quarta-feira, 4 de setembro de 2019

"Quando o Padre perde o Dom"

"Quantos padres vivem diários confrontos com baptizados oportunistas que procuram ser excepções, rejeitando aquilo que a Igreja lhes pede, impondo as suas vontades e regras, fazendo de tudo para as conseguir, e depois tornarem a voltar costas a Cristo e à Igreja?"...
"Há dias, em visita a uns amigos, tive conhecimento de um colega padre ter abandonado o ministério, ou seja, ter deixado de ser padre. Viveu 2 anos enquanto padre. Aliás... na diocese deste meu colega, este ano abandonaram 5 padres, uns bastante maduros, outros em início de missão.
Confesso a minha tristeza pela perda do Dom de Ser Padre. É com alguma angústia que recordo e rezo estas perdas. Interrogo-me sobre o caminho e que discernimento terão feito em Seminário; Interrogo-me sobre o papel, presença e acompanhamento fraterno da "estrutura sacerdotal"... bispos e padres; Interrogo-me sobre o papel das comunidades cristãs, que são as suas famílias mais proximas; etc... e como não se dá conta de que um padre está a perder o Dom?! Que está só? Triste? Solitário? Sem a paixão no olhar e nas palavras, quando pronuncia o nome de Jesus?
Ser padre é bom, já o disse muitas vezes, mas no entanto, também já o disse, nem sempre é fácil. Não há que mentir. E ninguém deve julgar quando esse Dom se perde.
É natural a perda do Dom de ser padre quando a Igreja é madrasta e não Mãe como sempre deve ser. Sim é verdade! A Igreja pode ser madrasta, pois todos somos Igreja, e por isso, tanto de santa e pecadora.
Quantos padres são esquecidos por aqueles que deviam estar sempre atentos à sua missao?
Quantos padres vivem a solidão, porque não colaboram e se deixam guiar por grupos "com interesses pessoais"?
Quantos padres são tornados "invisíveis" para não atrapalharem outros que vivem na procura desenfreada de "estrelatos" e de "carreirismos"?
Quantos padres vivem diários confrontos com baptizados oportunistas que procuram serem excepções, rejeitando aquilo que a Igreja lhes pede, impondo as suas vontades e regras, fazendo de tudo para as conseguir, e depois tornarem a voltar costas a Cristo e à Igreja?
Quantos padres têm que escutar e testemunhar a fé frágil de leigos comprometidos, nas estruturas da Igreja e das Paróquias, e que se relevam muitas vezes autênticas forças de contradição e pressão, face aos alicerces da Igreja?
Quantos padres se dedicam horas a fio à sua missão de pastores, dando-se conta da fragilidade da vida de fé das suas comunidades, que pouco se comprometem, partilham, acompanham, rezam, e alicerçam a sua vida de fé apenas na "eucaristia dominical", não compreendendo que ser Cristão vai muito para além "da missinha" de domingo, das suas opiniões, das suas vontades?
Quantos padres, na procura de defenderem a Igreja e a Verdade da Fé, vêem-se envolvidos em pressões e conflitos, situações de força, sendo simplesmente abandonados pelas suas comunidades, porque não se "querem envolver"?
Quantos padres, após uma vida gasta e entregue às comunidades, vão caindo no esquecimento, ao ponto de, velhinhos e limitados, não receberem um telefonema, uma visita, um sinal daqueles a quem se foram dando a cada dia?
A perda do Dom acontece. Uns perdem esse dom e seguem outros caminhos, abandonam. Outros perdem o Dom, mas vão permanecendo na missão, de coração fechado à presença do Espírito, vivendo na igreja e nas comunidades, mas à margem das mesmas, usando e abusando da imagem de um Dom que já não possuem no olhar e nas palavras, mas que usam e abusam só para sobreviver.
A responsabilidade é de muitos.
Daqueles que não acompanham, que não cuidam, não valorizam, que disputam, que ignoram as regras, que pressionam, que não se comprometem, que não colaboram, que não crescem, que não têm alegria no seu baptismo, que não querem ser Igreja, que não acolhem, que pouco amam... que têm pouca sede de Deus.
Bem... assim não parece tão estranho um padre perder o seu Dom. O cansaço de se sentir tratado como "escravo de vontades" ou "funcionário da fé", e não como Pastor e anunciandor da Boa Nova, levará obrigatoriamente ao cansaço e à interrogação sobre o seu Dom e se valerá a pena ser Padre. Se o outro não o olha como Dom, o próprio padre pode sentir que perdeu o seu Dom e desistir.
Afinal, guardar em si o Dom de ser Padre e vivê-lo como um tesouro, é quase um "poder" digno de um super herói da Marvel".
Nuno Silva

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