terça-feira, 24 de novembro de 2009

"Incrédulos e chocados"

Tem 26 anos e fora ordenado padre há 16 meses. Paroquiava umas freguesias no concelho de Celorico de Basto, Arquidiocese de Braga. Segundo o Correio da Manhã, terá fugido para Espanha com uma moça de 18 anos feitos.
Ainda segundo aquele jornal, foram em vão todas as tentativas do Arcebispo para o demover e o ajudar a pensar. "Não quis ouvir conselhos", diz aquele diário, citando fontes arquideocesanas.
Testemunhas ouvidas pelo Correio da Manhã apresentam-no como "pouco falador", "muito organizado e muito exigente."

Não foi, não é e certamente não será o único padre a abandonar o serviço sacerdotal. Nem todos o fazem pela mesma razão. Questões amorosas, cansaço, desilusão, incompreensão, solidão, problemas de fé ... são alguns dos motivos, sozinhos ou acompanhados, que provocam o abandono.
Nem todos os que abandonam são felizes. Um ou outro veio a pedir mesmo o reingresso. Muitos destes, mesmo infelizes, não voltam. Ou por causa dos filhos, ou por vergonha, ou... Sei pelo testemunho de bastantes, que carregam pela vida fora, como uma cruz, a decisão tomada.

Li com atenção os comentários dos leitores à notícia que o citado jornal publicou. Alguns, felizmente poucos, serviram-se desta facto para vomitaram cá para fora o fel anti-clerical que os possui. A maioria fica-se pela questão do celibato que é para eles o grande mal da Igreja. Há ainda quem condene a atitude do padre, porque, ao pedir a ordenação, sabia que tinha que ser celibatário. Existe um leque de comentadores que expressa votos de felicidade ao casal.

"Incrédulos e chocados." É assim que o jornal apresenta o estado de espírito das pessoas daquelas terras. Compreendo.
Mas não é assim que muitos padres se sentem? Incrédulos e chocados com a falta de apoio, de aceitação, de humanidade, de colaboração de tantos e tantos paroquianos???
Muitos paroquianos só se lembram do padre para funerais, casamentos, baptismos ou quando dele precisam. O padre, como celibatário, é família de todas as famílias. Cada família de uma paróquia considera o seu pároco como elemento da sua família?
Penso que o que importa mesmo é que muitos cristãos se sintam incrédulos e chocados com eles mesmos pela forma como tratam o seu padre. Indiferença, falta de acolhimento activo, preocupação com ele, falta de corresponsabilidade, de acção apostólica, de perserverança nos compromissos.
Incrédulos e chocados com tanta má-língua que destilam contra o padre, por tão pouco que rezam por ele, por o "obrigarem" a desempenhar tarefas que pertencem especialmente aos leigos, pela aversão à formação, pelo apego fundamentalista a tradições...

Por último, permitam-me que repita aquilo que deveria ser o bi-a- de cada cristão. Os homens e mulheres têm sempre a possibilidade de nos desiludir. Só Cristo NUNCA desilude. Então sejamos cristãos e que nada nos afaste do amor de Cristo.

4 comentários:

  1. Não retiro uma virgula áquilo que aqui escreveu. É lamentável a indiferença que certos paroquianos têm pelo seu pároco.

    ResponderEliminar
  2. Parabéns pelo texto, Sr.Padre Carlos.
    Lúcido e cheio de bom senso. Vê-se que saíu do coração de quem conhece a vida e as fraquezas e anseios do homem.
    A paz e o amor de Jesus e Maria.

    Evágrio Pôntico

    ResponderEliminar
  3. Um texto com sentido e que faz sentido.

    Parece-me que se vive nas Paróquias muitas vezes um circulo sem fim.

    Os sacerdotes demasiado ocupados com bastante mais do que o atendimento ao rebanho, (não por sua culpa, a maior parte das vezes), e um rebanho que procura o sacerdote quando precisa, mais para a sua vida social, do que espiritual.

    Claro que o sacerdote que escolheu servir uma "nova" família precisa do apoio dessa família para se sentir acompanhado e amado.

    E essa "nova" família precisa do sacerdote para sentir que o caminho lhe vai sendo mostrado no dia a dia.

    Quando estas coisas falham, a humanidade fraca toma muitas vezes conta da vida de cada um.

    Mais do que qualquer outra coisa rezemos pelo padre e pela rapariga, para que o Senhor os ilumine e ajude a procurarem e encontrarem a Sua vontade.

    Abraço em Cristo

    ResponderEliminar
  4. Um bom assunto sobre o qual não consigo opinar em apenas palavras...preciso sempre de gestos, de olhos, de rosto à minha frente que me ajude a reflectir, que saiba ou não responder às minhas questões, que no fundo ajude a coordenar o discurso e a fazê-lo perceptivelmente e sem equívocos! Um dia destes sentamo-nos para o discutir agradavelmente! :) Sr. Padre Carlos, terminou a sua postagem com muita excelência! Obrigada!

    Beijinho

    ResponderEliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.