quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Às quartas-feiras, milagre

Naquela tarde, o amigo Jacinto perguntou a Gabriela um dos pequenos personagens dum romance de Gerard Bessiere:
— Que fizeste hoje na escola?
Fiz um milagre — respondeu a menina.
— Um milagre, como?
— Foi na Catequese.
— E como fizeste o milagre?
— A nossa professora é uma jovem que está muito doente. Não pode fazer nada sozinha: só falar e rir.
— E que aconteceu?
— A Catequista falava dos milagres de Jesus. E os meninos disseram: não é verdade que haja milagres, porque, se os houvesse, Deus já te teria curado a ti.
— E ela que disse?
Disse: sim, Deus também faz milagres para mim. E os meninos disseram: que milagres faz?
— E depois?
— Depois, ela disse: o meu milagre sois vós. Porquê? perguntámos-lhe. E ela disse: porque às quartas-feiras me levais a passear, empurrando o meu carrinho de rodas. Vês? Fazemos milagres todas as quartas-feiras à tarde. Ela disse também que haveria muitos mais milagres, se a gente quisesse fazê-los.
— Tu gostas de fazer milagres?
— Sim. Tenho vontade de fazer muitos. Primeiro, pequenos. Quando for maior, vou fazer milagres grandes.
— Todas as quartas-feiras?
— Quero fazê-los todos os dias, toda a vida.
— Não te parece que a vida é também um milagre?
— Não — disse Gabriela —. A vida é para fazer milagres.
Gabriela tem razão, a vida é para fazer milagres, quartas, quintas e domingos. A vida não é para nos sentarmos à espera de que Deus faça milagres espectaculares; não é para nos limitarmos a confiar que Ele resolva os nossos problemas; mas, sim, para começarmos a fazer esse milagre pequenino que Ele pôs já nas nossas mãos — o milagre de nos querermos bem e de nos ajudarmos uns aos outros. Que será mais milagroso; restituir a vista a um cego, ou a felicidade a um amargurado? Mais prodigioso multiplicar os pães, ou reparti-los bem? Mais assombroso transformar a água em vinho, ou o egoísmo em fraternidade? Se os homens se dedicassem a construir milagres pequeninos metade do tempo que gastam a sonhar com os espectaculares, certamente o mundo caminharia já muito melhor.
E o milagre de amar, todos o podem fazer, pequenos e grandes, pobres e ricos, sãos e doentes. Fixai bem isto: podem privar um homem de tudo, menos da sua capacidade de amar. Um homem pode sofrer um acidente e nunca mais poder andar. Mas não há nenhum acidente que nos impeça de amar. Um doente mantém íntegra a sua capacidade de amar: pode amar o paralítico, o moribundo, o condenado à morte. Amar é uma capacidade inseparável da alma humana, que mesmo o mais miserável dos homens conservará.
Só no inferno não se poderá amar. Porque o inferno é isso mesmo: não amar, não ter nada a partilhar, não ter a possibilidade de se sentar junto de alguém para lhe dizer: ânimo!
Mas enquanto vivemos não há cadeia que maniete o coração, salvo, claro está, a do próprio egoísmo, que é como uma antecipação do inferno. “Os verdadeiros criminosos — dizia Follereausão os que passam a vida a dizer eu e sempre eu”.
Ao contrário, onde se ama, já se começou a construir o céu a golpes de milagres. Em definitivo, os milagres, para Jesus, eram antes de tudo “os sinais do reino”. E que melhor sinal de um reino de amor que começar a querer-nos bem aqui, com amores pequeninos como o da Gabriela e suas companheiras de escola?!
In Razões para o amor

4 comentários:

