Sim, soube-o
pela mensagem móvel e pela voz do Padre Justino Lopes: Monsenhor Cândido Azevedo falecera a 13 de dezembro, III domingo do
Advento e memória de Santa Luzia.
Não sendo eu a
pessoa com mais capacidade para dizer alguma coisa a respeito deste homem da
Igreja, com quem travei conhecimento pela via das lides pastorais, da docência
e da intervenção social, tenho de assumir com gosto o dever moral de deixar o
meu testemunho em torno de um homem de fé e convicções, que esmagava pela
erudição, mas prendia pelo humanismo.
No quadro da
fé do sempre conhecido por Padre Cândido,
ninguém tem qualquer sombra de dúvida sobre a sua índole inabalável, ao serviço
da qual colocou o seu verbo fluente e arquitetonicamente bem construído. Aparentemente
gongórico, não parava de revestir a profundidade que a fé postula e sua
proposta firme e afável exige, tanto nos tempos de hoje como nos tempos em que
o orador se formou, mas que tentou marchar sob a batuta do tempo, sobretudo do “tempo
favorável” da salvação. Todos o reconhecíamos como um dos oradores mais
fulgurantes e imbatíveis. Mesmo se eventualmente um sermão se iniciava de modo
menos vivo, a meio do percurso oracional começava a arrasar.
Sabia
preencher o tempo longo de que dispunha, mas também era disciplinado a ponto de
em três ou cinco minutos expor a mensagem que devia comunicar – sei-o por
experiência própria.
Em termos
sociais, Cândido de Azevedo nunca teve medo de intervir e marcar a sua posição
ideária e até ideológica, o que levou a que muitos os denominassem de padre
político. Porém, nunca omitiu o reconhecimento do mérito, viesse ele donde
viesse, ou a apresentação da censura do demérito ou mesmo do desaforo onde quer
que fosse necessário.
Apesar de
firme nas suas convicções pessoais e eclesiais, sociais e políticas, nunca as
suas maneiras de ver constituíram impedimento ao abraço a iniciativas, eventos
e ações que favorecessem o bem e a imagem da Igreja e dos territórios onde
desempenhava funções jurisdicionais. Sabia sobrepor o interesse comunitário às
parcelares perspetivas pessoais.
Nem sempre foi
compreendido e acompanhado, mas é justo e grato destacar a sua qualidade de
amigo de seus amigos, nomeadamente dos sacerdotes, de zeloso no cumprimento dos
seus deveres pessoais e comunitários, de obreiro de inúmeras ações
empreendimentos.
Quer-me
parecer que, apesar de os colegas o admirarem e ele estar sempre disponível e
prestável, nem sempre a Igreja, que ele serviu abnegadamente, lhe reconheceu publicamente
as reais qualidades (mesmo o monsenhorato terá pecado por tardio).
Também o
concelho de Sernancelhe, pelo qual transpôs muitas vezes a soleira íngreme da
dedicação, lhe retribuiu tardiamente alguma simpatia pela perspetiva de vida e
ação. Mas acabou por o fazer, sendo de destacar a publicação que a Câmara
Municipal fez do seu livro Igreja Românica de Sernancelhe, lançado no dia do município, em 2012.
Igreja e livro figuram no facebook. A tal respeito, escrevi, em tempo,
algo que me apraz reiterar:
Soube há muito pouco tempo da existência deste instrumento
de “consagração” comunicacional da Veneranda Igreja
Românica de Sernancelhe. O templo é aquele monumento que os olhos não se cansam
de observar, de cuja explicação os ouvidos sempre gostaram de escutar e que os
cristãos fervorosos sentem o prazer de frequentar para incremento da
espiritualidade e da celebração eclesial. O monumento arquitetónico (com suas
peças escultóricas, pictóricas, mobiliárias e de pequenos objetos artísticos)
foi confiado ao papel em que ficou como outro monumento pela pena de Monsenhor
Cândido de Azevedo, com a mestria do conhecimento holístico e de cada pormenor
por mais minúsculo que se julgasse. Agora, o monumento escrito parece galgar as
vias da autoestrada da informação. Pelo que para já, os meus parabéns pela obra
e as mais profundas saudações ao autor do livro e aos construtores do novo
“monumento” no dinamismo do comunicacional on
line. E o meu desejo é que sirva de proveito espiritual e cultural a todos
os amantes da arte, da cultura e do cristianismo vivo. Prosit!
E, já em anos anteriores, em justo reconhecimento do seu papel
na divulgação do mérito histórico e linguístico do Padre João Rodrigues,
missionário jesuíta sernancelhense (2.ª metade do século XVI e 1.ª do século XX),
a Escola EB 2/3 de Sernancelhe adotou como patrono o Padre João Rodrigues e, em
22 de dezembro de 1996, Dom Américo do Couto Oliveira, ao
tempo bispo diocesano, inaugurou, a convite da Câmara Municipal (cativada pela
figura do missionário sernancelhense em terras de Japão, China e Índia), o
Pavilhão Desportivo Padre João Rodrigues,
a praça Padre João Rodrigues e um
monumento escultórico evocativo da chegada dos portugueses ao Oriente.
O homem, que
ao contrário do habitual, parecia ser a medida do tempo que passava, ao passo
que ele permanecia acabou por nos abrir mais o caminho para o Além.
Encontrei-o,
pela última vez, num episódio em que, sem eu o pensar, éramos quase
“adversários”. Perguntei-lhe pela saúde. Respondeu-me claramente: “Mal”. E,
passados uns segundos, acrescentou com dificuldade: “Por dias”.
Enquanto rogo
para ele a recompensa eterna, espero que o eco da sua voz perdure na memória
dos amigos e das comunidades eclesial e civil para bem da cultura e da Igreja.
2015.12.14
– Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.