Em 2015, o Parlamento da Madeira proibiu o abate de animais de companhia por ser uma “questão ética”. A 5 de Novembro de 2021 – já com a Assembleia da República oficialmente dissolvida – os eminentes e iluminados deputados da nação aprovaram a eutanásia para os humanos. Mais uma estrondosa vitória dos “ismos” e “istas”. Mais uma prevista derrota para a já muito pouco credível (e audível) Santa Madre Igreja.A cruzada levada a cabo pelos talibãs do Regime vai de vento em popa. O fanatismo ideológico aliado ao revanchismo visceral levou-os a adotar como programa político o extermínio dos valores e sinais cristãos, vertido em programas intitulados educativos e em propostas legislativas cirúrgica e minuciosamente expostas e aprovadas. Não adianta debater ou acenar com alternativas porque acabam sempre por “levar a água ao seu moinho”. Por vezes até se vergam ao incómodo de ouvir o outro lado mesmo que interiormente regurgitem: “os cães ladram, mas a caravana passa”.
Da minha parte, há “verdades” (perspetivas? intolerâncias?) de que não abdicarei. A liberdade sem limites é libertinagem. A ideologia sem princípios é despotismo. Hoje, em vez de encarar e atenuar as causas, é mais prático eliminar o problema. Se o contexto esconjura o sofrimento e deifica a imagem faz sentido arrumar(-se) de vez: deixar de sofrer, não ser empecilho para os mais próximos e até contribuir para aumentar o erário pelas despesas e reformas poupadas. E nem sequer será perversidade designar “morte digna” o que manifesta tão-só egoísmo cómodo: pôr termo ao sofrimento, físico ou psicológico, seu ou de outros.
Etimologicamente, eutanásia significa “boa morte” e abrange três realidades: pessoal (vontade de viver), relacional (afetos, humanismo) e terapêutica (eliminação do sofrimento). A falta de carinho (tempo e atenção), o abandono em lares e hospitais, a poupança na medicação ou os maus-tratos (físicos e psicológicos) levam ao pedido: “quero morrer”. A morte física é o corolário da morte afetiva.
Diz o povo: “Até para morrer é preciso ter sorte”; “não tenho medo de morrer, mas de sofrer”; “teve uma morte santa” (durante o sono); “coitadinho, sofreu tanto”; “bem que Deus o podia levar”. A procura/desejo de uma “boa morte” parece ser resposta razoável para tais inquietudes. As péssimas condições de auxílio (omissão de socorro, negligência, escassez de camas, médicos e fármacos) associadas à morte precoce dos afetos (abandono, solidão, exclusão) e de autonomia (cama, cadeira de rodas, higiene) atiçam o amor-próprio: “não estou a fazer nada; só dou trabalho; não quero passar/causar vergonhas; antes morrer com dignidade”.
Gabriel Marcel escreveu: “amar alguém é dizer-lhe: tu não morrerás”. Para a maioria dos nossos deputados, paladinos de humanidade, o slogan será certamente outro: “não é bom que sofras, nem te arrastes ou estejas dependente (fere o amor-próprio!): põe fim à vida”. Apesar da distância temporal, a semelhança de razões e resultados em vista até traz à memória alguns “ismos” sombrios de antanho. Entretanto, a quem “escolhe morrer”, provemos que vale a pena continuar a viver, não reféns de teorias abstratas, demagogas e acintosas de políticos ideologicamente colonizados, mas pela compaixão, presença e ternura acopladas às boas práticas de Cristo.
(P. António Magalhães Sousa), aqui
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