Viúva, de provecta idade, "Ti Jouquina"morava com uma filha solteira que andava a ganhar o dia - quando havia trabalho, claro.
Morava num casebre de terra batida, com uma única entrada para pessoas e animais, separados por um velho taipal de madeira, esburacado e negro do fumo. Um estreito janelo deixava entrar um fio de luz e possibilitava livre trânsito ao gato que assim ia mantendo o casebre livre de ratos.
Ao fundo da habitação, a lareira. Dois pequenos potes de ferro de cada lado acolhiam os chamiços. Ao lado, uma prateleira negra sustentava um prato, duas tigelas, garfos de ferro e mais alguns utensílios. Do outro lado da lareira, e um pouco mais acima da mesma, uma tábua metida na parede apoiava a candeia de petróleo que lançava sobre a escuridão uns lampejos de claridade. Ao meio, encostada à parede, uma cama de ferro, sem lençóis, com umas mantas de farrapos sobre o colchão de palha. Do lado oposto, uma corda suspensa dos caibros do telhado, segurava o xaile, a saia e outras (poucas) roupitas. Ao fundo, amarrada ao taipal, uma caixa de madeira onde eram guardados alguns alimentos.
"Ti Jouquina" não tinha terras. Por isso, pastoreava a sua cabra pelos caminhos, nos regos de água públicos, nas quelhas. Estou a vê-la. Saia preta a roçar nos pés, avental e lenço na cabeça. Tratava o animal com enorme carinho: abaixava-lhe os ramos, puxava-lhe as silvas e fazia-lhe festas no pelo. Regressava sempre a casa com meia dúzia de ervas seleccionadas no avental para os coelhos e, após as ceifas, procurava na leira uns bagos de centeio para as duas galinhas que possuía.
Havia um época do ano em que "Ti Jouquina" era muito solicitada. Na altura da plantação das batatas. Tinha muito jeito e sabia aproveitar muito bem cada "batata de semente". Mirava os olhitos que tinha, tirava a lasca certa para ir para a terra e deixava "os miolos" para consumo doméstico. Pagamento? As refeições e meia dúzia de "miolos" no avental para levar para casa.
Na sua pobreza, "Ti Jouquina" era uma mulher de uma serenidade contagiante. Não se lhe ouvia uma queixa, uma lamúria, uma revolta. Um sorriso profundo, cativante, envolvente. Dizia-se que ao pé dela se estava sempre bem. Falava sem ser chata e nunca tinha má língua.
sexta-feira, 30 de julho de 2010
Numa Aldeia da Serra, há 50 anos - V
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