sábado, 20 de fevereiro de 2016

Deus quer que apostemos na família


Como vem sendo hábito nas suas visitas apostólicas, também o programa da visita ao México incluiu um encontro do Santo Padre com as famílias. Tal encontro ocorreu no passado dia 15 de fevereiro no Estádio “Víctor Manuel Reyna”, em Tuxtla Gutiérrez.

Depois de ouvir testemunhos de alguns circunstantes, proferiu o seu discurso em que fez, por várias vezes, referência a tais testemunhos de vivência sofrida, mas carregada de esperança.

Aos olhos de Francisco um estádio em terra de Chiapas adquiriu, graças à multidão das famílias presentes, um “sabor de família, de lar” em que Deus Se faz presente. E, quando Deus está presente, a família deixa que a alguém que venha por bem se abram as portas da casa, da vida em família, em que se partilha o pão que alimenta e o suor ante as dificuldades do quotidiano – “o pão das alegrias, da esperança, dos sonhos, e o suor perante as amarguras, as deceções e as quedas”.

O encontro apresentou como nota de terna visualização a cena de um rapaz enfermo a ler o seu testemunho por um papel seguro pelo pai e pela mãe ajoelhados. E o Pontífice não deixou de chamar a atenção para esta imagem: “os pais de joelhos diante do filho, que está enfermo”.

Achando natural que haja discussão em família, mas não aceitando que o dia termine sem o necessário entendimento, o Papa insistiu no cultivo do amor familiar. E esse amor entre os cônjuges, esse amor de pais para filhos e de filhos para os pais, vivido na intimidade familiar sem as perturbações do exterior, leva aos gestos mais fecundos. E Francisco reconhece o simbolismo do gesto de quem ajoelha diante do filho enfermo e aprecia as palavras do enfermo Manuel que ganha na família aquele “encher-se de vontade”. É a família que induz a que os seus elementos se encham de “vontade para a vida”, encham de vontade a família, os amigos e todos os que encontrarem na vida.

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Depois deste dado empírico, o Pontífice latino-americano remeteu para a origem desta vontade e deste sonho, o Espírito Santo, que nos dá “motivos para continuar a apostar na família, sonhar, construir uma vida com sabor a casa e a família”.

Na perspetiva papal, a família não é uma simples invenção humana, mas um fruto do desígnio de Deus, como explicou:

“Isto é o que Deus Pai sempre sonhou e, por isto, Deus Pai lutou desde os tempos antigos. Naquela tarde, quando tudo parecia perdido no jardim do Éden, Deus Pai encheu de vontade aquele jovem casal e mostrou-lhes que nem tudo estava perdido. E, quando o povo de Israel sentia que não podia resistir mais na travessia do deserto, Deus Pai incitou-o a encher-se de vontade com o maná. E quando chegou a plenitude dos tempos, Deus Pai encheu de vontade a humanidade para sempre mandando-nos o seu Filho.”

Também hoje Deus Pai – diz o Papa – Deus Pai encheu e enche de vontade a nossa vida, “porque não pode proceder diversamente”. Pai Deus não desiste de nos querer bem e de nos encher de vontade, impelindo-nos para diante, “porque o seu nome é amor, o seu nome é dom gratuito, o seu nome é dedicação, o seu nome é misericórdia”.

Diga-se, em termos parentéticos, que muitas vezes os construtores de opinião dão relevo apenas aos lances de denúncia política, social e económica do Papa Francisco e esquecem que tudo isto radica na leitura que faz do Evangelho, nos seus pressupostos e nas suas consequências vivenciais. Ora, como sabemos, é a liberalidade misericordiosa de Deus que O leva a desejar o nosso bem e a desenvolvê-lo uns com os outros na família, no grupo, na comunidade. E, para tanto, exige-se a fraternidade da partilha, da equidade no serviço, na justa distribuição, no amor. Por outro lado, quando esta convivência regista quebras de solidariedade, tem que estar disponível o perdão em ordem à recomposição do relacionamento.

Por isso, Deus Se revelou aos homens e lhes confiou o seu desígnio. Diz o Bergoglio:

“Tudo isto no-lo deu a conhecer, em toda a sua força e clareza, no seu Filho Jesus, que gastou a sua vida até à morte para tornar possível o Reino de Deus; um Reino que nos convida a participar naquela lógica nova que põe em movimento uma dinâmica capaz de abrir os céus, capaz de abrir os nossos corações, as nossas mentes, as nossas mãos, desafiando-nos para novos horizontes; um Reino que tem sabor de família, que tem sabor de vida partilhada.”

Sobre a possibilidade da instauração e virtualidade do Reino, explicita:

“Este Reino, em Jesus e com Jesus, é possível; é capaz de transformar em vinho de festa as nossas perspetivas, atitudes e sentimentos frequentemente anaguados; é capaz de curar os nossos corações, convidando-nos repetidamente – chegando a setenta vezes sete – a recomeçar; é capaz de fazer sempre todas as coisas novas.”

