Ocorreram
em Portugal, nos últimos tempos, umas tantas passagens bizarras a que já me
referi em outras ocasiões e de que destaco: um Estado a deixar-se pisar por
Bruxelas, que obrigou à venda do Banif ao Santander Totta; um Banco de Portugal
a transferir imprevistamente do Novo Banco para o banco mau, com prejuízos para
outros, ativos que a resolução integrara no banco que fora criado em agosto de
2014; Cavaco Silva a declarar redundantemente que é de manter a tradição de
apresentação de Boas Festas de Natal independentemente do Governo que esteja em
funções, quando porfiara ter empossado o atual porque não podia dissolver o
Parlamento (ele, que pretendera, à face da lei, distinguir
“presidente de câmara” e “presidente da câmara”, “presidente de junta” e “presidente
da junta”); a Casa
Civil do Presidente a avaliar com ufania o facto de, no segredo dos deuses, ter
promovido a negociação da alteração de 300 diplomas antes da promulgação (normativos
que hão de ter força publica
e
provenientes de outros órgãos de soberania)
– bela atitude de transparência a adicionar à do hermetismo das contas
denunciada pelo Tribunal de Contas, bem como às aquisições por ajuste direto e
junto dos mesmo fornecedores, em nome da eficiência e discrição.
Isto
para não falar da campanha eleitoral para a Presidência da República marcada
por fenómenos também bizarros: uma candidatura alegadamente solitária, servida
nos bastidores por duas poderosas máquinas partidárias; outra candidatura de
partido, que a direção do partido não apoiou, insólita na eficácia, nos
resultados, na resposta (ou falta dela) às provocações e nas promessas
(como
a dos jantares diplomáticos em lares da terceira idade); uma candidatura do “tempo
novo” apoiada por alguém que, para a distanciar do atual inquilino de Belém,
aponta ao candidato as mesmas caraterísticas de personalidade de Cavaco Silva;
uma candidatura de franco-atirador bem posicionada em quase todo o território;
e uma candidatura de forte partido eleitoralmente trucidada.
***
Nestes
últimos dias, a imprensa deu conta da pícara diplomacia italiana: Roma tapou estátuas de nus em sinal de
respeito pelo presidente do Irão e nada
de álcool servido ao jantar com o presidente iraniano. Com efeito,
para evitar embaraços diplomáticos e, alegadamente num gesto de respeito pelo
visitante Hassan Rouhani, presidente do Irão,
num périplo oficial por Itália, todas as esculturas de nus no Museu Capitolini,
em Roma, foram obrigadas a ocultar a sua atrevida nudez com um isolamento
fornecido por proporcionados painéis brancos.
O predito
museu foi o local escolhido para o encontro entre Rouhani e o primeiro-ministro
italiano Matteo Renzi, no passado dia 25 de janeiro. Porém, ao longo dos amplos
corredores percorridos por ambos os estadistas, nenhuma das estátuas mais
desavergonhadas ficou patente aos olhares dos ilustres e das respetivas
comitivas.
Também
por motivos religiosos respeitantes à religião do presidente iraniano, o
islamismo, professado no seu país, não foram servidas bebidas alcoólicas no
jantar oferecido em sua honra.
Embora
o gabinete de Matteo Renzi se tenha esquivado a explicar a decisão, um
porta-voz do Capitolini esclareceu que os pormenores da visita foram delineados
pelos serviços do gabinete do primeiro-ministro.
O
presidente iraniano iniciou efetivamente, no dia 25, em Itália, a sua primeira
visita oficial à Europa, no contexto temporal do levantamento das sanções
internacionais ao Irão. Da agenda da visita em Itália fizeram parte ainda encontros
com Sergio Mattarella, seu homólogo italiano, e com o Papa Francisco. E o périplo
europeu de Hassan Rouhani prosseguiu para França.
***
Enquanto as autoridades de Roma e de Teerão fazem ouvido de
surdo em relação à polémica das estátuas tapadas em Itália em sinal de respeito
pelo presidente do Irão, João Soares, ministro da Cultura de Portugal, garante
que não autorizaria semelhante gesto em Portugal, que tem por completamente
“disparatado”, pelo que, em Portugal “nenhuma estátua
seria tapada” para agradar a um dirigente estrangeiro.
Entretanto, Matteo Renzi foi mordazmente criticado, nos diversos quadrantes
políticos, pela cedência injustificada ou motivada pelo facto de, no âmbito da
visita, irem ser celebrados negócios bilaterais no valor de 17 mil milhões de
euros. O governante italiano foi ainda censurado por não ter feito qualquer
referência, nos discursos oficiais, à questão dos direitos humanos.
O episódio ocorrido em Roma deslustra o tradicional
aforismo, “Em Roma, sê romano”, que
servia de norma a determinar a aceitação das leis e modos de vida da comunidade
que visitamos ou em que pretendemos inserir-nos. O aforismo conhece uma
variante mais explícita e não vinculativa ao Império: na terra onde estiveres, faz como vires. E o dever de integrar
cidadãos imigrantes que impende sobre os países de acolhimento e a obrigação de
hospitalidade inerente ao devir comunitário não dispensam a necessidade e a
conveniência de adaptação às leis, regras e usos autóctones, a menos que sejam
manifestamente “inéticos”.
