terça-feira, 1 de março de 2011

CEM ANOS DA LEI DA SEPARAÇÃO DO ESTADO E DA IGREJA

A 20 de Abril de 1911, POUCOS meses após a instauração da República, o Estado decretou o livre culto, pretendendo tornar a sociedade portuguesa numa sociedade laica. Cem anos volvidos sobre esta data, e após várias perseguições à Igreja Católica, Portugal, embora declarado como Estado laico, permite a cada indivíduo professar livremente a sua fé.
A efectivação da laicização da sociedade portuguesa deu-se apenas com a implantação da República. No entanto, desde há muito que em Portugal se tinham criado condições para a separação entre Estado e Igreja. Durante os últimos anos do séc. XIX chegam a Portugal os primeiros ecos do positivismo de Augusto Comte que, aliados às ideias socialistas e republicanas, fazem difundir pelo país, sob a forma de conferências, artigos e opúsculos em periódicos, várias ideias laicistas. Os republicanos, que associavam a Monarquia ao Catolicismo, viram na ideia de tornar Portugal um Estado laico uma arma para a sua luta contra o sistema político e governativo nacional.
Ao mesmo tempo que estes ideais se iam expandindo pelo país, observou-se nas últimas duas décadas do séc. XIX um renascimento da Igreja Católica, que se traduziu quer pelo regresso ou consolidação das ordens religiosas expulsas pelo Marquês de Pombal em 1834, quer pela intensa actividade pastoral, cultural e educativa das dioceses portuguesas e ultramarinas.

Aquando do regicídio de D. Carlos, em 1908, e com a grande difusão dos ideais republicanos, a luta contra a Igreja começa a ganhar grandes contornos. Com a implantação da República, a 5 de Outubro de 1910, o Governo provisório começa a fazer um ataque cerrado ao clero e às ordens religiosas. Para além da violência e insultos infligidos, dão-se também alguns assassinatos. A 8 de Outubro desse ano, o então ministro da Justiça, Afonso Costa, repõe em vigor as leis pombalinas contra os jesuítas, assim como as de Joaquim António de Aguiar (também conhecido como “Mata-Frades”) em relação às ordens religiosas (1834). A par destas medidas, os bens e propriedades da Igreja são-lhe retirados passando a ser património do Estado.
Retomadas as leis de 1834, o Governo provisório lança as bases da laicização da sociedade portuguesa, pois entende ser conveniente para satisfazer as aspirações liberais e democráticas da República. Entre as várias medidas tomadas decide abolir os dias santos, passando estes a ser dias de trabalho, com excepção do domingo, não por motivos religiosos, mas apenas laborais. Também se procedeu à anulação das inscrições no 1º ano do curso de Teologia, à extinção das disciplinas de Direito Canónico e à supressão do ensino da Doutrina Cristã. Dissolveram-se as mesas administrativas das confrarias e irmandades e é proibida a participação das Forças Armadas nas solenidades religiosas. Contudo, a polémica maior foi gerada com as leis do divórcio e da família de 3 de Novembro de 1919, as quais consideravam o casamento um «contrato puramente civil». A nível legislativo, estas foram as principais medidas tomadas pelo Governo nos primeiros tempos da República. Não só a nível legislativo se observaram esforços na laicização da sociedade. Criou-se um clima de autêntico terror de perseguição à Igreja, com o aniquilamento das suas instituições e até de alguns membros do clero. Muitos bispos eram perseguidos e até mesmo suspensos dos seus direitos temporais.

Face a este panorama, a Igreja empreendeu algumas invectivas para se defender dos sucessivos decretos e portarias antieclesiásticas. Lança então uma pastoral de defesa da doutrina católica, defende o fortalecimento da fé e da unidade dos fiéis, incitando-os a defenderem as suas convicções e direitos religiosos. Porém, todas estas medidas foram em vão. O Governo proibiu a difusão da pastoral posta em marcha pela Igreja, embora alguns prelados tenham resistido e dado continuidade à defesa da Iiberdade religiosa dos fiéis. Exemplo desses prelados foi D. António Barroso, bispo do Porto, que, pela sua resistência, foi chamado a Lisboa por Afonso Costa, o qual, após o expor às ofensas e insultos do povo, o destituiu das suas funções eclesiásticas e declarou vaga a diocese portuense. A Igreja reagiu com uma exposição ao Governo, mas este prosseguiu com o seu propósito, chegando a destituir o bispo de Beja. No culminar deste processo de laicização da sociedade está o decreto do Governo da República que dá prevalência ao registo civil sobre as cerimónias religiosas.
O grande momento de laicização do Estado, no entanto, materializou -se a 20 de Abril de 1911 com a aprovação da Lei de Separação do Estado e da Igreja, a qual tinha grande aceitação pelas classes populares e intelectuais e, segundo Afonso Costa, apoiado por outros republicanos, como Magalhães Lima, preconizava que no espaço de duas ou três gerações o Catolicismo estaria irradiado de Portugal.
A Igreja reagiu à lei, cujo conteúdo classificou como «injustiça, opressão, espoliação e ludíbrio». No entanto, enfraquecida como estava nas suas estruturas, nada conseguiu fazer para a combater.

A aplicação da lei teve início a 1 de Julho de 1911 e até 1917 são várias as perseguições feitas ao clero. A apoiar este quadro de perseguições estiveram as revoltas monárquicas e republicanas, que serviam de pretexto para novos ataques à Igreja e novos aditamentos à lei de 1911. Em 1917 são condenados ao exílio o bispo D. António Barroso e o então Cardeal-Patriarca D. António Mendes Belo.
Também os acontecimentos vividos em Fátima no ano de 1917, ano das aparições da Virgem Maria, serviram de motivo para novas perseguições e condenações políticas que se enquadravam no âmbito dos intentos de laicização do Estado.
Quando se deu a revolta de 5 de Dezembro de 1917, liderada por Sidónio Pais, a agitação republicana vivida em Portugal desde 1910 acalmou. Uma das áreas de acção foi precisamente a da situação da Igreja portuguesa. Embora a Lei de Separação da Igreja e do Estado se tivesse mantido, foram restringidas algumas arbitrariedades e exageros da lei de 1911, modificadas certas disposições e levantados os castigos aos prelados que se encontravam no exílio.
Após a morte de Sidónio Pais (14 de Dezembro de 1918), o projecto de laicização do Estado tornou-se menos violento e mais refreado, tornando -se mais próximo da situação harmoniosa vivida nos nossos dias.
Cem anos após a Lei de Separação do Estado e da Igreja, e embora a Constituição da República Portuguesa consagre Portugal como um Estado laico, o Catolicismo continua a ser a religião por excelência dos portugueses, com um papel activo no Estado e na sociedade, coexistindo pacificamente com todos os credos.
Ricardo Falcato, in Síntese

Veja aqui um vídeo alusivo a esta temática.

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