segunda-feira, 9 de março de 2009

"Este tempo de crise já é uma abstinência pegada!"

Mais uma tarde junto dos doentes. Hoje treze. Momentos de aprendizagem e de vivências fortes.
Uma senhora, na casa dos noventa, dizia-me serenamente que reparte o que cresce da sua reforma pelos netos. Que não fica com nada porque não precisa de nada. Que serenidade naquele rosto! Que paz! Que encanto de pessoa! Não admira todo o enlevo que a família sente por ela. Não, não é tanto pelo que dá, é por aquilo que é. As pegadas da bondade são inapagáveis.
E aquela pessoa, há trinta anos numa cadeira de rodas, que reflectia comigo sobre a abstinência quaresmal!
- Então o senhor não acha que a crise faz da vida uma abstinência prolongada? Olhe que sim, vivemos em penitência contínua. As pessoas não compram o que querem nem o que precisam. Vivem em sofrimento porque não sabem até quando terão emprego. Renunciam ao máximo para poderem custear os estudos dos filhos ou os medicamentos. Desculpe se digo asneiras, mas penso que a Igreja nesta Quaresma bem podia deixar de falar de penitência, de sacrifício, de abstinência. Isso as pessoas já têm. E de que maneira!
Fiquei a pensar e está-me a dar que pensar...
Tem já muita idade. Os filhos estão no estrangeiro, muito longe mesmo. Apareceu-lhe ultimamente uma doença que a retém em casa. Mas para não preocupar os filhos, nem lhe comunicou o estado em que se encontra. Sofre sozinha. Ah! Sozinha não, porque mo disse e repetiu exaustivamente que Deus a acompanha. Com Ele fala, com Ele desabafa, a Ele procura escutar. A Ele oferece a sua solidão humana e as suas dores "pelos que andam na terra, no ar e no mar". Sim, afirma que nem reza tanto por ela - "Deus bem sabe que me traz aqui!" - mas pelos outros, para que as pessoas aprendam a lidar com a crise e a sair dela; para que sejam fraternas e solidárias; para que se voltem para Deus...
Também senti a dor amarga de quem vê o seu sofrimento agravado pelo desprezo, abandono ou questiúnculas familiares. Tal como no calvário. Poucos cirinéus, poucos a limpar lágrimas, poucos ao pé da cruz. Muitos a desprezar, alguns a insultar, tantos demitidos. Mas o mal não terá nunca a última palavra.

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