O termo respeito e outros que tais da mesma família
gramatical são utilizados em contextos tão diversificados que o conceito por
eles veiculado se torna manifestamente plurívoco. Desde o governo que protesta
respeitar o Tribunal Constitucional, mas prepara legislação em parte
contradicente dos seus acórdãos, à pessoa que assegura não ter medo de uma
trovoada, mas um certo respeito, passando pela simples referência “a respeito
de…”, tudo serve, até o envio de “os meus respeitos” à pessoa que recentemente
me apresentaram. Afirmações como “a pessoa que se preza dá-se ao respeito e
exige que a respeitem”, “é preciso respeitar a autoridade”, “respeitar os
valores axiológicos”, “respeitar a distância entre veículos” e “respeitar os
direitos dos trabalhadores” ou “respeitar o código do trabalho” são princípios
comummente aceites. Já não serão para levar a sério estribilhos como “o
trabalho é sagrado: respeita-o, não lhe toques”. E é de ingénua enunciação, de
desviante entendimento ou de interpretação muito restrita a asserção popular
que ouvi quando a RTP, em 1985, apresentou o filme “O obcecado”: perante o
facto de um indivíduo que sequestrou uma mulher e lhe infligiu os piores tratos
pondo-a, por várias vezes, às portas da morte, algumas telespectadoras comentavam:
“Que grande safado! Tratou-a de resto, mas, graças a Deus, não lhe fez mal,
nunca lhe falou ao respeito”.
Perante um panorama lexical e semântico tão diversificado,
entendi dever dar-me à sinecura de apurar os significados conceptuais do
vocábulo “respeito” e de alguns dos da mesma família de palavras. E, uma vez
que se trata de palavra cujo étimo latino é o “respectum”, acusativo do
singular de respectus, us da 4.ª declinação, consultei F. Gaffiot, em Dictionnaire
Latin-Français (1934, Librairie Hachette), e Francisco Torrinha, em Dicionário
Latino-Português (1945, Edições Marânus, 3.ª ed). No primeiro (pg 1352),
podemos ler, para respectus, 1 action de regarder en arrière; 2
consideration, égard; 3 possibilité de regarder vers quelque-un ou quelque chose,
c’est-à-dire de compter sur quelque-un ou quelque chose, recours, refuge.
No segundo (pg 748), encontramos 1 ação de olhar para trás; 2 vista, espetáculo
(para quem se volta para trás); 3 consideração (deferência), respeito,
atenção; 4 asilo, refúgio. Ambos relacionam o vocábulo com os verbos respicere
e respectare, que têm significados muito próximos do nome masculino de
que ora tratamos, bem como com o nome feminino species, ei, da 5.ª declinação
(que significa aparência, vista, rosto ou espécie), e com os verbos specere
ou spicere (avistar, ver, olhar) e spectare (olhar, contemplar;
observar, considerar, prestar atenção, esperar, ter em vista, analisar,
apreciar, julgar, relacionar-se, pertencer, referir-se).
O Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora
(2011, pgs 521.929.1385-1386), da coleção Dicionários Editora, tem a
recensão de respeito (nome masculino, com a origem latina em respectu,
já com a apócope de -m) e as correspondentes derivadas com os prefixos des-
e in- (ir-, por assimilação consonântica) e com vários sufixos em
diversas aceções – 1 ato ou efeito de respeitar; 2
consideração, apreço; 3 deferência, acatamento, veneração; 4
homenagem, culto; 5 temor, receio; 6 relação, referência; 7 aspeto, ponto de
vista; (no plural, respeitos) cumprimentos – e integrado em locuções,
como a respeito de, com respeito a (relativamente a), conter
em respeito
(manter a distância, não deixar aproximar-se), de
respeito (notável), dizer respeito a (ter relação com, referir-se
a), faltar ao respeito a
(ser descortês com, ser inconveniente com), por respeito a
(em atenção a). E temos entradas lexicais para: respe ou réspice
(descompostura, repreensão); respeitabilidade; respeitado e respeitador;
respeitante, respeitável e respeitavelmente; respeitoso; respetivo e
respetivamente; e outras com os prefixos des- e in-.
