A inveja, a insídia, o despeito, o prazer da delação e da denúncia, tudo isso veio ao de cima.
E as redes sociais deram a esse fenómeno um gigantesco impulso.
Na internet circulam textos abomináveis, onde o azedume, a insatisfação e a má-criação dão as mãos.
E sendo hoje a contaminação entre os media muito rápida, esse espírito doentio alastrou à imprensa popular, que gosta de explorar as misérias humanas.
E da imprensa popular à imprensa de referência foi um pulo.
Para não falar nas televisões, cujos conteúdos se aproximam às vezes perigosamente do jornalismo tablóide.
Neste momento, já quase todos os media entraram no jogo.
As notícias mesquinhas – ou uma forma mesquinha de tratar as notícias – multiplicam-se por toda a parte.
É o fulano que foi contratado por ser filho, sobrinho, irmão ou afilhado do político A ou do empresário B, como se os familiares de políticos ou de empresários tivessem de ficar no desemprego.
É o gestor que ganha ‘uma fortuna’ – e escarrapacha-se na 1.ª página do jornal (ou mesmo no ecrã da TV) o que o fulano ganha (sem se perceber muitas vezes se é bruto ou líquido, se inclui ou não prémios ou subsídios, etc.) e como se fosse um crime ganhar bem.
É o órgão de soberania que compra carros ‘de luxo’ (que frequentemente são carros bons mas correntes).
Etc., etc.
Muitas destas notícias são verdadeiras, embora possam ser pouco rigorosas.
Mas não é isso que está em causa.
O que está em causa é a forma como são apresentadas, procurando despertar reacções mesquinhas.
Tentando estimular sempre o lado mais baixo de quem lê ou ouve.
Claro que, em tempo de crise, exige-se equidade, repartição dos sacrifícios, sentido de justiça.
E o Governo e os líderes das empresas têm de ter, em alto grau, este cuidado e esta sensibilidade.
Só que as reacções violentas que se observam não têm muitas vezes que ver com a indignação respeitável face a iniquidades ou injustiças.
Têm que ver com a dimensão menor do ser humano.
Até porque muitos daqueles que usam as redes sociais para fazer as suas denúncias, registar as suas críticas ou desencadear os seus ataques não são os mais necessitados, os mais sacrificados ou os mais fracos: são simplesmente os menos bem formados.
Nuns manifesta-se a ganância – porque, embora ganhando razoavelmente, lhes ‘roubaram’ um subsídio ou uma regalia (de que nem precisavam muito).
Noutros vem ao de cima o despeito – porque acham que o colega foi menos sacrificado do que eles no emprego ou o vizinho do lado comprou um carro melhor do que o seu.
É conhecida a história do americano que vê passar um carrão na avenida e diz: «Um dia hei-de ter um carro igual àquele», enquanto o português chama nomes ao condutor.
Não precisamos de ser tão ambiciosos como os americanos – mas com uma mentalidade mesquinha não vamos a lado nenhum.
O espírito ‘denunciante’ não nos levará longe.
Se passarmos a vida a olhar para o lado em vez de olharmos para nós (‘o que posso eu fazer mais e melhor?’), se preferirmos invejar o vizinho em vez de lutarmos pelo que queremos, não conseguiremos nada.
Até pelo seguinte: muitos daqueles que hoje mais criticam, mais denunciam, mais atacam, mais se indignam, são os que amanhã, se tiverem oportunidade, pior farão.
Porque, em geral, não o fazem em nome de sentimentos superiores – mas de impulsos inferiores.
Em geral não querem a elevação do país – querem que o país rasteje ao nível da sua mediocridade.
Em geral, não têm sentido de justiça – têm simplesmente inveja.
E a inveja torna as pessoas piores.
José António Saraiva
Sol, 2012-08-20
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