Por conseguinte, não vale, a título algum, acocorar a
civilização e a cultura europeia (e, em concreto, a italiana, a
portuguesa, a francesa…) perante
qualquer civilização e cultura. Depois, a cultura europeia merece defesa,
preservação e promoção e é digna de orgulho por via da sua excelsa justiça,
decência e estética.
Apesar dos seus defeitos, lacunas e bizarrices e
necessidade de devir humano, ela não pode ceder ao relativismo amoral ou ao
moralismo estéril e desrespeitoso pelos nossos próprios valores a ponto de nos
remetermos à mais vilipendiada inibição cultural e diplomática ou ao mais
obtuso servilismo ao poder exógeno – concretizável a prazo na mais hedionda
iconoclastia.
Conforme preservamos em ambiente “ecotopográfico” os
templos e palácios greco-romanos ou as catedrais medievais e os templos,
palácios e outros monumentos renascentistas, barrocos, neoclássicos, românticos
e da pós-modernidade, também temos de preservar e ostentar as vistosas estátuas do nu
renascentista, geradas pelo génio europeu. Torna-se aviltante cobrir as
produções artísticas da história e cultura europeias para hipocritamente não
ferir as suscetibilidades pseudomorais de um visitante por mais ilustre ou
conveniente que seja.
Se um presidente estrangeiro não
consegue tolerar a cultura de um país a visitar, que o não visite. Ou então,
que desvie os olhos para não ver a vanidade (vd Sl 119) da nudez europeia. Ou será que
os iranianos nascem vestidos? Será, antes, que a arte já perdeu a capacidade
das liberdades artísticas e pedagógicas que se lhe reconheciam? Será inválido o
esforço teológico de João Paulo II e outros, conducente à espiritualidade do
corpo, preferindo-se o desconhecimento corporal?
***
É óbvio que é tão obtuso o puritanismo conservador
iraniano como o grotesco progressismo da província de Alberta, no Canadá, cujo
governo retirou do vocabulário das escolas palavras como “pai”, “mãe” e os
designativos de género “ele”, “ela”, “eles” “elas”. Para muitos, já começa a
saber a arcaica a diferenciação sexual através das palavras. Não levará muito
tempo que as pessoas se confessem todas do mesmo sexo, mas a perceber a
diferenciação anatómica seguida de notórias diferenças psicológicas!
***
Também na
Itália não é inédita a falta de convivência com as raízes cristãs europeias e
italianas: em escolas e outros espaços comunitários, por alegado respeito por
migrantes muçulmanos e migrantes ateus, que era necessário acolher e para não
traumatizar os seus rebentos, nos últimos anos eclipsaram-se os motivos
cristãos na celebração do Natal.
Porém, sempre
que há atentado terrorista, lá se levantam as vozes autorizadas a alertar para
a necessidade de não se deixar que a oposição ao terrorismo cerceie a nossa
liberdade ou o nosso modo de vida.
É certo que
procedemos bem em perceber que os atentados terroristas são um ataque ao nosso
modo de vida. Mas devemos também opor-nos a outros ataques ao modo de vida dito
ocidental. Com efeito, há muitos europeus que os promovem, muito céleres na
proteção aos muçulmanos residentes na Europa, com o risco de nos induzirem a
passar a vida a abjurar a sociedade livre, próspera, diversificada e
respeitadora dos direitos, liberdades e garantias dos indivíduos. Autoculpamo-nos
de tudo: da pobreza vivida nos regimes corruptos aos atropelos aos direitos
humanos pelos governos despóticos. E corre-se o risco de acontecer no
terrorismo o que sucede com os casos de violação, a culpa ser das vítimas, que
se puseram a jeito.
E, na Europa,
os muçulmanos são protegidos duma realidade traumatizante: as mostras públicas
do cristianismo, que ferem a sensibilidade islâmica. Porquê? Por humanismo, não
certamente, mas por contemporização resultante da falta de compromisso
religioso e por falta de sabedoria dialogal. Assim, Bruxelas, em 2011, ostentou
uma gigantesca árvore de Natal e o presépio da Grand Place. Junto ao Manneken
Pis, havia outro presépio de rua, e as crianças entusiasmaram-se mais com as
figuras ofensivas do Menino Jesus e família do que com a mascote da cidade. Por
conseguinte, em 2012, já não existiu a árvore de Natal da Grand Place, se
considerar que tal símbolo de festa católica ofendia os muçulmanos residentes
na Bélgica. Também em 2014, um tribunal francês em Nantes decretou a retirada
de um presépio dum edifício municipal da
zona envolvente, e vários outros presépios em locais públicos foram
hostilizados. Na Grã-Bretanha, já é malvisto desejar Merry Christmas em vez do pan-religioso Seasons Greetings, além do ataque propagandístico que, de quando em
quando, é desferido contra o nome de Deus.
E Portugal,
bom aluno da Europa moderna e decente, ostenta muitas decorações públicas de
Natal já desnudadas da vertente religiosa, enxameadas de motivos comerciais
atinentes a outros elementos, alguns dos quais, embora com antigo sentido
cristão, o foram perdendo ao longo do tempo.
***
Gosto
de referir que estudei a religião grega, a religião romana e outras. Não me
feriram aqueles dados religioso-mitológicos nem fiquei seu aderente. No
entanto, reconheço que enditaram o saber, a estética, a cultura e a ciência.
Sabedoria e tolerância são o que falta, não?!
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