Não esqueço a minha terra
Disse-me que saiu daqui muito novo para trabalhar em Lisboa. Repisou que têm sido os princípios, valores e educação que recebeu na família a comandar a sua vida e que procura transmitir aos filhos. Comentou com alguma nostalgia no rosto que abandonou a prática cristã e que já nem se lembrava da última vez que rezou. Afirmou que não casara pela Igreja nem baptizara os filhos apesar da pressão em contrário de seus pais e família. "Se eu abandonei a religião, por que razão havia de a impor aos meus filhos? Agora que já são maiores de idade, eles que escolham que eu respeito". justificou-se.
Quis falar comigo para transmitir uma palavra de incentivo em relação ao Centro Paroquial. Deixou a sua oferta para as obras com a promessa que, daqui a uns meses, voltaria a contribuir, pois a crise não lhe possibilitava dar de uma vez aquilo que ele queria oferecer. E acrescentou com convicção: " Pobre passarinho que esquece o seu ninho! Eu não esqueço a minha terra e tudo o que seja para o progresso e para melhorar as condições de vida das pessoas tem sempre o meu apoio."
Foi o presépio mais lindo da minha vida!
Já perto do Natal, apareceu-me ao fim de uma Eucaristia semanal. e lança-me de rajada o desafio: "O senhor quer-me ajudar a fazer o presépio?" Perante o meu ar de estranheza, logo acrescentou: "Conhece fulano?"
Eu conhecia. Então contou-me a história. Nascera esse homem de uma aventura extra-namoro de seu pai. A rapariga com quem namorava e veio a casar soube da situação, mas nunca acolheu o pequeno em casa nem sequer permitiu que os dois filhos nascidos do casamento falassem ou convivessem com o meio-irmão.
A vida foi andando, o rapaz foi para longe e por lá constituiu família. Quer durante a vida do pai quer após o falecimento deste, nunca deixou de visitar o torrão natal sempre que podia, alimentando a esperança de que fosse possível vir a estabelecer relações de amizade com a madrasta e os irmãos. Mas da parte destes nunca encontrara qualquer porta aberta, pelo contrário...
Tinha vindo passar a quadra natalícia com a esposa e confidenciara à pessoa que me falou o sofrimento que lhe causava sentir-se afastado dos irmãos. Que a única prenda que queria no Natal era poder abraçá-los.
Reflectimos os dois, estudámos a melhor forma de actuar sem ferir susceptibilidades e traçámos o plano. À pessoa coube a fatia de leão na tentativa de resolução deste caso por motivos para ambos evidentes.
Um dia, na semana após o Natal, a mesma pessoa encontrou-me e exclamou: "O presépio ficou lindo de morrer! Foi o presépio mais lindo da minha vida!" E explicou, envolvida num sorriso enorme, que o nosso plano dera certo. Que os três irmãos haviam falado, abraçaram-se, ficaram loucos de contentamento e haviam consoado todos juntos.
É isso. Faltam faróis no mar encapelado dos preconceitos, dos respeitos humanos, de velhos orgulhos, de indiferenças, de feridas por cicatrizar.
Quem quer ajudar a aproximar pessoas, abatendo barreiras? Faltam braços e abraços de paz...
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