sábado, 19 de setembro de 2015

À Sombra do castanheiro


Tio Ambrósio e o Carlos, amigos de longa data, conversam animadamente, desta vez sobre eleições, ir ou não ir votar, deputados que os eleitores não conhecem, ordenados dos políticos, sentido do bem comum, autarcas que são referência...
Uma conversa que, com a devida vénia, transcrevo de O Amigo do Povo


– Eu não vejo o pessoal do Cabeço com muita vontade de ir exercer o seu direito de cidadania nas eleições que aí temos à porta. Mas o Tio Ambrósio, é certo e sabido que não vai ficar em casa...
– E tu também não, Carlos!
– Para lhe ser sincero, à última hora acabo sempre por ir. Mas, conversando com o Sanguessuga, já me deu vontade de, desta vez, engrossar as fileiras do maior partido português, que é o partido dos abstencionistas...
– Não te deixes levar nessa cantiga, Carlos.' Eu sei que todos estes processos eleitorais enfermam de diversos defeitos, uns maiores e outros mais pequenos. Mas, enquanto não mudar o sistema, eu continuo a ir votar, depois de procurar informar-me detalhadamente sobre os programas que cada partido apresenta ao eleitorado. E não penses que eu me vou deixar influenciar pelos lindos olhos de ninguém. Tanto eu como tu (como a maioria dos portugueses votantes) somos cidadãos adultos que sabemos muito bem o que queremos, onde estamos epara onde devemos ir...
– Eu não estou assim tão certo de todas essas coisas. O tio Ambrósio acaba de dizer que este sistema enferma de diversos defeitos. Um deles, para mim, é o de nos apresentarem esta ou aquela figura bem conhecida de toda a gente como cabeça de lista e, depois, passados três ou quatro dias, aparecerem no Parlamento outras pessoas totalmente diferentes que, daquela matéria, percebem menos do que eu de lagares de azeite.
– Não é fácil dar solução a esse problema. Mas estou de acordo contigo, porque os cidadãos sentem-se enganados logo a partir da primeira hora. De facto, embora raros, nós temos alguns homens e algumas mulheres com capacidades para governarem o país, para fazerem leis que sirvam os verdadeiros interesses dos cidadãos. E nós vamos atrás dessas figuras de cartaz...
– E depois o que acontece, Tio Ambrósio? E que esses maiorais acabam por nunca exercer as funções de deputados do povo. Os do partido que ganhar as eleições escolhem logo os mais conhecidos para o Governo, sendo substituídos na Assembleia por segundas figuras, habitualmente jovens ambiciosos, mas sem preparação nenhuma para o lugar que vão ocupar. E por isso que muitos dos mais novos aderem às juventudes partidárias. Não têm nenhuma preparação profissional, nem fazem a mínima ideia de quais sejam os reais problemas dos cidadãos, e são esses que vão tomar as grandes decisões que nos interessam a todos. Ou seja, cá no meu entender acabamos por ter como representantes do povo uma cambada de incompetentes...
– Incompetentes e ambiciosos, Carlos.' Mas, por mais que eu pense nessas coisas, penso que não há volta a dar-lhe.
– Mas será que num país como o nosso não haverá um grupo de pessoas qualificadas para assumirem o governo da nação?
– Há, Carlos! Temos muita gente com mais que capacidades para exercerem os cargos mais importantes na direcção dos destinos do povo português. O que acontece é que lhes falta a disposição para se colocarem ao serviço dos outros. Quem é capaz de dirigir bem uma empresa privada, também podia fazer o mesmo numa empresa pública. Só que as remunerações, apesar de nós pensarmos que os que exercem cargos púbicos ganham chorudos ordenados, são muito diferentes. Há gestores de empresas, como tu sabes, que ganham dezenas ou centenas de milhar de euros por mês, Carlos! Ou seja: auferem vencimentos muito maiores do que os dos ministros e até do Presidente da República.
– Quer dizer que, mais uma vez, se trata de um problema de dinheiro...
- Sem tirar nem pôr, Carlos! Um desses grandes, e com capacidades, pensa assim: então eu vou ficar a servir o povo ganhando setenta ou oitenta mil euros por ano, de que desconto metade para o Estado, se posso auferir de milhão e meio por ano, arranjando sempre algum esquema para fugir, pelo menos em grande parte, ao fisco? Não! Eu sou burro, mas não sou parvo, como diz o nosso povo!
– Quer dizer que este gravíssimo problema só se resolve se houver alguém com competência, mas que, por amor à arraia miúda, se disponha a ganhar pouco e a servir muito.
– E isso, Carlos! Tem de haver quem faça do serviço público um verdadeiro sacerdócio, sem ambições, mas revelando espírito de sacrifício, e sabendo que a ajuda prestada aos mais fracos é própria dos homens e das mulheres nobres e grandes. Grandes não pelas suas riquezas, mas pela atitude altruísta de colocar, acima de tudo, o bem comum.
– Enquanto cada um continuar a olhar só para o seu umbigo, não me parece que isso venha a ser possível...
– Não podemos ser pessimistas, Carlos! Nós, cá na nossa freguesia, temos dois bons exemplos de homens que sempre estiveram, de alma e coração, ao serviço do povo, não se servindo disso para aumentarem as suas riquezas materiais. O nosso anterior presidente da Junta, o Manuel Lopes, manteve-se por mais de vinte anos nesse cargo, auferindo, e só nos últimos anos, tuta e meia.
– E o outro é o actual presidente, o nosso comum amigo Liberato, que tudo o que recebe das suas funções é para acudir aos problemas mais graves dos menos afortunados da freguesia. Ele não anda por aí a apregoar isso aos quatro ventos, mas eu sei que o arranjo que se deu à casa da Tia Cacilda foi pago com o ordenado que ele recebe da Junta. E o que agora vai recebendo é distribuído pelos que mais precisam. O Tio Ambrósio sabe tão bem como eu que ele tem pago as despesas de farmácia a muitos idosos, pois as reformas que recebem não dão para saldar todas as contas. "E se mais ganhasse, mais distribuía! "- disse-me ele um dia, pedindo segredo, pois não tem interesse em que andem por aí a pô-lo nos corutos da lua. O lema dele é fazer o bem, mas em silêncio...
– Essa é a regra do Evangelho, Carlos! "Não saiba a tua mão esquerda o que dá a tua direita".
– O certo é que não há muitos Libera-tos nesses cargos públicos, Tio Ambrósio! Mas, enfim! Seguindo o seu exemplo lá irei votar!

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