Eu acho a lotaria estupenda, entendida como jogo. Quem não sonhou, na segunda quinzena de Dezembro, com todas as coisas bonitas que iria fazer com a sorte grande? Quem não sonhou já com as coisas maravilhosas que faria caso saísse o euromilhões?
O preocupante é o sonho convertido em febre, ou confundir a esperança com a sorte. Ou, o que é pior, mergulhar nas lotarias do dinheiro, e esquecer todas as demais lotarias com prémios muito mais suculentos e seguros.
A lotaria de viver, por exemplo. Saiu-nos a todos desde o dia em que a bola da existência caiu sobre nós. Viver bem é estupendo; mas eu acho ainda mais estupendo o simples facto de viver. No dia do nosso nascimento saiu-nos a “sorte grande”, saímos da pobreza absoluta do nada, entrámos na maravilha do tempo e do sangue. Absurdo é haver gente que gira pelo mundo sem se ter dado ao trabalho de consultar a lista dessa lotaria de viver, para verificar que está lá o seu nome.
A lotaria de amar é ainda mais fecunda, e tem prémio duplo: a possibilidade de amar e a de ser amado. Quem saberia dizer qual dos dois é o maior? Nesta lotaria nem é preciso comprar bilhete: basta ter coração, e não o deixar endurecer demasiado pelo egoísmo. É um sorteio com muitas pequenas alegrias que, além disso, saem em todos os números.
A lotaria da esperança é um pouco mais ladeira acima. Para jogar nela temos de ter os olhos limpos e alguns quilos de coragem perante a adversidade. Mas está também ao alcance de todos. Em geral esta lotaria não distribui prémios grandes; tem de ganhar-se cada dia, com pequenas aproximações que dão para continuar a comprar esperanças para o dia seguinte.
Vem depois a lotaria do acreditar. Acreditar, se for possível, em alguém. Ou, pelo menos, em algo que, se for límpido, leva a acreditar nesse Alguém, que eu escrevo com maiúscula. Esta lotaria não se compra.É um dom. Mas um dom oferecido a todo aquele que o busca com boa vontade. Essa é que é uma boa “sorte grande”. Não resolve os problemas. Mas dá força para os resolver.
Todas estas lotarias estão aí à disposição de toda a gente. E saem a todos os que jogam. Oferecem-se a ricos e pobres, mais aos pobres do que aos que se rebolam em riqueza.
O que espanta é que não haja filas nas agências de recolha.
Post fabuloso!
ResponderEliminarPara reflectir nestes dias de férias e fazer durar ao longo do ano!
Obrigada!
Apareça sempre!
ResponderEliminarObrigado pelo apoio.
Muita paz!