quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Se cada família desta paróquia, residente ou emigrante, prescindisse do supérfluo neste Natal em favor do Centro paroquial, penso que teríamos a obra paga!

Não tem  nada a ver com crise de fé. Graças a Deus, se há  verdade  que me enche a alma e a vida, é a fé na Ressurreição. Por isso, sinto a Páscoa como a Festa das festas. É a minha verdadeira festa. Gosto do Natal, mas quase já nem se consegue enxergar o Natal, tal a sobrecarga de natais.
A Páscoa diz-me o indizível. Soa a Primavera, a novo, a esperança, a vitória, a infinito, a mundo novo. Tudo na Páscoa me encanta, me diz, me enleva.

De qualquer forma, estes dias têm sido marcados pela nostalgia. É a humanidade a ressentir-se. Custa-me sempre a morte de alguém, mas o falecimento do Diác. Amorim marcou-me. Não, não é tanto pela falta que faz à família e à comunidade. É sobretudo porque quando parte um amigo, parte também um bocadinho de nós.
Uns dias antes de ele saber que tinha de ser internado no hospital, preocupado com a sua saúde,  estive a conversar com ele. Falei-lhe que não o queria stressado com os serviços paroquiais que desempenhava, que eu iria arranjar outras formas de o aligeirar dessas tarefas. Disse-me redondamente que não, que não me preocupasse, que ele continuaria a desempenhar a sua missão, que o faria mais devagar, mas continuaria. Mais uma vez, me edificou. Num tempo em que as pessoas desistem tão facilmente face a qualquer contrariedade, ele personalizava a fidelidade até ao fim, até à cruz.
Quase todos as as semanas, por um motivo ou outro, vinha visitar-me. Agora a campainha já não toca. Em cada sábado, na Missa com crianças, e em cada domingo, na 'Missa do dia', aí estava ele na sacristia, paramentado à minha espera. E agora, por mais que olhe para a porta, já não aparece. Quando chegava a Cravaz para a Eucaristia, lá estava nas escadas à minha espera, acompanhava-me à sacristia, proclamava a Palavra de Deus, ajudava na distribuição da Sagrada Comunhão. Esperava por mim e caminhávamos até sua casa para a refeição que amigavelmente me oferecia. Enquanto esperávamos pelo jantar, conversávamos, desabafávamos, partilhávamos, projectávamos. Eu vou continuar a entrar naquela casa pelo imenso carinho que sinto pela D. Maria Augusta e sua família, mas vai-me custar imenso. Vai estar sem o vermos.

Talvez esta situação nostálgica agrave em mim algum indiferença face ao Natal social. Claro que quero ajoelhar e contemplar o mistério da Encarnação, isso não está em causa. O Natal como de há tempos a esta parte o ocidente o comemora não me diz nada. É um folclore de cartões, votos de boas festas, textos e postais barrocos, ceias de natal, presentes... Até a solidariedade me parece postiça nesta época.
Depois indignam-me as imensas contradições sociais. Enquanto cada vez mais gente cai nas amarras da pobreza, há um punhado que medra como silvas. Os carros de luxo e outros objectos caros continuam em expansão como provocação à miséria de tantos que vão ter uma ceia de Natal graças à solidariedade; entretanto já estão lutados aviões e hotéis para a passagens de ano, enquanto cada vez mais engrossa a fileira dos desempregados.

Penso que  haveria uma maneira de celebrar hoje o  Natal. Uma enorme manifestação, pacífica e solidária, por todo o ocidente, a exigir aos governantes do mundo que metam as finanças sanguessugas na ordem, a exigir stop a esta capitalismo selvagem que vai tornando cada vez mais o homem lobo do homem.
O Natal social cheira muito a ópio do povo, a barroquismo com que os donos do dinheiro querem adormecer as pessoas para as sugarem.

E porque sonhar não ocupa lugar nem paga impostos, penso num Natal em que o mistério da Encarnação contamine o mundo com o virus da solidariedade, da paz, da igualdade e da fraternidade.
Penso num Natal sem a asfixia do comércio e sem o império da publicidade que esvaziam as gentes.
Penso num Natal sem correrias loucas, sem prendas inúteis e ostentatórias.
Penso num Natal onde o Menino de Belém seja o centro, a revolução, a transformação.
Penso num Natal sem "pai natal", mas cheio da Luz libertadora de Deus.
Penso num Natal onde o mais belo sejam a contemplação e o acolhimento do Deus que chega.
penso num Natal que liberte o homem e a sociedade para 365 dias de solidariedade, fraternidade e justiça social.

Mais uma vez hoje passei pelas obras do Centro Paroquial que é companheiro dos meus pensamentos e preocupações diárias.Sempre que ali estou, invariavelmente, sonho. Com espaços para acolher as dezenas de crianças que temos, os jovens, os grupos paroquiais, os pais, os idosos... Sonho com a casa comum da comunidade. A casa da paz.
Hoje veio-me este pensamento: " Se cada família desta paróquia, residente ou emigrante, prescindisse do supérfluo neste Natal em favor do Centro paroquial, penso que teríamos a obra paga!"
Enfim, sonhar não custa.
Mais, estou convencido que seria, hoje e aqui, a melhor forma de celebrar o Natal.

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