Saúde, Higiene e Solidariedade
Isolamento, deficiente condição económica, custo da medicina e ausência de uma cultura para a saúde.
Isolamento, deficiente condição económica, custo da medicina e ausência de uma cultura para a saúde.
Não havia estradas nem meios de transporte, restando os pés e jumento/cavalo. Os caminhos, nos longos Invernos da Serra, ficavam praticamente instransponíveis. E, nesta situação, quantas vezes os doentes graves tinham que ser transportados em padiolas até à estrada!
Consultas e remédios tudo se pagava e na totalidade. Meios auxiliares de diagnóstico, como hoje os conhecemos, ou não existiam, ou eram muito rudimentares. E eram caros. O diagnóstico e consequente tratamento viviam quase só da competência, experiência e carisma do médico.
Por isso, não admira a resistência das pessoas em procurar a medicina. Insistiam nos "remédios caseiros" até à exaustão. Chá preto e de ervas para as dores de barriga; café para as dores de cabeça. Se apareciam problemas com ossos e músculos, as pessoas recorriam ao "entendido", havendo mesmo a convicção entre as gentes de que "os médicos, de ossos, não entendem nada." Para as feridas, o mesmo tratamento: álcool e mercúrio em cima e um farrapo a embrulhar o "dói-dói".
Se a doença não passava com remédios caseiros, então recorria-se ao médico que era avaliado conforme acertava ou não no tratamento. Não se repetiam muitas vezes as consultas ao mesmo médico. Se não resultava, mudava-se de clínico. Em situações-limite, então recorria-se aos "papas" da medicina, que moravam longe: o Dr Víctor, de Tarouca, e o Dr Manecas, de Castro Daire. E foi através das doenças que eu ouvi falar pela primeira vez no nome "Tarouca"!
A higiene, avaliada em termos actuais, era uma calamidade. Já dissemos que não havia água canalizada nem quartos-de-banho nas casas. Os WCs eram os milheirais, os giestais, os penicos... Nas casas, no rés-do-chão ficavam as coortes dos animais e as dependências para as alfaias e produtos agrícolas. No primeiro andar, habitavam as pessoas. Animais e pessoas estavam assim separadas por um soalho de madeira em tábuas largas e, normalmente, com frinchas. Por isso, os "perfumes" vindas das lojas inundavam a habitação. Agora pensemos no cheirete que invadia a casa quando, por exemplo, era arrancado o estrume das lojas dos animais!
Em casa, havia uma bacia de alumínio onde a família lavava as mãos e a cara todas as manhãs. Banho? Para os mais pequenitos, de longe em longe no Verão. As mães faziam-lhe uma barrela numas grande bacias de latão. Nem os rapazes aproveitavam as poças e os ribeiros para se banharem. Era inconcebível vestir uns calções e aparecer com eles em público.
Agora imaginem o que era comerem várias pessoas do mesmo prato ou beberam do mesmo pipo ou cabaça durante os trabalhos agrícolas.
As mulheres iam "olhar as galinhas" em cada manhã. As que traziam ovo ficavam no galinheiro até porem; as que não traziam ovo, seguiam para a liberdade. Pois a mesma mão cujo dedo mendinho entrara na cloaca da galinha, logo a seguir pegava num bocado de pão para meter à boca, sem qualquer lavagem pelo meio. O lenço de assoar? Era o avental. Viravam-no do avesso e toca a fungar para aí.
Se os trabalhos agrícolas por si já sujam muito, acrescente-se a falta de higiene e veremos as pessoas sujas, exalando odores desagradáveis. As mudas de roupa aconteciam de semana a semana ou quando tinha que se ir à cidade. Então substituíam-se as calças de cotim, tantas vezes cobertas de remendos, por uma roupinha de fazenda.
O isolamento, a pobreza e o abandono criavam entre as pessoas um forte espírito solidário. Incêndios nas matas? Rarissimamente. Estavam sempre mais do que limpas. A lenha era o combustível que havia para aquecimento e confecção das refeições. Como tal era disputado cisco a cisco.
