruto de colonizações retalhadas de holandeses, franceses, espanhóis e ex-portugueses falando espanhol. Não haveria o samba e a bossa nova. Não haveria Angola, nem Moçambique. O espaço de Moçambique estaria repartido por países anglófonos e no de Angola seria outro retalho qualquer de colonizações holandesa, alemã, francófona, talvez espanhola. São Tomé e Príncipe estaria na Guiné Equatorial, como Fernando Pó e Ano Bom. A Guiné-Bissau moraria na francofonia, Cabo Verde provavelmente também. Não haveria a morna, nem a coladeira, talvez o zouk de Guadalupe e Martinica. Timor seria holandês e, portanto, indonésio. Macau teria acabado, pouco depois de ser. Não teria havido a guerra do Ultramar, porque não teria havido Ultramar. Não existiria a CPLP. Nem haveria sequer o Fórum Ibero-Americano, antes qualquer coisa hispano-americana. Não haveria o navio-escola 'Sagres'. O nosso mar português não seria.
Não teríamos o Eusébio. Não teríamos festejado o louco terceiro lugar do Mundial de Inglaterra 1966, mas alguns teriam celebrado a Espanha campeã do Mundo na África do Sul 2010. O Benfica e o FC Porto provavelmente nunca teriam sido campeões europeus. A Académica nunca teria ganho a Taça de Portugal – não haveria Taça de Portugal. Com sorte, Benfica, Porto, Sporting, outro, poderiam ter ganho a Copa Generalíssimo ou a Taça do Rei.
Não haveria Cardeal Patriarca de Lisboa, título do século XVIII. Não haveria um só cardeal português no Consistório de Roma. Não existiria a Conferência Episcopal – os nossos bispos estariam na conferência espanhola.
Teria havido o terramoto de 1755, mas não o Marquês de Pombal, nem a baixa pombalina. As invasões francesas teriam sido uma passeata com cicerone espanhol. Não haveria a questão de Olivença – seríamos todos nós Olivença. Teríamos tido na mesma as lutas liberais, mas não entre D. Pedro e D. Miguel, antes envolvidos nas longas guerras do carlismo. Não teríamos tido nem Afonso Costa, nem Salazar, antes dois breves episódios republicanos, um fugaz no século XIX, outro nos anos 30 seguido da guerra. Teríamos tido a Guerra Civil, seguida do Generalíssimo e da restauração monárquica com rei espanhol. Teríamos sofrido o terrorismo da ETA. Não haveria Cavaco Silva, presidente; nem, antes, Jorge Sampaio, Mário Soares, ou Ramalho Eanes. Seria D. Juan Carlos. Não teríamos Passos Coelho, nem Paulo Portas, antes Mariano Rajoy e Garcia-Margallo. Não teríamos Ministério dos Negócios Estrangeiros – seríamos somente um negócio de estrangeiros. Não teríamos Assembleia da República, apenas as Cortes Generales.
Aqui chegados, eu compreendo perfeitamente que as Cortes de Madrid chumbassem o nosso feriado do 1º de Dezembro, primeiro o Congresso dos Deputados, logo a seguir o Senado. Mas a Assembleia da República fazer isso? Não pode ser.
José Ribeiro e Castro, aqui
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