Já lá vão uns anos. Na altura estava aqui comigo um outro sacerdote.
Decidimos um dia ir até Santa Helena para para rezar, conversar, repensar, planear. E demo-nos uma tarde só para isso.
Ao entrarmos na capela, ambos reparámos que as flores, além de demasiado velhas e murchas, estavam colocadas aos montes, sem a beleza e a discrição necessárias. Surgiu-nos então a ideia de sermos nós a adornar a capela. E como toda a natureza louva o seu Senhor, resolvemos fazê-lo com os elementos que a serra nos oferecia. Lá andámos nós à procura daquilo que achámos que combinava bem. Um verde aqui, um caule seco acolá, um ramo de tonalidade outonal além. Trouxemos tudo, seleccionámos, colocámos, arranjámos. No fim, ambos ficámos satisfeitos com o trabalho. Pareceu-nos que os arranjos estavam muito discretos e o meu colega comentou:
- Olhe, a serra louva o Seu Senhor!
E conversamos que bem poderia ser uma boa lição prática para as pessoas. Em vez de ramalhuscos nos templos, a descrição. Em vez de gastar dinheiro com flores fora de época, utilizar aquilo que a natureza nos dá.
Quinze dias depois, volto a santa Helena para a Missa do 3º domingo. Qual não foi o meu espanto quando vi que toda a decoração que ajudei a fazer havia sido retirada. E lá voltaram os ramalhões de flores do costume!
No fim da Missa, uma senhora abeirou-se de mim e despejou, escandalizada:
- O senhor já viu o que fizeram à capela!? Andaram a colocar nos jarros espigas secas, raminhos de giestas e urzes! Vergonha assim! Só gostava de saber quem é que teve tal atrevimento!... Já perguntei ao senhor sacristão, mas ele disse que não cedeu a chave a ninguém. O senhor sabe? Olhe, fiquei tão revoltada quando cá cheguei e vi esta pouca vergonha que pedi ao meu marido para me levar lá baixo em busca de umas flores decentes. Felizmente que o fiz antes de começarem a chegar as pessoas para a Missa! Não se ria que não tem piada nenhuma!
É que eu ria mesma, gargalhava, o que deixava a senhora ainda mais excitada. Disse que fui eu e o meu colega que havíamos feito os arranjos e tentei, entre sorrisos sufocados, explicar a razão da nossa iniciativa. Qual quê? A senhora arrumou-me logo.
- O senhor de flores não percebe nada! Por isso, é melhor não se meter naquilo que não entende.
Ora toma! E lá foi a senhora feliz com a vitória que alcançou. Só que se esqueceu que o arranjo esteve lá 15 dias, o que significa que esteve à vista num domingo andes de ter sido destruído.
Passados uns tempos - não sei agora precisar, mas foi bastante - vi na Igreja Paroquial alguns elementos decorativos parecidos com os que havíamos colocado em Santa Helena. Outra senhora apareceu e perguntou:
- Gostou do arranjo no altar tal?
- Sim, achei interessante- respondi.
- É que eu há tempos estive num domingo em Santa Helena e vi lá um arranjo nestes moldes. Gostei, procurei as coisas e fiz aqui parecido.
Pois. Não sejamos precipitados nem pessimistas a julgar os acontecimentos ou o nosso trabalho. Mesmo quando parece que nada conseguimos, tal pode não ser verdade. O que é preciso é semear o bem e o belo no coração do mundo, mesmo em coisas bem insignificantes. Colher não nos pertence. Só semear.
Mas afinal em que ficamos? Vossa Santidade percebe ou não percebe de flores?
ResponderEliminarJá agora uma historieta verdadeira, que se passou comigo:
Um sacerdote, ao tempo um zeloso pároco de três paróquias do concelho de Moimenta da Beira, chamou-me para "in loco" lhe dar opinião sobre obras que planeava fazer em duas das suas igrejas paroquiais.
Depois das opiniões, veio o lanche, durante o qual me perguntou:
- Sabes porque te chamei?
- Para teres opinião com que possas confrontar as tuas ideias sobre as obras. - respondi.
Porém, ele explicou:
- É que, como ouvi dizer que percebias de estradas, também pensei que percebesses de igrejas!
Ahahahahahahah
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