Quando acontecia um incêndio nas casas - não me recordo se na altura já havia bombeiros, pelo menos nunca os vi por lá e, mesmo que os houvesse, não existia estrada para os veículos - as pessoas acorriam em força, abandonando tudo para socorrer. Enxadas, foices, sachos, regadores, baldes, tudo!
Solidários nos trabalhos agrícolas, onde existiam as chamadas "trocas" entre familiares e amigos. Hoje vamos todos arrancar as batatas de fulano e amanhã arrancaremos as de beltrano. Como se compreende, as "trocas" era uma forma de embaratecer a produção. Claro que havia as pessoas que viviam do "ganhar o dia". Mas uma agricultura braçal, exigia muita mão-de-obra e a quanta menos gente tivesse que se pagar...
A propósito, sabem quanto ganhava um mulher naquele tempo a trabalhar de Sol a Sol? Seis escudos! Se não erro nas contas, três cêntimos em dinheiro actual!
Solidários na doença. Frequentes visitas aos doentes, partilha de experiências com remédios caseiros, opiniões sobre médico a consultar, apoio no transporte do doente...
Solidários na pobreza. Perante os casos extremos de miséria, as pessoas iam dando conforme podiam. Claro que havia sempre gente mais generosa do que outra. Mas a ajuda era sempre discreta, pela calada, como quem não quer expor o sofrimento alheio.
Solidários perante catástrofes e desgraças. Se um animal se magoava e era preciso abatê-lo, as pessoas ofereciam-se para comprar um bocado de carne e assim diminuir os prejuízos do dono.
Solidários nos momentos importantes do ano e da vida. No nascimento de uma criança, grande parte das mulheres da aldeia ia visitar a parturiente e levar uma prendinha - um quilo de açúcar, uma galinha... Nas matança do porco, toda a família se juntava...
Consultas e remédios tudo se pagava e na totalidade. Meios auxiliares de diagnóstico, como hoje os conhecemos, ou não existiam, ou eram muito rudimentares. E eram caros. O diagnóstico e consequente tratamento viviam quase só da competência, experiência e carisma do médico.
Por isso, não admira a resistência das pessoas em procurar a medicina. Insistiam nos "remédios caseiros" até à exaustão. Chá preto e de ervas para as dores de barriga; café para as dores de cabeça. Se apareciam problemas com ossos e músculos, as pessoas recorriam ao "entendido", havendo mesmo a convicção entre as gentes de que "os médicos, de ossos, não entendem nada." Para as feridas, o mesmo tratamento: álcool e mercúrio em cima e um farrapo a embrulhar o "dói-dói".
Se a doença não passava com remédios caseiros, então recorria-se ao médico que era avaliado conforme acertava ou não no tratamento. Não se repetiam muitas vezes as consultas ao mesmo médico. Se não resultava, mudava-se de clínico. Em situações-limite, então recorria-se aos "papas" da medicina, que moravam longe: o Dr Víctor, de Tarouca, e o Dr Manecas, de Castro Daire. E foi através das doenças que eu ouvi falar pela primeira vez no nome "Tarouca"!
A higiene, avaliada em termos actuais, era uma calamidade. Já dissemos que não havia água canalizada nem quartos-de-banho nas casas. Os WCs eram os milheirais, os giestais, os penicos... Nas casas, no rés-do-chão ficavam as coortes dos animais e as dependências para as alfaias e produtos agrícolas. No primeiro andar, habitavam as pessoas. Animais e pessoas estavam assim separadas por um soalho de madeira em tábuas largas e, normalmente, com frinchas. Por isso, os "perfumes" vindas das lojas inundavam a habitação. Agora pensemos no cheirete que invadia a casa quando, por exemplo, era arrancado o estrume das lojas dos animais!
