sexta-feira, 26 de julho de 2013

AOS MEUS AVÓS

Neste Dia Mundial dos Avós, evoco com saudade a memória dos meus avós maternos, Agostinho e Elisa, e dos meus avós paternos, Justino e Gracinda. Todos partiram já para o Pai. Tanto do lado paterno como do materno, eu era o neto mais velho. Por isso, não é de estranhar uma ligação especial aos meus avós.
O avô Agostinho e o avô Justino partiram deste mundo quando eu tinha apenas sete anitos, ambos no mesmo mês de Setembro. A avó Elisa e a avó Gracinda faleceram já bem perto da casa dos noventa anos.
Tinha uma particular ligação ao meu avô Agostinho, um pessoa excepcional em todos os aspectos. Se na vida há referências - elas existem realmente - meu avô tem sido uma delas. Forte. Bonita. Estimulante. O avô Agostinho era fumador e caçador (diria melhor, passeador de arma). Fazia da caça acima de tudo um momento de convívio com os seus amigos. Nos últimos anos de vida, em virtude de alguns problemas de saúde, não trabalhava por aí além, mas dirigia os trabalhos com a mestria com que sempre o fez. Por isso, tinha mais tempo para mim que era seu companheirito permanente. A sua afabilidade, o bom humor, o gosto com que me ensinava os ninhos e me falava dos pássaros, a sua postura justa e pacífica marcaram-me. Acima de tudo, num tempo de imensa pobreza, meu avô revelava-se um uma pessoa com imensa sensibilidade para, no contexto do tempo, socorrer quem precisava. Sempre com uma regra: discrição. Como recordo a quinta-feira, dia de feira em Lamego! Ele ia sempre à feira. Fazia parte dos seus rituais. Montado na sua égua, que praticamente nada mais fazia do que transportá-lo à cidade em cada dia de feira, era esperado por mim com enorme alegria, pois trazia-me sempre um "trigo"e como me sabia a manjar aquela carcaça! Broa de milho havia, mas trigo!... Só quando o avô mo trazia...
A Avó Elisa era diferente. Sem grande sensibilidade para a pobreza, era escrupulosamente zeladora do que era seu, sem nunca se apoderar de algo que a outros pertencesse, nem que fosse uma castanha! Era uma mulher, como então se dizia, para a vida. Inteligente, de larga visão, persistente, trabalhadora, perspicaz. Nunca andou na escola, entretanto lia maravilhosamente desde que o escrito estivesse em letra de máquina. Por isso, conhecia a Bíblia praticamente de cor, tantas as vezes que a lera.
Meu avô Justino era um coração de ouro, embora um bocado berrelas, facto que a uma criança não caía no goto. Mas avaliando agora, com a distância do tempo, os seus gestos e atitudes, concluo que era um homem fantástico. É que as aparências enganam tanta vez! Como era uma figura franzina e gostava de conviver - aliás a sua condição de feirante exigia estar perto das pessoas - bastava um copito para ficar mais animado. Bêbado nunca. Dava-se às mil maravilhas com minha avô, mas ela, quando o via assim, passava-se.
Como já referi, a miséria era imensa nesses tempos. Não havia nem reformas nem abonos de família. Os pobres estavam entregues à sua sorte e à caridade alheia. Ainda me recordo ele dizer para minha avó: "Faz aí um pote de boa sopa e à noite vamos levá-la àqueles miseráveis que também são filhos de Deus." Á noite... Quem ajudava fazia-o sem dar nas vistas, para não expor ainda mais a miséria de quem precisava.
A avô Gracinda era uma maravilha! Nada tinha de seu, porque gostava de partilhar com outros. Muito determinada e corajosa, era muito meiga, carinhosa e divertida. Por motivos de saúde, veio morar connosco e connosco esteve cerca de 30 anos. Logo que melhorou, assumiu-se como a dona de casa, até porque minha mãe sempre se sentiu melhor nas tarefas do campo.
Recordo com imensa saudade os momentos felizes e de sã e boa disposição que com ela passámos. Nos dias cálidos de Verão, muitas vezes à noite, após o trabalho, eu, meus dois irmãos e o empregado vestíamos uns calções e íamos até ao tanque da quinta para nos refrescarmos. Minha avó ficava em pulgas: "Ai meu Deus! Ainda se afogam estes malandros!"
Como tínhamos outros terrenos longe da quinta, acontecia que uma vez ou outra íamos para lá trabalhar e minha avó ficava sozinha. Ora aconteceu que numa dessas vezes, também ela atormentada pela canícula, meteu a cabeça no tanque para se refrescar. O que lhe havia de acontecer! À noite, encontrámo-la muito murcha, com o lenço muito atado à cabeça. Porque estava meu pai, ela não deu explicações. "Dói-me a cabeça, pronto!" Mas no dia seguinte, estando apenas os netos, lá explicou: " Como vos via ir tanto para o tanque e chegáveis sempre bem-dispostos a casa, pensei: 'Afinal meter-se na água do tanque é capaz de fazer bem!' E meti lá a cabeça. Oh! Trabalhos da minha vida! A minha cabeça parece os "zé-pereiras! tum-tum-tum,tum! Credo! Parece uma trovoada pegada! Não dormi nadinha durante a noite... E o pior é que não se me passa!"
Na ausência de meu pai, este episódio deu pano para mangas durante muito tempo. As gargalhadas que soltámos e a festa que fizemos com a cena! Muitas vezes, também durante o Verão, meu pai lhe dizia: "Mãe, sente-se à sombra, não ande ao calor. Sente-se e reze o terço!" - Olha, reza-o tu! Se rezo muito, seca-se-me a boca! - respondia ela com o ar mais convicto do mundo.
Uma maravilha, os meus avós. Como lhes estou grato!
Senhor, por bondade, acolhe-os na eterne bem-aventurança!

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