quinta-feira, 8 de outubro de 2009

A vida para mim é como uma mãe

Já partiu há uns anos. Mas nunca esquecerei a riqueza interior que me comunicou. A mim e a todos os que tiveram a dita de o conhecer.
Décadas numa cadeira de rodas, numa total dependência dos outros. Onde o deixassem, ali ficava, já que da cinta para baixo não executava qualquer movimento. Ah! Uma das mão estava paralítica. Para cúmulo, estava algaliado.
Mas era uma pessoa fantasticamente serena e optimista. Gostava imenso de viver e achava a vida linda.
E quando mais tarde teve acesso a uma cadeira ecléctica, era vê-lo pela estrada quando o tempo o permitia. Ia à Eucaristia, acompanhava a esposa ao campo, ia até ao povo para dois dedos de conversa.
Dado o seu estado, ouvia muito a rádio e via televisão. Também gostava de ler e entre outros, a Bíblia era companheira.
- A vida para mim é como uma mãe. Exige sempre mais de mim para eu ter a satisfação da conquista. Veja que até ler me é difícil, pois a posição em que me encontro não facilita nada as coisas. E se o livro cai, lá vai a leitura até que alguém mo levante...
Passava imenso tempo à janela.
- Bendita vidraça! Protege-me do frio e oferece-me a ocasião de sentir a vida. Deus recompense a quem inventou o vidro!
Nunca se queixava, porque achava que havia muita gente pior do que ele. E falava, encantado, da família.
- Oh! Deus nunca falta! Tenho uma esposa maravilhosa que me enche de carinho e atenções, que nunca me viu como um estorvo. A coragem dela é maravilhosa! Olhe que já cá estiveram dois enfermeiros fortes e não me conseguiram tirar da cadeira para a cama. E ela fá-lo sozinha. Não uma vez, mas todos os dias duas vezes! Tenho filhos, genros, noras e netos que não sabem o que me hão-de fazer. Telefonam constantemente, sempre preocupados. O seu desejo era que fosse viver com eles mais a mãe. E ao mínimo alarme, põem-se cá.
Sobre a vida lançava um olhar de poeta.
- É tão bom escutar o canto das rolas, absorver o perfume das flores, observar o saltitar dos pardais e a correria pequenina das formigas, sonhar debaixo da imensidão azul do céu, sentir as pessoas, como formigas gigantes, a movimentar-se, ora em passo apressado ora em passo lento...
O sorriso, a calma, a simpatia com que recebia quem o visitava, a piada fina e elegante, a palavra oportuna que dirigia, a forma nada piegas com que encarava o seu sofrimento... Tudo fazia dele um ser maravilhoso. Disse-lho muitas vezes quando, ao fim da visita, ele me agradecia: "Não agradeça. Eu é que tenho que agradecer. Afinal quem sai sempre mais rico daqui sou eu." E dizia-lho com o coração nas mãos.

3 comentários:

  1. Que bela lição de vida!
    Abraço.
    P.Aniceto

    ResponderEliminar
  2. Fantástico!
    Diria, manual de vida e... lição de Amor!!!

    ResponderEliminar
  3. Que pessoa espectacular...que bela historia que mostra o que Deus é força,vida e amor ao nosso proximo! Uma bela lição para uma aprendiz da vida,como eu! Como seria bom que o mundo fosse como essa familia...
    Obrigada por este belo blog,que tanto me tem ensinado.
    Um abraço
    Fique em Deus

    ResponderEliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.