Na sequência do testemunho de Manuel, Francisco reconhece que há “muitos adolescentes sem audácia, sem força, nem vontade”. E, como causa, aponta o facto de se sentirem sozinhos, não terem ninguém com quem conversar. Neste sentido, ficam interpelados os pais quanto à conversa com os filhos ou quanto à falta de tempo para eles.

Além da solidão, muitos jovens sentem a precariedade e o dedo condenatório dos outros. Ora, na sequência do testemunho de Beatriz, reconhece o Pontífice, “pode-nos desesperar a precariedade, a escassez” e o “ver-se privado muitas vezes do mínimo indispensável”. Mais: a precariedade gera ansiedade, o não saber que fazer, sobretudo “quando há filhos para criar”.

E, se a ameaça da precariedade ao estômago já é grave, mais grave é a sua ameaça à alma: “pode desmotivar-nos, tirar-nos a força e tentar-nos para caminhos ou alternativas com solução só aparente que, no fim de contas, não resolve nada” – só nos fecha dentro de nós deixando-nos a alma deserta.

Depois, o discurso apresenta formas de combate a esta precariedade e isolamento:

- Leis que protejam e garantam o mínimo necessário para cada família e cada pessoa poderem crescer através do estudo e dum trabalho digno;

- Compromisso pessoal de procurar transmitir o amor de Deus que experimentamos no serviço aos outros;

- Oração e integração na vida da Igreja, comungando “com o irmão frágil, o doente, o necessitado, o prisioneiro”.

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Também o Papa denuncia as várias frentes da fragilização da família:

- Considerá-la um modelo já ultrapassado e sem lugar nas nossas sociedades;

- Favorecimento de sistemas ditos modernos baseados no modelo do isolamento;

- Colonização ideológica – em nome da liberdade, democracia e soberania – destruidora da família como célula base da sociedade sã.

E, reconhecendo que “viver em família não é sempre fácil e, muitas vezes, é doloroso e árduo”, Francisco diz da família o mesmo que já disse da Igreja:

“Prefiro uma família ferida que cada dia procura harmonizar o amor, a uma família e sociedade enfermiça pelo confinamento e/ou a comodidade do medo de amar. Prefiro uma família que procura uma vez e outra recomeçar a uma família e sociedade narcisista e obcecada com o luxo e o conforto.”

Critica o Papa explicitamente o caso dos casais que não querem ter filhos na pujança da vida porque preferem o luxo ou a comodidade, as férias, o turismo. E depois, quando querem, já é demasiado tarde. Assim, o Pontífice insiste:

“Prefiro uma família com o rosto cansado pelos sacrifícios à família com rostos maquilhados que não se entendem de ternura e compaixão. Prefiro um homem e uma mulher (…) com o rosto enrugado pelas lutas de todos os dias, que, passados mais de cinquenta anos, continuam a amar-se.”

E, para que a família se estabeleça, progrida e se mantenha, “é preciso ter paciência, amor, é preciso perdoar-se”. Mesmo que haja discussão, que é natural, é importante que, diz o Papa:

“Não terminem o dia sem fazer a paz; porque, se acabam o dia em guerra, vão acordar já em guerra fria, e a guerra fria é muito perigosa na família, porque vai escavando por debaixo das rugas da fidelidade conjugal”.

A propósito de rugas, deixa o exemplo duma atriz latino-americana de cinema a quem aconselharam um arranjo “para poder continuar a trabalhar bem”, quando, já próxima da casa dos sessenta anos, se começaram a ver as rugas na cara. Porém, ela retorquiu determinada:

“Estas rugas custaram-me muito trabalho, muito esforço, muita aflição e uma vida sobrecarregada; nem por sonhos lhes quero tocar, são os vestígios da minha história”.

No casal, acontece o mesmo, segundo as palavras de Francisco:

“A vida matrimonial tem que se renovar todos os dias. E, como disse antes, prefiro famílias enrugadas, com feridas, com cicatrizes, mas continuam a caminhar para diante; porque estas feridas, estas cicatrizes, estas rugas são fruto da fidelidade a um amor que nem sempre foi fácil. O amor não é fácil; não é fácil, não. Mas é a coisa mais linda que um homem e uma mulher podem trocar entre si: o verdadeiro amor, para toda a vida.”

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Na sequência do pedido que lhe fizeram para rezar por aquelas famílias mexicanas, o Pontífice prometeu rezar ali mesmo e apontou, rezando e fazendo rezar:

-A Mãe, Nossa Senhora de Guadalupe. “A Guadalupana quis visitar estas terras, o que nos dá a certeza de que, pela sua intercessão, este sonho de família não será derrotado pela precariedade e solidão. Ela é mãe e está pronta a defender sempre as famílias, a defender o nosso futuro, está sempre pronta a encher-nos de vontade, dando-nos o seu Filho.”

- São José, “caladito, trabalhador, mas sempre à frente da família, sempre a cuidar da família”.

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Pela oração, pelo amor, pelo compromisso pessoal para com os outros, pela integração na comunidade, as famílias progredirão, hão de manter-se e concretizarão o desígnio de Deus e a vontade dos homens.

2016.02.18 – Louro de Carvalho

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