Sendo assim, o que é o respeito? Tudo o que fica dito no
primeiro parágrafo condiz com a noção de respeito. Porém, o respeito pela
trovoada é mesmo medo; o trabalho, por ser sagrado, não implica que se lhe não
toque, mas que seja considerado ou tido em conta; e é preciso banir a
hipocrisia de quem diz que respeita uma decisão, mas não a acata, ou seja, age
em sentido desviante ou mesmo contrário.
Por seu turno, a Wikipédia (enciclopédia livre, acedida em
2014.02.01), que passamos a seguir de perto, esclarece que
o respeito consiste num sentimento positivo de estima por uma pessoa
ou para com uma entidade e também abrange ações específicas e condutas
representativas de tal estima. Pode mesmo corporizar um sentimento específico
de consideração pelas qualidades reais do outro ou a conduta de acordo com uma
moral específica. Nestes termos, “ser rude é considerado uma falta de respeito (desrespeito)
enquanto ações que honram a alguém ou a alguma coisa são consideradas
respeito”. Muitas culturas dispõem de morais específicas de respeitos às quais
atribuem uma importância fundamental.
Porém, “respeito” distingue-se de “tolerância” porque tolerância
não compagina necessariamente nenhum sentimento positivo, e não é compatível
com desprezo, o contrário de respeito. Vindo, como vimos, a palavra respeito do
latim respectus, que, por sua vez, provém de respicere que
significa olhar para trás e se prolonga semanticamente em respectare,
evoca a ideia de julgar alguma coisa em relação ao que foi feito quando é
valioso ser reconhecido. Além disso, a noção de respeito implica a sua
aplicabilidade a uma pessoa que fez algo certo, mas também a qualquer coisa
afirmada no passado como uma promessa, a lei, etc.
Por isso, assumo atitudes de respeito quando: respeito o
nome de Deus não O invocando em vão, porque é sagrado e Lhe presto o culto
latrêutico; cumpro a lei e os regulamentos; reconheço os direitos humanos;
guardo as distâncias em relação aos perigos e às pessoas a quem devo reverência
(recorde-se a “mesura” das cantigas de amor medievas); ajudo aqueles com quem
devo colaborar ou que precisem da minha atenção e auxílio; acato as decisões de
quem de direito e obedeço aos meus superiores hierárquicos naquilo que não
contrarie a lei e a consciência pessoal e profissional; sigo escrupulosamente a
minha consciência, contra as pressões, ambições, oportunismos e acomodações;
relaciono-me com as pessoas, cumpro os meus deveres e exerço os meus direitos
ou a contento ou reivindicando-os com firmeza e persistência; abordo as
diversas matérias em que me sinto competente por força do conhecimento ou por
disposição legal e mobilizo todos os assuntos relacionados com elas consoante a
sua pertinência; preservo o alheio, o sagrado, o valioso; e curvo-me perante os
símbolos das realidades imateriais ou das coletividades que integro ou que
outros integrem. Mas, sobretudo, disponho-me a olhar para trás, ou seja, a
refletir responsavelmente sobre as minhas opções de vida e de ação e os meus
atos em concreto, a ver o que pode melhorar, e até que ponto há alguém que
precise de ser ouvido, atendido ou ajudado. Por outro lado, numa linha de
convivência sadia, dou livremente a minha opinião, sem a impor, e considero as
opiniões e a postura dos outros, evitando qualquer juízo precipitado ou
desnecessário. E não deixo de cumprir o que prometi no quadro da fidelidade à
palavra dada ou aos juramentos e declarações em que empenhei a minha palavra de
honra.
E, ao mesmo tempo, não descuro os deveres para comigo, tanto
materiais e corporais como culturais e espirituais, na convicção de que, se não
me habituo ao autorrespeito, cuidando de mim e dos meus legítimos interesses,
não estou capacitado para respeitar os outros nem para deles exigir respeito.
Enfim, o cidadão que se preze autorrespeita-se, respeita,
dá-se ao respeito e faz-se respeitar!
2014.02.01
Louro de Carvalho
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