O
Jornal de Notícias de hoje, dia 14 de
abril, releva o caso do padre responsável de uma paróquia da diocese de Vila
Real que recusa batizar uma criança porque os padrinhos escolhidos pelos pais
são casados meramente pelo civil. Pelos vistos, qualquer um dos párocos a quem
recorreram, em outras paróquias, exige uma declaração de idoneidade para serem
padrinhos, passada pelo pároco da freguesia onde residem, no caso, a mesma dos
pais da criança.
Acresce
a estes factos, segundo o JN, a
informação de que a escolhida para madrinha, casada civilmente, está grávida e
teme também não poder batizar a sua criancinha. Não me referirei ao caso, já
que a admissão ao batismo em razão das condições da paternidade e da
maternidade é diferente da problemática ligada ao apadrinhamento. E aqui o Papa
Francisco assumiu, na solenidade da Epifania de 2014, um gesto que, sem o ser,
parecia inovador, pelo que deu brado na comunicação social em diversos cantos
do mundo – o que, na ocasião, comentei.
A
mãe da criança que os aludidos párocos não batizam, enviou esta semana uma
carta ao Papa Francisco a pedir ajuda, pois, como cristã, diz que tem “uma
palavra a dizer”. Além disso, os pais da criança a batizar alegam que o Papa
“apelou, há dias, a que os casais em união de facto e divorciados sejam ‘mais
integrados’ na Igreja” e lamentam a referida atitude dos ditos padres.
Penso
que se referem à publicação da exortação apostólica pós-sinodal Amoris Laetitia, a 8 de abril, embora o
Papa e os Sínodos já tivessem dado a conhecer ao mundo o seu pensamento sobre a
matéria. No entanto, se o documento papal configurasse uma nova legislação
canónica, ela só teria efeitos imperativos após a publicação. Por outro lado,
admito que os párocos ainda não tenham disposto de tempo suficiente para ler e
assimilar a orientação do novo documento papal. Ademais, o Papa diz
expressamente que não há aqui nova doutrina nem “uma nova normativa geral de
tipo canónico aplicável a todos os casos” (vd AL,300).
Mas isto refere-se ao caso dos
casados catolicamente que se divorciaram e ora são recasados civilmente. À
situação do casal vila-realense aplica-se a reflexão feita no n.º 294 da Al, em
que se encaram as uniões de facto e o casamento civil motivados não tanto por
oposição à doutrina da Igreja, mas por razões culturais, psicológicas e sociais.
Assim, cresce a onda cultural de que o casamento que vale e basta é o civil; os
jovens unem-se de facto ou casam civilmente por receio de compromisso com a
permanência matrimonial, pela espera de emprego estável ou pelo preconceito
social de que o casamento pela Igreja é visto como um luxo, comportando grandes
despesas e responsabilidades com a sociedade. Embora se aplique
subsidiariamente a reflexão do n.º 300, a exortação pós-sinodal recomenda,
antes de mais, a remediação do estado familiar, ou seja, tentar que a situação
seja encarada como oportunidade de acompanhamento com vista à “sua evolução
para o sacramento do matrimónio” (vd AL,293).
E toda a postura do capítulo
VIII, designadamente o n.º 299 e seguintes, impõe um processo de acompanhamento,
discernimento e integração nem sempre breve, em diálogo reflexivo entre
pastores e fiéis.
Além
disso, o Pontífice é claro ao enunciar, para da lá da misericórdia gratuita,
mas imerecida:
“Obviamente, se alguém
ostenta um pecado objetivo como se fizesse parte do ideal cristão ou quer impor
algo diferente do que a Igreja ensina, não pode pretender dar catequese ou
pregar e, neste sentido, há algo que o separa da comunidade (cf
Mt 18,17).
Precisa de voltar a ouvir o anúncio do Evangelho e o convite à conversão.
***
Mas
vejamos o que estipula o código de Direito Canónico sobre a matéria de
apadrinhamento do Batismo. Este documento fundamental da estrutura eclesiástica
dedica ao caso três cânones, que se transcrevem
“Cân. 872 – Dê-se, quanto possível, ao
batizando um padrinho, cuja missão é assistir na iniciação cristã ao adulto
baptizando, e, conjuntamente com os pais, apresentar ao baptismo a criança a
batizar e esforçar-se por que o batizado viva uma vida cristã consentânea com o
batismo e cumpra fielmente as obrigações que lhe são inerentes.
Cân. 873 – Haja
um só padrinho ou uma só madrinha, ou então um padrinho e uma madrinha.
Cân. 874 – § 1.
Para alguém poder assumir o múnus de padrinho requer-se que:
1.° Seja
designado pelo próprio baptizando ou pelos pais ou por quem faz as vezes destes
ou, na falta deles, pelo pároco ou ministro, e possua aptidão e intenção de
desempenhar este múnus;
2.° Tenha
completado dezasseis anos de idade, a não ser que outra idade tenha sido
determinada pelo Bispo diocesano, ou ao pároco ou ao ministro por justa causa
pareça dever admitir-se exceção;
3 ° Seja
católico, confirmado e já tenha recebido a santíssima Eucaristia, e leve uma
vida consentânea com a fé e o múnus que vai desempenhar;
4.° Não esteja
abrangido por nenhuma pena canónica legitimamente aplicada ou declarada;
5.° Não seja o
pai ou a mãe do baptizando.