  1. * * *
    Reverendo Senhor
    Padre Carlos Lopes

    Gostaria muito de fazer sempre "milagres pequeninos" como os da Gabriela do artigo corrente.
    Não tanto por serem pequenos ou triviais, quase insignificantes em si mesmos, mas por serem feitos por dever de consciência, com amor e perseveança.
    Porém, quando sou egoísta, pensando mais em mim do que nos outros, preocupando-me mais com os meus direitos e interesses, em detrimento dos direitos e carências alheios, aqui fico então pesaroso, com escrúpulos de consciência, como quem abusa gulosamente da alimentação do corpo em prejuízo da saúde física e espiritual, e em detrimento de todos aqueles que têm realmente fome.
    E isto mesmo, como tudo o mais, tem a sua razão lógica e moral, como por exemplo:

    - Na Família: Se tratamos melhor os estranhos do que os parentes mais próximos (ainda que estes sejam rebeldes ou ingratos), logo sentimos remorsos...
    - Na Escola: Se os professores zelam mais pelos seus interesses do que pelos direitos dos alunos (ou se estes são ingratos com os seus docentes), logo...
    - Na Sociedade: Se nos preocupamos mais com as necessiades dos animais, ou do meio ambiente, do que com as necessidades básicas das pessoas em geral, logo...
    - Na Igreja: Se zelamos mais, ou mostramos mais diligência, pelos pecadores rebeldes e renitentes, do que pelos fiéis respeitadores e carentes, logo...
    - Na Política: Se os governantes dão preferência aos seus interesses pessoais e egoístas, em prejuízo dos direitos e necessidades do povo que os elegeu ou que neles confia, logo...
    - Na Blogosfera: Se o responsável do blogue dá mais atenção e ajuda aos adversários ou indiferentes, em prejuízo dos amigos ou apoiantes, logo...
    - Etc/etc...

    Como vêem, não só das pequeninas coisas, mas também da rectidão e perfeição das mesmas, a partir da nossa integridade, sensatez e moralidade, se fazem grandes coisas, grandes e autênticos milagres, sobretudo se procurarmos agir, tanto quanto possível, com prudência e justeza, com persistência e perseverança, por amor de Deus e do próximo.
    Efectivamente, quem não pode fazer muito, faça pouco, mas faça tudo o que estiver ao seu alcance, com o máximo esmero e justiça.
    Infelizmente, não é o que vemos por aí, em quase todos os sectores, pois cada qual tenta servir-se o mais e melhor que pode, em franco detrimento dos demais, inclusivamente dos que mais precisam, ou dos que têm mais direitos...
    Até mesmo na Igreja Católica Apostólica Romana, salvo raras e honrosas excepções!

    Ai, se N. S. Jesus Cristo viesse agora à Terra, acusaria e condenaria muitíssimo mais os falsos cristãos e maus católicos do que os verdadeiros judeus, ex-fariseus e doutores da lei!
    Sim, porque agora, os novos doutores da lei e fariseus são os maus teólogos, que proliferam como a erva daninha, sobretudo os teologo-filósofos, os católicos relativistas e rebeldes, etc!...

    + Louvado seja N. S. Jesus Cristo... e Sua Mãe Maria Santíssima!

    Cordiais sudações cristãs para si em particular, amigo e senhor Padre, e para todos em geral, com Jesus e por Maria.
    J. Mariano
    ~

