Poderia tratar-se duma postura de
mimetismo alinhante num gesto folclórico de cariz religioso. Porém, Dom Nereus
Rodrigues, o reitor da referida Basílica, diz que “todos estão ansiosos para
receber o sacramento da reconciliação”.
Como se entende isto se para
aceder ao sacramento da reconciliação é necessário ter recebido o Batismo, o
sacramento porta de entrada na comunidade eclesial?
O predito reitor, que todos os
dias atende de confissão os penitentes, como o padre Aniceto, o vice-reitor,
explica:
“Muitos
não cristãos vêm aqui, ficam na fila e depois ajoelham-se diante do padre e
sentam-se no confessionário. Falam baixinho e pedem o perdão dos pecados”.
Dom Nereus Rodrigues reconhece que, desde o início do
Ano Jubilar, vem crescendo o número de pessoas de outros credos que visitam a
basílica. E, para aumentar nessas pessoas o interesse pelo cristianismo, o
bispo instalou painéis que explicam as obras espirituais e corporais de
misericórdia, sublinhadas pelo Papa Francisco para este Jubileu. Assim, “os
peregrinos podem ler, conhecer e depois praticar as obras de misericórdia”.
***
O facto mostra que a noção de pecado está presente no
espírito dos crentes, qualquer que seja o credo da sua pertença religiosa, já
que espelha a séria consciência das limitações e das falhas humanas na relação
de cada um consigo mesmo, com o transcendente e com o próximo, bem como a
crença na possibilidade de reconversão e mudança de vida. Depois, fica patente
a possibilidade de cada um se apresentar perante Deus conforme as suas próprias
condições independentemente da entidade que tenha tomado a iniciativa de
mobilizar os povos para a prática das obras de misericórdia (que
não são exclusivo de ninguém) na sua dimensão de interioridade
espiritual e na sua vertente social e comunitária.
Os preditos ministros do sacramento ensinam-nos, com a
sua atitude de compreensão para com a unidade na diferença, que é possível e
desejável o acolhimento a todos. Todos têm acesso, por vontade de Deus, aos
benefícios da salvação. E a Igreja deve sentir-bem tanto na obra da dilatação
da fé como na humildade de dar testemunho da salvação de que é serva, discípula
e apóstola. Mais do que interpretar ao pé da letra o aforismo Extra Ecclesiam non erit salus, importa
fixarmo-nos no princípio de que a Igreja é instrumento da salvação para todos
os homens e terá de testemunhar perante eles a realidade do Ressuscitado e
perante o Ressuscitado testemunhar os dramas de todos os homens. Por outro lado
não pode desistir de fazer discípulos em todas as nações e tentar levar todos à
fé em Cristo. É a força da missão entrosada com o diálogo inter-religioso! E, se
a Igreja tiver a consciência apurada de comunidade de serviço e missão, não se
fecha em seu casulo grupal nem se estriba em qualquer sentido de superioridade
e autorreferencialização. Ao invés proclama as bem-aventuranças, praticando e
promovendo a prática sincera e eficaz de todas as obras de misericórdia.
***
Transcrevo as obras de misericórdia na versão
portuguesa do Pontifício Conselho Cor Unum:
OBRAS
DE MISERICÓRDIA CORPORAL
1. Dar de comer a quem tem fome.
2. Dar de beber a quem tem sede.
3. Vestir os nus.
4. Acolher os forasteiros.
5. Assistir os doentes.
6. Visitar os presos.
7. Sepultar os mortos.
OBRAS DE MISERICÓRDIA ESPIRITUAL
1. Aconselhar os duvidosos.
2. Ensinar os ignorantes.
3. Admoestar os pecadores.
4. Confortar os aflitos.
5. Perdoar as ofensas.
6. Suportar pacientemente as pessoas molestas.
7. Rezar a Deus pelos vivos e pelos mortos.
Sobre
as obras de misericórdia, o cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado do
Vaticano, comentando o livro-entrevista do Papa sobre a misericórdia e o
atentado terrorista em Istambul (que matou 10 pessoas)
no passado dia 15, reiterou o convite à misericórdia, ressaltado no livro por
Francisco. E assegura que é ela que garante a justiça no respeito por cada um
nos seus direitos e necessidades e obviamente satisfazendo estes pressupostos
da dignidade de toda a pessoa humana. É nesta linha que o purpurado afirma que as
obras de misericórdia “devem tornar-se uma dimensão social” contra a postura
meramente pietista de muitos, que rezam para que haja pobres e desvalidos a fim
de encontrarem espaço para a prática da caridade (?!).
Mais
garante Parolin que, em face dos males que estão acontecendo e, mesmo
condenando sem margem para dúvidas todos os massacres, “o único remédio é a
misericórdia” contra a pura sanha vingativa ou contra o ambiente generalizado
de medo e de insegurança.
É preciso ir
“ao encontro das necessidades dos homens como expressão da misericórdia” e como
“expressão de justiça”. Porém, “tudo tem de começar com uma atitude do coração
que se abre ao irmão e vê um irmão em cada pessoa” e “também com o perdão”,
porque, “se não perdoamos, o ciclo de violência e conflito não vai se romper”.
E o mesmo
cardeal explicitou aso jornalistas:
“A misericórdia vai além dos méritos; de outra forma,
não seria misericórdia. O Senhor veio para aqueles que abrem a porta, para
aqueles que têm a intenção de lhe abrir a porta”.
E sublinhou:
“Se há uma superabundância de
misericórdia, certamente deve haver uma atitude de abertura por parte da pessoa.
A graça de Deus não pode fazer nada com aqueles que permanecem fechados; ela
não pode entrar. O próprio Jesus disse no Apocalipse: ‘Eu estou à porta e bato;
se alguém me abrir, eu entro’. E se alguém não abre, Ele não entra”.
***
Enfim, que o
Ano Jubilar constitua um jorrar da misericórdia divina feita misericórdia entre
os homens, plasmada na intensa e generalizada prática da justiça e que haja paz.
Todos
entendem a linguagem da misericórdia, mesmo aqueles que abusam os
misericordiosos!
2016.01.14 – Louro de Carvalho
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