§ 2. O batizado
pertencente a uma comunidade eclesial não católica só se admita juntamente com
um padrinho católico e apenas como testemunha do batismo.
O que está em causa na informação
do JN são os n.os 3.º e
4.º do parágrafo § 1 do cânone 874. Segundo o pensamento do Papa, do Sínodo e
agora da AL, os casados meramente pelo civil e os divorciados e recasados
civilmente não estão abrangidos por qualquer pena legitimamente aplicada ou
declarada. E “não só não devem sentir-se excomungados, mas podem viver e maturar
como membros vivos da Igreja” (vd AL,299).
Um bispo de umas das dioceses de
Portugal, tendo em conta que não é obrigatório haver padrinhos de Batismo –
veja-se que o cânone 872 estabelece que se dê, quanto possível, ao batizado um
padrinho – recomendou que não se exponham estas pessoas à rejeição.
Admitindo-as como testemunhas, aplicando por analogia o estatuído no parágrafo §
2 do cânone 874.
Repito-me ao dizer que os pais
são o que são e como são, mas os padrinhos são objeto de escolha e a escolha
deve, em tese, recair em pessoas que, mais do que pela letra do cânone 874,
estejam formatadas com as condições do cânone 872, ou seja, a capacidade de
cumprir a missão educativa em relação ao batizado e ao estímulo à sua vivência
em consonância com as exigências do batismo. E pergunto-me porque é que
normalmente se põe objeção apenas aos casados civilmente e divorciados
recasados. Serão apenas estes quem não leva “uma vida consentânea com a fé e o
múnus que vai desempenhar”? Além disso, têm os bispos procurado ter os fiéis
capacitados para o cumprimento da condição de serem confirmados quando são
candidatos a padrinhos? Ou a condição de confirmado será uma simples figura de
adorno canónico?
***
Se os sagrados cânones estabelecem
que haja um padrinho ou uma madrinha ou um padrinho e uma madrinha, como é que
se faz tanta questão em que haja sempre dois? É óbvio que todos sabem
responder. É que, o mais das vezes, os padrinhos são escolhidos, não em razão
da responsabilidade batismal, mas em função da amizade, obrigação social e
prestígio de quem é convidado e de quem convida. Abrenúncio do negócio que se
mete tanto com a religião!
Por isso, já vi dois rapazes ou
varões a servirem de padrinhos, sendo que o ministro do sacramento decidiu, em
conformidade com a informação que lhes prestou, que o segundo que fora indicado
figuraria nos livros como testemunha. Já vi batismo ministrado com dois
padrinhos e duas madrinhas, sendo que um casal era casado civilmente. Já vi
batismo ministrado com padrinho e madrinha casados catolicamente, mas não um
com o outro (um com o outro eram casados civilmente). Já vi batismo em que a
madrinha era bruxa profissional. Já vi batismo com padrinho e madrinha, unidos
de facto, que não declararam a situação. Já vi batismo em que o pároco rejeitou
s padrinhos, mas outro os aceitou. Já vi batismo em que padrinho e madrinha
viviam em união de facto, mas não um com o outro.
A razão social torna-se tão
marcante que a nossa legislação prevê a figura do apadrinhamento civil para o
caso daqueles e daquelas que não são batizados. Aliás, as testemunhas do
matrimónio, que são, pelo menos duas, são habitualmente tratadas por padrinhos.
***
Por outro lado e de acordo com
informação do JN, a mãe da criança
teme ter de abandonar a Igreja. Porquê? A fé será assim tanta ou tão pouca que
cede ao amuo, que aqui parece vir a tornar-se instrumento de retaliação contra
a Igreja, porque homens da Igreja se limitam a cumprir a lei esquecendo-se da
misericórdia? Ser padrinho e/ou madrinha, em vez de serviço eclesial e familiar
que implica deveres, constitui-se em direito de alguém e moeda de troca, com
base em que doutrina ou misericórdia? Evidentemente, que a Igreja é para todos,
mas sê-lo-á para tudo, nomeadamente para satisfação de caprichos pessoais e/ou
sociais?
Por fim, não contesto o direito
de escrever ao Papa. Penso que o Papa fará bem em responder. Porém, tudo
depende do teor da resposta, que eu queria ver publicada. Embora saiba que o
Romano Pontífice tem jurisdição sobre toda a Igreja e sobre o território em que
ela vive, não creio que, embora manifeste compreensão e afeto, formule
instruções num caso concreto ultrapassando ou desautorizando os párocos e o
bispo diocesano. Caso contrário, seria motivo para perguntar como o semanário O
Diabo, na sua mais recente edição, Também
tu, Francisco? – a propósito da eliminação da utilização da língua
portuguesa na Congregação para as Causas dos Santos.
2016.04.14
– Louro de Carvalho
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