sexta-feira, 28 de setembro de 2007

A marrã e o basulaque

Cada terra tem as suas tradições. Em Tarouca, há duas tradições culinárias interessantes: o basulaque e a marrã pelo S. Miguel.
Penso que podemos contextuar a tradiçaõ, embora não o afirme categoricamente.

Em tempos que já lá vão, a carne era um luxo. Os que podiam matavam o seu porquito e era na salgadeira ou nas partes defumadas que estava a carne que comiam. Tinha que dar para o ano inteiro e, por isso, o seu consumo era milimetricamente programado. Galinha? Cordeiro? Só nas grandes ocasiões e em algumas casas.
Ora, com o fim das colheitas, começavam as matanças dos porcos. E havia algum tempito de alguma fartura: as febras, os torresmos, etc.
É neste contexto, suponho, que se situa a tradição da marrã. A primeira carne fresca. Por isso, imensa gente, de muitos lados, vinha ao S. Miguel para se consolar com as febras assadas nas brasas ou fritas. Na minha terra, que fica a alguns quilómetros daqui, desde pequeno ouvia falar aos mais velhos: "Vamos à marrã a Tarouca."
Ainda hoje, muita gente aqui se desloca por causa da marrã. Actualmente, não é por causa da carência de carne - febras é um prato vulgaríssimo - mas pelo contexto da tradição. "sabem como nunca", dizem os que procuram o petisco nas barraquitas da feira.
Claro que a carne já não tem o sabor de outros tempos. O porco caseiro foi há muito substituido por aquele que resulta da exploração industrial.

O basulaque é um prato típico de Tarouca, Tarouca mesmo. Nos povos da freguesia muito pouca gente o sabe confeccionar. E mesmo na sede, praticamente só os mais velhos lhe mantêm o timbre, o sabor, a originalidade. O que, confesso, é pena.
O basulaque é fundamentalmente confeccionado com os "miúdos" dos animais. De belo sabor - para quem gosta, claro... O segredo está no jeito e nos temperos.
Suponho que também esta tradição enraiza na situação sócio-económica de outros tempos e que seria então um prato dos pobres. Estes não tinham acesso às partes nobres do animal. Então recolhiam aquilo que os outros não consumiam e deitavam fora: vísceras, rins, fígado, miolos... Depois, limpavam, tratavam e cozinhavam a refeição que, com o decorrer dos tempos, passou a ser melhorada na sua confecção.
Hoje o basulaque não é um prato propriamente barato. Em restaurantes, aparece no jantar anterior à festa de São Miguel e, porventura, no dia. Nas famílias com um fundo histórico tarouquense, aparece nas mesas nesta ocasião. E digo-lhes que é aí que o basulaque atinge todo o esplendor do seu sabor.

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