Em casa, havia uma bacia de alumínio onde a família lavava as mãos e a cara todas as manhãs. Banho? Para os mais pequenitos, de longe em longe no Verão. As mães faziam-lhe uma barrela numas grande bacias de latão. Nem os rapazes aproveitavam as poças e os ribeiros para se banharem. Era inconcebível vestir uns calções e aparecer com eles em público.
Agora imaginem o que era comerem várias pessoas do mesmo prato ou beberam do mesmo pipo ou cabaça durante os trabalhos agrícolas.
As mulheres iam "olhar as galinhas" em cada manhã. As que traziam ovo ficavam no galinheiro até porem; as que não traziam ovo, seguiam para a liberdade. Pois a mesma mão cujo dedo mendinho entrara na cloaca da galinha, logo a seguir pegava num bocado de pão para meter à boca, sem qualquer lavagem pelo meio. O lenço de assoar? Era o avental. Viravam-no do avesso e toca a fungar para aí.
Se os trabalhos agrícolas por si já sujam muito, acrescente-se a falta de higiene e veremos as pessoas sujas, exalando odores desagradáveis. As mudas de roupa aconteciam de semana a semana ou quando tinha que se ir à cidade. Então substituíam-se as calças de cotim, tantas vezes cobertas de remendos, por uma roupinha de fazenda.
O isolamento, a pobreza e o abandono criavam entre as pessoas um forte espírito solidário. Incêndios nas matas? Rarissimamente. Estavam sempre mais do que limpas. A lenha era o combustível que havia para aquecimento e confecção das refeições. Como tal era disputado cisco a cisco.
Quando acontecia um incêndio nas casas - não me recordo se na altura já havia bombeiros, pelo menos nunca os vi por lá e, mesmo que os houvesse, não existia estrada para os veículos - as pessoas acorriam em força, abandonando tudo para socorrer. Enxadas, foices, sachos, regadores, baldes, tudo!
Solidários nos trabalhos agrícolas, onde existiam as chamadas "trocas" entre familiares e amigos. Hoje vamos todos arrancar as batatas de fulano e amanhã arrancaremos as de beltrano. Como se compreende, as "trocas" era uma forma de embaratecer a produção. Claro que havia as pessoas que viviam do "ganhar o dia". Mas uma agricultura braçal, exigia muita mão-de-obra e a quanta menos gente tivesse que se pagar...
A propósito, sabem quanto ganhava um mulher naquele tempo a trabalhar de Sol a Sol? Seis escudos! Se não erro nas contas, três cêntimos em dinheiro actual!
Solidários na doença. Frequentes visitas aos doentes, partilha de experiências com remédios caseiros, opiniões sobre médico a consultar, apoio no transporte do doente...
Solidários na pobreza. Perante os casos extremos de miséria, as pessoas iam dando conforme podiam. Claro que havia sempre gente mais generosa do que outra. Mas a ajuda era sempre discreta, pela calada, como quem não quer expor o sofrimento alheio.
Solidários perante catástrofes e desgraças. Se um animal se magoava e era preciso abatê-lo, as pessoas ofereciam-se para comprar um bocado de carne e assim diminuir os prejuízos do dono.
Solidários nos momentos importantes do ano e da vida. No nascimento de uma criança, grande parte das mulheres da aldeia ia visitar a parturiente e levar uma prendinha - um quilo de açúcar, uma galinha... Nas matança do porco, toda a família se juntava...
Parafraseando o autor, se não tivermos consciência do nosso passado, dificilmente entenderemos o presente e poderemos antecipar o futuro.
ResponderEliminarAo mesmo tempo, lendo estas belíssimas crónicas, revisitamos Miguel Torga, e saboreamos palavras que há muito não ouvimos:
Jumento; Padiolas; Cabaça; Cisco, …
Muito por culpa da dita “civilização”, o que quer que isso signifique!
NPL
Muito obrigado, Nuno, Pela visita e pelo comentário.
ResponderEliminarAgradeço o apoio, incentivo e compreensão.
Abraço