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  2. Estimado colega e Amigo :
    Confesso que há já muito tempo que não visitava a sua simpática "página" na Internet. Normalmente, a desculpa habitual é o "não ter tempo", mas a verdade é que sempre vou arranjando tempo para visitar outras páginas e, se calhar, algumas não tão edificantes como a sua.
    Gostei muito de ler alguns dos contos / lições de vida que apresenta, mas muito particularmente este. De facto, a minha atenção prendeu-se na seguinte citação : "Se os homens se dedicassem a construir milagres pequeninos metade do tempo que gastam a sonhar com os espectaculares, certamente o mundo caminharia já muito melhor.". Como é bem verdade isto ! Até para fazermos "milagres" procuramos a espectacularidade propiciadora de alguns momentos de fama enganadores e efémeros !...
    Esta citação tocou-me também bastante porque, se virmos bem, na nossa profissão todos os dias poderemos fazer milagres. Com efeito, o professor é um agente privilegiado na capacidade de "fazer milagres" : educa, intrui, aconselha, avisa, ralha e busca permanentemente a sabedoria para que, quando as circunstâncias o impõem, possa fazer o grande milagre de formar consciências e cidadãos actuantes no mundo que nos rodeia.
    Mas, mal de mim, tantas vezes ou porque o egoísmo me assalta, ou porque a preguiça me domina momentâneamente, ou ainda porque as "instâncias superiores" assim o não entendem, a minha capacidade de fazer milagres fica pura e simplesmente esquecida.
    Estou certo que,após ter lido este texto, futuramente lembrar-me-ei mais frequentemente destes pequenos milagres que posso fazer no dia-a-dia, os quais, nada custando, me dignificam como cristão e contribuem, ainda que imperceptivelmente, para a felicidade daqueles que no seio da família, na escola ou na comunidade, podem de alguma forma depender desses ditos "milagres" que eu possa fazer.
    Um abraço do Amigo ao dispor
    Paulo Almeida

    P.S. O meu filho mais velho é um catequista empenhado e, para além disso, é também o responsável distrital pelo sector das crianças no Movimento da Mensagem de Fátima. Para nossa especial satisfação gosta de fazer tudo o que o possa elevar como cristão sempre disponível para os outros e, não raras vezes, sinto-me um tanto envergonhado e diminuído perante a minha pequenez face à grandiosidade da sua disponibilidade para Jesus e Nossa Senhora bem patente na sua entrega aos outros. Tem também uma página na Internet ( www.grupodosamigosdejesus.blogspot.com ) só que, infelizmente, também é pouco visitada e nada comentada. Rogo-lhe pois, o favor de a visitar e, se possível, deixar algum comentário que lhe pareça pertinente. Bem-haja.

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  3. * * *
    Caro Amigo Paulo Almeida

    Embora esteja ciente que o seu comentário não se dirigia à minha pessoa, nem sequer concretamente à minha mensagem, aqui estou para dirigir-lhe algumas palavras que julguei oportunas:

    a) Visitei e gostei muito do blogue do seu filho, o Alexandre (salvo erro).
    Oportunamente, escreverei uma ou outra mensagem no seu blogue (dele), pelo que passo a lincá-lo no blogue "Nova Evangelização Católica".

    b) Dê muitas graças a Deus por ter um filho assim, e oxalá que para todo o sempre...
    Digo isto, porque também tenho uma filha que foi catequista durante 10 (dez) anos, mas que, devido a más companhias na escola e na universidade (não encontro outro motivo pior), deixou tudo isso e agora, um ou dois anos depois, até deixou de praticar minimamente (não indo à Missa!), com profundo desgosto meu, preocupando-se apenas com prazeres e vaidades..
    Peço a Deus a sua conversão.

    c) Portanto, apoie e aconselhe o seu filho, o mais e melhor que puder, inclusivamente através das suas orações e bons exemplos - que nada é demais -, e certamente Deus fará o resto.

    d) Para Deus fazer grandes milagres na nossa vida, na nossa família e na nossa sociedade, temos de fazer pequeninos milagres, que apenas dependem de nós, na nossa vida, família e sociedade, tanto quanto possível.

    e) Tudo o que semearmos, de bem ou de mal, isso mesmo, mais tarde ou mais cedo, viremos a colher.
    Deus queira que seja muito mais trigo do que joio, se em todo o caso não puder ser só puro trigo, isto é, só o bem, só a virtude, só as boas-obras, por mais que nos custe.

    f) O seu filho Alexandre poderá ler, por exemplo, o último artigo (1ª parte) publicado no blogue da minha responsabilidade (supracitado), que trata também do que os catequistas devem saber sobre a melhor forma de ensinar a catequese e fazer apostolado, assim como em relação aos professores de Religião e Moral católicas.

