1. Portugal não está bem e o resto do mundo não parece melhor.
A natureza assusta, a economia preocupa, a política desencanta, a suspeita prospera e a desconfiança alastra.
Tudo isto são sintomas de
uma grande doença: doença cívica, doença ética, doença moral. Somos homens,
seremos humanos?
Até somos capazes de
mobilizar recursos quando se desencadeia uma catástrofe, mas qual é o nosso
comportamento no dia-a-dia? Qual o nosso compromisso com a verdade, com a
justiça, com a bondade?
Tenhamos em vista que nem tudo o
que o vem do homem é, automaticamente, humano. Decididamente, não basta ser
homem para ser humano. Nem tudo o que vem do homem é humano. Há mesmo muito no
homem que roça a desumanidade.
A natureza mata. Mas o homem
também não destrói? Quem provoca as guerras? Quem promove atentados? E quem
ofende a natureza que, por sua vez, reflui e despeja toda a sua fúria sobre o
homem?
2. Era bom que, de uma vez
para sempre, percebêssemos que só somos homens na medida em que nos tornamos
humanos.
Por incrível que pareça, não há
ninguém que consiga ser tão desumano como o próprio homem.
A humanidade não é um dado
adquirido. Tem de ser uma permanente construção.
O que é mais estranho é que, como advertia Saliège, costumamos invocar o humano como pretexto para ferir a humanidade.
«Com a expressão "isto é humano" branqueia-se tudo. Alguém dissolve a sua juventude no vício: é humano. Alguém engana e defrauda o próximo: é humano. É assim que com o termo "humano" se designa o que de mais caduco e baixo no homem. Às vezes, até se converte em sinónimo de animal. Que linguagem tão singular! Mas não é o humano que nos distingue do animal? Humana é a razão, humano é o coração, humana é a vontade, humana é a consciência, a santidade. Isto, sim, é humano».
O que é mais estranho é que, como advertia Saliège, costumamos invocar o humano como pretexto para ferir a humanidade.
«Com a expressão "isto é humano" branqueia-se tudo. Alguém dissolve a sua juventude no vício: é humano. Alguém engana e defrauda o próximo: é humano. É assim que com o termo "humano" se designa o que de mais caduco e baixo no homem. Às vezes, até se converte em sinónimo de animal. Que linguagem tão singular! Mas não é o humano que nos distingue do animal? Humana é a razão, humano é o coração, humana é a vontade, humana é a consciência, a santidade. Isto, sim, é humano».
3. Só somos humanos quando não nos fechamos, quando não nos agredimos,
quando respeitamos a integridade e a privacidade do nosso vizinho.
Só somos humanos quando recusamos toda a espécie de violência e quando
intensificamos a partilha e a solidariedade.
Só somos humanos quando nos capacitamos de que pertencemos toda à mesma
(e única) humanidade.
Só somos humanos quando sentimos que o problema do outro (seja ele quem
for) é também um problema meu.
Só somos humanos quando não somos indiferentes à fome, ao desemprego, à
desigualdade.
Neste sentido, urge perceber que a humanidade não está em risco apenas
quando falta dinheiro.
A humanidade está em risco sobretudo quando não nos aceitamos, quando
não nos compreendemos, quando não nos amamos.
É hora de termos presente que a humanidade não está em perigo apenas lá
longe, no palco das guerras.
A humanidade está igualmente em perigo à nossa beira, ao nosso lado, à
nossa porta, sempre que não estimamos o próximo, sempre que promovemos a
intriga ou fomentamos a discriminação.
4. Não há dúvida de que a desumanidade desponta como o
pior mal em que alguém pode incorrer.
Neste capítulo, todos temos pecados a expiar e todos temos um longo
caminho de regeneração a percorrer.
Porque é que tem de vir uma tragédia mostrar que, lá no fundo, ainda
nos resta alguma humanidade? Porque é que só somos havemos de ser humanos nas
tragédias. Ainda não entendemos que a maior tragédia é precisamente a
desumanidade?
Fonte: aqui
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