quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Os Magos do nosso tempo

Uma fila enorme de pessoas caminham para a Gruta de Belém. Não levam incenso, mirra, ouro.
Levam um coração sofrido, dorido, esmagado. Esperam que o Menino o aceite e o transforme.

Senhor, eu sou o Ibraim. Saí do meu país pobre em busca de um pedaço de pão mais abundante. Alguém, sem escrúpulos, prometeu-me um futuro radioso, mas exigiu-me tudo o que tinha. E eu vim, com intensas saudades dos que deixei, mas com uma esperança enorme de os ajudar. O barquito em que vinha amontoado despejou-nos na costa de um país rico e fomos abandonados. Fui levado ao tribunal como malfeitor. Por sorte, autorizaram-me a ficar. Caí nas mãos de um empregador sem escrúpulos que me pagava mal - quando pagava! Muitas vezes recorri aos caixotes do lixo para entreter a fome...

Senhor, eu sou a Lisa. Fui raptada por criminosos e levada para a prostituição. Tinha 12 anos quando aconteceu. Meus pais continuam a procurar-me angustiadamente, mas os raptores puseram-me incomunicável. Destruíram-me e reduziram-me a um farrapo humano.

Senhor, eu sou o Bonga. No meu país africano, vivo nas ruas de uma grande cidade com milhares de outras nas mesmas circunstâncias. Enxotam-nos como moscas desprezíveis e somos olhados com um misto de receio e de desprezo. A fome é mais do que muita e disputámos os restos podres dos caixotes como se fôssemos ratos.

Senhor, eu sou a Frederica. No meu país, ganho o ordenado mínimo. Mas ainda bem que tenho trabalho... Meu marido caiu nos braços de uma outra mulher que era mais cheirosinha, bem vestida e de palavras enleantes. Fiquei só com os três filhinhos. Ele desapareceu e nunca mais quis saber. Tento ser mãe e pai. Mas é tão difícil! Renda de casa, vestir, calçar, comida, estudos... O dinheiro não chega. Já não sei o que hei-de fazer!

Senhor, eu sou o Dino. Tenho 20 anos, embora pareça ser um kota. Este gosto de experimentar tudo e de ultrapassar todos os limites... Para não me sentir menos que os outros, experimentei a droga. Maldito dia e malditos amigos! Amigos??? Quem me pôs neste estado é tudo menos amigo. Fui expulso de casa, já estive preso por assaltos e zaragatas. Sinto-me só, desprezado, olhado de lado... Estou farto!

Senhor, eu sou o Hussan. Sou de um país rico em petróleo que foi invadido com pretextos falsos. Uma vez, ao sair da oração, um bomba explode e fiquei sem braços. Ao meu lado, só via cadáveres. Mas esta cena repete-se diariamente e o meu país é um cemitério gigante...

Senhor, sou a Dalila e tenho 75 anos. Vivo na rua de uma grande cidade europeia. Durmo no meio de caixotes abandonados e pedincho uma côdea para sobreviver. Mesmo quem me dá, afasta a cara. Outros nem olham e ouço piadas e chacotas que já nem magoam...

Senhor, eu sou um bebé sem nome. Não tive a sorte de ter uns pais como tu. Minha mãe abortou e eu fui despejado ... E agora estou aqui, sem nome, sem identidade, sem futuro.

Senhor, eu sou a Didinha e tenho sida. Nunca quis desistir de viver e procurei trabalho. Sempre fui cuidadosa e exigente no que toca à saúde dos outros. Mas quando souberam da doença que tenho, fui despedida com argumentos de ocasião. Mais que a doença, magoa-me o desprezo, o preconceito, o afastamento com que tantos e tantos me tratam.

Senhor, eu sou o Joky, sou casado e tenho seis filhos. Sou alcoólico. O vício roubou-me a força e o gosto pelo trabalho. A vida da minha família é um inferno. Ninguém respeita ninguém e a violência física e verbal é o pão nosso de cada dia. Vale-nos o ordenado mínimo, que nunca nos chega porque não o sabemos administrar. Enquanto há, é um regabofe. Depois... Mas preocupam-me os meus filhos! Gerados no álcool, criados na violência e no sem-amor, que será deles? Mas eu não tenho forças para largar o maldito vício...

Senhor, eu sou a Sila. Minha mãe é viúva e trabalhou e poupou quanto pôde para eu estudar. Acabei o meu curso universitário com boa nota. Mas estou desempregada e já me doem os pés e a alma de tanto procurar emprego. Sou muito humilde e não tenho cunhas. Tenho ocupado o tempo a pastorear as ovelhitas da minha mãe. Mas foi para isto que ela fez um esforço sobre-humano?

Senhor, eu sou o Xavi. Escrevo nos jornais, já publiquei livros que tiveram grande recepção. Sou uma referência no meio intelectual do meu país. Alinho pela moda dominante e tenho usado o engenho e a inteligência para combater Deus, a Igreja, os crentes. Mas sinto-me vazio. O meu coração parece um deserto e sinto necessidade de procurar. O orgulho tolhe-me os passos e rebolo-me na angústia...

A fila é interminável. O Menino Jesus a todos acolhe, para todos sorri. Só se mostrou contrariado quando São José pediu às pessoas que deixassem descansar um bocadinho o Menino. José olha para o Pequeno e cala-se para Maria acrescentar: "O prazer deste Menino é estar no meio dos homens. Deixa-o estar que nós vamos estar com Ele também."

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