A estatística mantém-se, apesar de algumas melhorias nas últimas décadas e de um óbvio progresso material no país, desde que no início dos anos 1980 se fizeram os primeiros estudos sobre o tema: cerca de 20% da população portuguesa continua a viver em situação de pobreza. Este número – uma em cada cinco pessoas – tem por detrás, no entanto, rostos concretos, vidas difíceis.
E essas pessoas contam? Infelizmente, no debate eleitoral, há temas que jornalistas e líderes partidários pouco têm trazido para a agenda eleitoral:
- tensões no leste da Europa que podem desembocar numa guerra com consequências imprevisíveis,
Também o combate à pobreza como fenómeno transversal, transgeracional e profundo na sociedade portuguesa não foi senão referido a espaços, e quase sempre lateralmente. PS e PSD, os dois maiores partidos, com possibilidade de liderar um governo, enunciam várias medidas em três páginas de cada um dos seus programas, mas o combate à pobreza não está incluído, por si, nas 12 prioridades enunciadas pelo PS ou no “grande objectivo” do programa eleitoral do PSD.
Em relação ao país miserável e triste da ditadura do Estado Novo, a democracia deu-nos mais progresso e dignidade. Mas deveria ter reduzido de forma mais significativa o número de pessoas pobres. E se a pandemia poderia ter sido muito pior – várias medidas tomadas e muita solidariedade evitou o agravamento de uma situação que nos apanhou a todos desprevenidos –, é verdade também que ela agravou algumas desigualdades, nomeadamente com o alargamento do fosso entre os mais ricos e os mais pobres.
Tendo em conta que a Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) organiza neste sábado uma conferência sobre o tema, vale a pena pensar também no papel que a Igreja Católica poderia e deveria ter nesse combate ao flagelo da pobreza. Esta retira a muitas pessoas a possibilidade de uma vida minimamente digna e por isso o compromisso cristão em favor da dignidade humana deve ser proposto como uma experiência mística, algo que está “no próprio coração do Evangelho”, tal como o Papa Francisco recordava na exortação A Alegria do Evangelho (Evangelli Gaudium, cap. IV).
É importante lembrar, neste contexto, que na encíclica Caritas in Veritate (A Caridade na verdade), o então Papa Bento XVI colocava, já em 2009 – em plena crise financeira internacional –, “a urgência de uma reforma (…) da arquitectura económica e financeira internacional” como uma tarefa prioritária.
Cabe perguntar se, perante este apelo de um papa (secundado várias vezes pelo seu sucessor, por exemplo através da iniciativa A Economia de Francisco) as instituições formativas, de investigação e ensino da Igreja Católica – começando pela Faculdade de Economia da Universidade Católica – não deveriam estar na linha da frente a pensar essa nova arquitectura (e incluindo o âmbito nacional) em vez de, tantas vezes, contribuir para a reprodução de um sistema económico que agrava desigualdades e promove uma economia que mata, como diz o Papa Francisco. Sob pena de, na mesma universidade, uma escola (de teologia) ensinar o Evangelho e outra (de economia) ensinar na prática a antítese dessa mesma Boa Nova.
Bruto da Costa escrevia: “Temos de reconhecer que o nexo entre a fé cristã e a política tem sido pouco valorizado e praticamente não existe para a maior parte dos cristãos. Menos ainda se verifica que o problema da pobreza tenha o lugar que merece entre os critérios em que assentam as respectivas opções políticas. Ao abster-se da intervenção política, o cristão demite-se do exercício consistente da caridade e da justiça, ambas dotadas de uma dimensão interpessoal particularmente importante, mas que permanecem limitadas nas suas consequências quando as suas exigências e implicações não chegam a penetrar na esfera política. Doutro modo, o exercício do amor ao próximo não chega às origens e às causas estruturais da pobreza. A expressão concreta do amor ao próximo varia, além do mais, com as características da sociedade e com o progresso do conhecimento quanto à natureza e causas dos problemas sociais.”
Fonte: aqui
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