    g) Ele que não desanime pelo facto de ter poucos ou nenhuns comentários, poucos ou nenhuns apoios, pois também já passei por tudo isso, e em parte ainda estou passando (após três longos e difíceis anos), na medida em que já quase ninguém, infeliz e lamentavelmente, liga à nova Evangelização, à Catequese e à Educação Moral e Religiosa (e cada vez menos!), ao contrário do que tanto nos tem pedido o Santo Padre Bento XVI, assim como já tanto nos pedia João Paulo II.

    h) O seu filho que persista e invista, não só no seu blogue, como ainda, se viável, nos bons blogues alheios (que infelizmente são cada vez menos!), ainda que nestes também não haja respostas (como também acontece comigo, lamentavelmente); porém, fica lá sempre uma pequenina semente, o 'grão de mostarda', por mais invisível ou insignificante que pareça, o tal pequenino milagre.

    i) Tantas vezes - comigo também - ninguém liga, aparentemente, às nossas rectas e boas palavras (pelo menos quanto à intenção), sobretudo na medida em que a maioria das pessoas, inclusivamente as que se dizem católicas, e até mesmos algumas das mais responsáveis na Igreja, ficam sempre desconfiadas, passivas ou perplexas, ou quase só gostam de falar de frivolidades e bagatelas - quando não nos interpretam mal, fazendo por vezes críticas negativas, rebeldes e injustas! -, dando mais valor aos bens materiais e temporais do que aos espirituais e eternos...!?

    + DEUS ACIMA DE TUDO !

    Cordiais saudações cristãs, para si, seu filho e restante família, em Jesus e por Maria.
    J. Mariano

    * * *

    P.S.: Senhor Pe. Carlos Lopes, permita-me dar-lhe um sugestão, ou pedir-lhe um favor (se viável):
    Poderia aumentar um pouco (para o grau imediato), se não lhe fizer diferença e se maioria estiver de acordo, o tamanho da letra -- no acto da edição, o que é quase automático, ou poderá ser mesmo automático (dir-lhe-ei como) --, ou, alternativamente, se preferirem, em formato bold/negrito, a fim de poder-se ler melhor?
    E que tal mudar também o fundo negro de breu para, por exemplo, azul escuro?
    Respeitosos e afectuosos cumprimentos; obrigado pela atenção dispensada.
    :)

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  4. Amigos:

    De facto é a sociedade que temos. Quando se entra num sítio internauta que fala de futebol, por exemplo, os comentários são como cogumelos.Eu sei porque também visito esses sítios futeboleiros. Imago o que acontece nos sítios que abordem temáticas de índole sexual, de moda, de jet-set,cuscovilhice ... Não os visito, mas não é difícil de prever o que por lá se comenta.
    Mesmo nas nossas terras, um site que queira abrir as portas à "má língua", meu Deus! Comentadores não faltam! Mas os sítios que se batem por valores, apelam à reflexão e interiorização ... esses, salvo raras excepções, são muito pouco comentados. Mesmo quando bastante visitados...É o povo que somos.
    O importante é semear. Colher só pertence a UM! E Esse sabe o que faz.
    Parabéns, Amigo Paulo, pelo blog de seu filho. Já passei por lá, já escrevi e gostei. São jovens assim que nos animam ainda mais e nos dizem que o futuro tem sentido.
    Senhor J. Mariano, obrigado pela visita e pela sugestão. Vou procurar rever o problema da letra para seja mais acessível. Quanto ao fundo negro, é uma opção pessoal e tem a ver com os meus gostos.
    Rezarei pela sua filha a quem, estou certo, não falta o apoio e a palavra da verdade na caridade que o senhor lhe transmite. Será certamente apenas uma fase mais crítica. Vai passar, volente Deo!

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