terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Estudam com um cobertor enrolado aos pés

É aluno universitário. Responsável, solidário e colaborante. Notas muito altas.
Não, não pensem que é "marrão". Apenas sabe gerir muito bem o tempo. No seu calendário semanal, há espaço para o desporto, para o voluntarido, para o convívio com amigos e amigas. Mas não estuda só à boca dos testes, dos trabalhos, das frequências, dos exames. Não prescinde de ter o trabalho escolar em dia e de o alargar com pesquisas várias.
Uma faceta marca as suas vivências diárias: gostar de estar todo em tudo o que faz. É tempo de se divertir, diverte-se à farta; é tempo de voluntariado, não faz que faz, faz mesmo; é tempo do desporto, entrega com paixão ao jogo. É tempo de aulas, estudo, investigação? Então está lá, por inteiro.
É calmo e nada revoltado com a vida, embora saiba que não tem as roupas de marca, os telemóveis caros, as potentes motas, os carrões de alta cilindrada, as férias paradisíacas de muitos dos seus colegas. Sabe os tostões com que pode contar e tem que os trazer sempre contadinhos.
Referiu-me que há pouco tempo a sua família, sentada à volta da mesa de jantar e aquecida por uma braseira que afagava os tições vindos do fogão a lenha, falava sobre as prendas de Natal. A mãe lá ia explicando que a vida estava muito difícil e que não haveria grandes prendas lá em casa. Ele que mais uma vez ouvira calmamente o difícil rosário da vida, disse aos pais que não se preocupassem com ele, mas que se pudessem, dessem um telemóvel, mesmo baratinho, ao irmão mais novo que seria, certamente o único aluno do 11º ano que não tinha um. Ao menos como estímulo ao aluno brilhante que também era.
Naquela casa não há "rendimentos mínimos", pois lhes cairia a cara ao chão se aceitassem receber dos impostos dos outros enquanto tivessem duas mãos para trabalhar...
Nas tardes e noites frias de Inverno, estudam com um cobertor enrolado aos pés, pois não há dinheiros para gaz ou excessos de consumos de electricidade. Também não há grandes doces, iguarias, excentricidades.
Disse-me que só teve uma vez umas calças de marca, porque uma tia emigrante lhas oferecera. Aparecendo logo a seguir o queixume da mãe: " Ó meu filho, com o dinheiro dessas calças, comprava-te eu na feira três pares que já dariam para muito tempo..."

Há mesmo gente que sobe a corda da vida a pulso! Pessoas assim deveriam ter as portas do futuro escancaradas. Mas têm?
Neste país, pergunto: que lhe adiantarão os 18 com que provavelmente vai acabar o curso se um colega seu, que terminou com 12, lhe irá certamente passar à frente no emprego? Sabem porquê? Porque tem "cunha"... É filho de empresário, de político, de pessoa influente... Ele, que é filho do povo, poderá ter que se contentar com os restos...

É isto que me revolta! Nunca vi um filho de político desempregado. O tráfego de influências, os "concursos falsos", a corrupção, os jogos de poder têm, tantas vezes, mais força do que a "igualdade de oportunidades" que é o cerne de uma democracia a sério. E isto tanto no estado como nas empresas privadas.
Como costuma dizer uma senhora amiga, há alguns que nascem e são obrigados a viver em berços de ouro. A outros, nunca é permitido muito mais do que uma velha manta estendida no chão.

Mas não acredito que isto tenha que ser sempre assim. De modo nenhum. Espero vivamente que, para lá dos escombros éticos em que vivemos, se erga o mundo novo que há-de vir.
E virá. Porque acredito que o homem vai querer que venha.

2 comentários:

  1. Também me indignam a mim as enormes injustiças que se cometem por este mundo relativas a isto... Entendo (pelo lado da emoção) que políticos e outros senhores poderosos "caiam na tentação" de, a toda a força, empregar familiares e amigos...Mas custa-me aceitar que à custa disso sejam negligenciados indivíduos mais competentes... A verdade é que por estas e por outras ficamos cada vez mais pobres e mal "entregues"...Sei de tantos casos assim... Persiste no entanto a esperança de que inteligência/competência, abnegação e persistência poderão andar de mãos dadas e daí, sim, as oportunidades surgem.

    Beijos
    SusanaR

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  2. Muito obrigado pela presença e pelo comentário, pertinente e lúcido.
    Lutemos aqui pela esperança de um mundo novo que há-de vir.
    Beijinho

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