domingo, 3 de agosto de 2008

Parábolas refrescantes para esta quente semana de Agosto

E o profeta continuava a gritar...
Certo dia chegou um profeta a uma cidade, e começou a gritar, em plena praça, que era preciso inverter a marcha do país. O profeta gritava, gritava, e uma considerável multidão acudiu a escutá-lo, mais por curiosidade do que por interesse. O profeta punha toda a sua alma nas palavras, exigindo a mudança dos costumes. Mas os dias passavam, e eram cada vez menos os curiosos que rodeavam o profeta. Nem uma só pessoa parecia disposta a mudar de vida. O profeta, porém, não desanimava, e continuava a clamar. Até que um dia já ninguém ficou na praça a escutá-lo. Passavam os dias. O profeta continuava a gritar. Ninguém o escutava. Por fim, alguém se aproximou e lhe perguntou:
- Porque é que continua a gritar? Não vê que ninguém está disposto a mudar?
“Continuo a gritar — respondeu o profeta — porque, se eu me calasse, eles me teriam mudado a mim”.

A moral desta parábola parece-me bastante simples e muito oportuna: não devemos trabalhar porque esperamos que vamos conseguir um fruto, mas porque é o nosso dever, porque acreditamos no que estamos a dizer. Como é evidente, todo aquele que proclama uma ideia o faz para que ela penetre nos seus ouvintes: mas aquele que desanima porque os seus pensamentos não são ouvidos ou seguidos, é porque não tem fé suficiente no que pensa e no que faz. A utilidade, o puro fruto, não pode ser o único critério das nossas acções. E sobretudo se esses frutos se esperam no imediato, já estamos a preparar o desalento. Mudar o mundo é, além disso, muito difícil. Quase impossível. E por isso, o semeador não costuma chegar a ver o fruto da sementeira, porque no mundo as mudanças de tudo o que é acidental são rápidas ao passo que os corações mudam com travão e por vezes com marcha-atrás. Isto o pode entender todo aquele que contemple de olhos abertos quão lentamente muda o seu coração, quanto nos custa a todos evoluir, e quão devagar cresce em nós a maturidade e a paz da alma. Mas nada disto detém o verdadeiro profeta ou o autêntico trabalhador. Não se é autêntico nem verdadeiro, se não se é obstinado e paciente.

O velho Bayacid
O velho sufi Bayacid, diz-se — contava aos seus discípulos: “Quando eu era jovem, era revolucionário, e a minha oração consistia em dizer a Deus: “Dai-me força para mudar o mundo”. Mais tarde, à medida que fui ficando adulto, dei-me conta de que não tinha mudado uma só alma. Então a minha oração começou a ser: “Senhor, dai-me a graça de transformar os que estão em contacto comigo, ainda que seja só a minha família”. E agora, que sou velho, começo a entender como fui estúpido. E a minha única oração é esta: “Senhor, dai-me a graça de me mudar a mim mesmo”. Penso que se tivesse rezado assim desde o princípio não teria malbaratado a minha vida”.

Esta segunda parábola nem precisa de comentário. Talvez, de reafirmação. É que este mundo está cheio de reformadores que nem sequer começaram por reformar-se a si mesmos. Como ser pacifista, se não se respira paz? Como falar de liberdade, se não se é espiritualmente livre? Como pregar o amor, se não se ama? Que sentido tem exigir justiça com palavras agressivas e injustas? Como esperar respeito dos filhos, se não os respeitamos? Como exigir dos pais, quando não somos exigentes connosco mesmos? Receio que muitas das nossas petições de mudança do mundo não passem de um alibi para disfarçar o nosso fracasso na hora de nos mudarmos a nós mesmos, e que uma alta percentagem das acusações de desonestidade que fazemos aos outros não passe de um auto-engano para não nos olharmos no espelho da nossa própria desonestidade. Além disso a única maneira de mudarmos os que nos rodeiam é conseguir que a nossa mudança irradie. Um homem em paz consigo mesmo não precisa de falar de alegria, porque a revelará em todas as suas palavras. Um ser humano com verdadeira fé nas suas ideias pregá-las-á sem abrir os lábios, simplesmente vivendo.É claro que é óptimo que nos preocupemos com a transformação do mundo. Contanto que não seja uma desculpa para nos dispensarmos de cultivar o nosso próprio jardim. Porque no dia em que o nosso jardim melhorar, já o mundo terá começado a ser melhor.
In Razões para o amor

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.