terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O princípio da desconfiança

Nos últimos tempos, José Sócrates saiu do esconderijo onde se protege do opróbrio de ter metido o país na bancarrota, pela única razão que normalmente o motiva a mostrar-se: comemorar e recomemorar um feito, uma percentagem. Aqui, a subida dos nossos alunos nos testes PISA de 2009. Ofereceu dois dias de entrevista ao Diário de Notícias. E exclamou, ufano: "É a prova de que os nossos alunos sabem mais."

Percebe-se. Mas ao mesmo tempo, pesando o histórico deste Governo em todas as modalidades de manipulação estatísticas e outras, perceba-se também a nossa prudência em julgar a façanha governativa. Não somos injustos. Somos isso mesmo: desconfiados.

Em democracia devemos desconfiar dos governos em geral e em Portugal, neste ano da graça de 2010, tudo recomenda que desconfiemos a dobrar. Antes de crenças, é da mais elementar prudência não deixar pedra por virar.

O Governo apresenta motivos plausíveis para sustentar que o estado da educação não é o que dizem oposições e alguns peritos. Consideramos, porém, contra essa argumentação, desde logo, que os alunos testados pelo PISA de 2009 não foram abrangidos pelas políticas educativas mais emblemáticas de Sócrates e de Maria de Lurdes Rodrigues. Mas devemos ir mais longe. Corramos as desconfianças até ao fim e analisemos a informação toda. E é aqui que batemos no segundo obstáculo: conhecemos o método aplicado, mas não sabemos as escolas indicadas pelo Governo tanto para a amostra de 2006 como para a de 2009. E, como lembrou há dias na blogosfera o especialista em Educação Paulo Guinote, precisávamos de conhecer esses dados em concreto, não só para podermos comparar 2006 com 2009, mas também para saber que critérios presidiram à amostra.

Infelizmente, nem o Ministério da Educação nem a OCDE afirmam ter condições para disponibilizar esses elementos. Ao email que enviei ontem para a OCDE sobre este ponto, foi-me respondido que a divulgação das escolas incluídas no projecto PISA é da competência exclusiva do Governo português. Pela sua parte, segundo notícias saídas na imprensa, o Ministério da Educação tem afirmado não as poder divulgar devido a um "acordo de confidencialidade" com a OCDE (a OCDE não confirma, pelo menos não me confirmou a mim, a existência desse "acordo de confidencialidade"). E não vejo aliás que suposto acordo confidencial entre o Governo e uma organização internacional pode impedir o Parlamento e qualquer cidadão de exigirem do Governo toda a informação pública relevante. Quais as razões que justificariam o segredo?

Por tudo isso, a pertinência de conhecermos estes elementos parece-me indiscutível já tentei apurar directamente junto do Ministério da Educação a sua resposta (fi-lo tarde, após ter recebido a resposta da OCDE, e por isso aguardo). Não vejo razão para que essa informação nos seja negada. Não vejo justificação admissível para tanto secretismo.

Podemos intuir que a selecção das escolas abrangidas pelos testes foi feita com mais cautela, porventura para que os resultados fossem melhores do que em 2006. Mas era preciso sair da intuição e analisar factos sólidos e contratos e saber quais foram. Como também afirma Guinote, mais do que demonstrar a teoria de uma conspiração que pode não ter existido, interessa-nos dispor dos elementos que permitam formar uma opinião esclarecida.

Até lá, cumpramos a nossa obrigação democrática de desconfiar. De todos os governos, e deste muito em particular. Não acusamos ninguém de manipulação. Queremos só saber se de facto avançámos ou se mudaram apenas a amostra. Sem transparência, não contem connosco para os festejos.
Pedro Lomba, in Público
Fonte: aqui

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